Extra Nos (“fora de nós”)
Em “Surpreendido pela Alegria”, C.S. Lewis apresenta sua longa jornada em direção à fé no que poderíamos descrever como um trabalho divino de extração – “Fui, como dizem, ‘arrancado de dentro de mim mesmo'”, segundo as suas palavras. As experiências com a “alegria”, que tiravam o seu sossego e o forçavam a olhar para além de si mesmo, seriam nada menos que o insistente chamado divino. Lewis precisou até mesmo de uma conversão intelectual para finalmente olhar para fora de sua alma , entendendo que não é possível fixar a atenção simultaneamente na fonte da experiência e na impressão produzida pela experiência, compreensão essa alcançada através da leitura de certa obra filosófica. Aos poucos ele aprendeu que a constante introspecção e a concentração nos “rastros” e “sedimentos” da experiência não apenas é inútil, mas bloqueia o contato com as fontes objetivas da experiência.
Assim, de uma pessoa intensa e fundamentalmente introspectiva, Lewis tornou-se menos consciente de si, em sua vida de sensações, seus estados mentais, suas ideias, para tornar-se mais consciente da realidade; “Crer e orar marcaram o início da extroversão”. Conversão significou, para Lewis, extroversão.
Conversão é Extroversão
Creio que essas descobertas de Lewis tem um significado mais do que autobiográfico, já que a introspecção é um problema para tantos de nós. Não a introspecção como prática disciplinada, pontual, mas como fixação da alma, como forma permanente de organização e de trabalho da consciência. Além disso, não me refiro aqui (apenas) ao exame constante e neurótico de uma consciência atormentada, mas à introversão como descrita por Lewis, que seria essa atenção permanente ao estado de espírito, às sensações produzidas pelas coisas, como forma de obter felicidade e segurança. Essa preocupação constante com o sentir-se bem, com os efeitos que as coisas causam “na pele”, nos sentidos e no coração, a ponto de ignorar a natureza das coisas é, pelo menos, similar ao que Lewis descreveu. Se for certo dizer que vivemos na era do capitalismo emocional e do trabalho altamente disciplinado visando o prazer do consumo; se vivemos, como alega Christoph Türcke a partir de outra problemática, em uma cultura da sensação, talvez haja até mais do que uma similaridade. Talvez a cultura contemporânea sofra de um pathos de introversão: não existe verdade, bem e beleza além do nível epidérmico; a beleza está em quem sente; o bem é o que faz sentir bem; a verdade é a verdade das minhas percepções. E o que o coração não sente, aos olhos não interessa.
Sinto que, na cultura contemporânea, conversão também será extroversão, no sentido de reconhecer a fonte da beleza, além do prazer que ela me causa; a objetividade do bem na ordem do mundo e além dele, além do benefício que me é imediato; e a verdade que não é meu sistema de ideias logicamente justificado, mas a realidade. Foi da leitura de Lewis que me veio essa suspeita da vida contemporânea como peculiarmente introvertida – isso a despeito da ciência moderna e das graves preocupações com o futuro do nosso modo de vida.
Esse tema se liga também a um outro que tratamos em posts anteriores: o da identidade. Temos razões teológicas – mas não apenas teológicas – para crer que a identidade do homem está além de si mesmo. Somos à imagem de Deus, e isso é o que nos foi dado, acima de tudo. A recusa em reconhecer a realidade de Deus e a realidade de sua dádiva nos coloca nessa condição de alienação, na qual já não podemos nem saber quem somos nem ser quem somos; e em nossa revolta contra Deus, usamos a liberdade para deixar de ser o que somos.
Como a tradição agostiniana sempre ensinou, o problema do conhecimento de mim mesmo é indissociável do problema do conhecimento de Deus; a interrogação sobre quem somos é uma ponta de um único fio, e na outra ponta desse fio está a interrogação sobre quem Deus é. Se o homem contemporâneo estiver aprisionado e encurvado sobre si mesmo, tanto mais afastado de si mesmo estará, na mesma medida em que estará afastado de Deus. Nesse sentido, Lewis não poderia estar mais correto; quanto mais introvertido se torna o homem, menos sentido a sua vida tem, e mais longe ele fica de saber quem é.
Espiritualidade Introvertida
Temo que a espiritualidade evangélica, por sua ênfase histórica na conversão pessoal e na experiência religiosa individual, tenha se tornado particularmente susceptível a esse pathos contemporâneo. Uma vez que ele seja reconhecido, a sua comparação com a espiritualidade e o culto popular das igrejas evangélicas parecerá imediatamente plausível. Até mais do que no pentecostalismo tradicional, as igrejas neopentecostais e carismáticas mais jovens (ou “third wave”, segundo alguns) apresentam uma forte concentração nas sensações e em experiências episódicas de alegria religiosa, como se fossem a essência do Cristianismo.
Naturalmente, a alegria da presença divina não é tema novo nem moderno; está nos Salmos! E eu seria o último a dizer que culto bom é culto correto e chato. Mas não é disso que falamos. A questão é: quanta realidade atribuímos ao que não sentimos? Há verdade religiosa além da sensação? Há beleza objetiva, além daquela que serve ao louvor da igreja, ou além dos meus ouvidos? Quanto valor atribuímos ao que não sentimos, ou ao que está além do que sentimos?
Da simples experiência de conversar repetidamente com cristãos evangélicos em crise com a sua espiritualidade, pudemos detectar o problema em toda a sua crueza, aqui em L’Abri. Na medida em que essa experiência religiosa “epidérmica” é buscada com mais intensidade, como se fora a busca de Deus, ela simplesmente se desvanece. E quanto mais desvanece, mais ainda é buscada, até que todo o senso de realidade é perdido e a mensagem Cristã se torna uma nebulosa mitologia. Para alguns, o assalto da dúvida intelectual acontece nesse ponto, mas curiosamente não tem raízes claramente críticas; é menos amor pela verdade do que simplesmente ansiedade ou ressentimento. Seu resultado é sempre o mesmo: na falta de um universo real, e de um ponto de integração pessoal, a pessoa não apenas deixa de saber sobre Deus, mas já não sabe quem é ela mesma; não consegue mais se encontrar.
Extra Nos
Recentemente um pastor de jovens muito famoso apareceu na propaganda de um evento – a “Quarta Louca por Jesus” cheirando uma Bíblia, como se fosse “pó”. Na mente de muitos foi apenas a confirmação de seus temores (ou, para alguns, desejos secretos) de que todo esse experimento religioso não passaria de auto ilusão, de excitação religiosa. O indivíduo se esquece do mundo real (que é, também, onde Deus está) e se esquece de si mesmo embarcando em uma viagem de sensações que, para alguns, será perigosa.
Não devemos ser rigorosos demais aqui; não é que tudo se trate apenas disso, ilusão, luzes e sensações; mas que essa união espúria da alegria cristã com o pathos contemporâneo desencaminhará muitas pessoas. Ao invés de fundar suas identidades no chão firme da realidade de Deus, que dá sentido para o mundo e nos diz quem somos, a atenção e as energias de muitos crentes singelos ficarão dispersas no universo superficial dos sentimentos, onde verdade, beleza e bondade não tem objetividade. É preciso ensinar o Cristianismo de outra forma.
E como se faz isso? Não reprimindo sentimentos ou desprezando a experiência imediata, mas interpretando-a como é: a presença, para nós, de algo que está além de nós. Procurando a base da nossa espiritualidade em algo sólido, além de nós mesmos. E aqui compartilho um trecho um tanto longo de Bonhoeffer (negritos meus) que tem sido muito influente em minha caminhada pessoal:
A leitura contínua de livros bíblicos obriga toda pessoa que quer ouvir a deslocar-se para o local onde Deus agiu, de uma vez por todas, para a salvação da humanidade, e a deixar-se encontrar nesse lugar […]. Tornamo-nos parte parte do que ocorreu para a nossa salvação naquela vez: esquecendo e perdendo a nós mesmos, atravessamos o mar vermelho, peregrinamos pelo deserto, passamos pelo Jordão e entramos na terra prometida; juntamente com Israel somos assaltados por dúvidas e caímos em descrença e, por meio de castigo e arrependimento, tornamos a experimentar a ajuda e a fidelidade de Deus; e tudo isso não é mero sonho, mas realidade santa, divina. Somos arrancados da nossa própria existência e transportados para dentro da sagrada história de Deus na terra. Foi lá que Deus agiu em nós, e é lá que ainda hoje age em nós […]. O que importa não é que Deus seja expectador e participante das nossas vidas hoje, importa que nós sejamos ouvintes devotos e participantes da ação de Deus na história sagrada, na história de Cristo na terra […]. (Dietrich Bonhoeffer, “Vida em Comunhão”, 6 ed, p. 39-40)
Aqui acontece uma inversão total. Não é assim que a ajuda e a presença de Deus ainda tenham que se revelar em nossas vidas, pois na vida de Jesus Cristo já se revelaram a presença e a ajuda de Deus […]. Nossa salvação encontra-se “fora de nós mesmos” (extra nos), não em minha biografia, mas tão-somente na história de Jesus Cristo.”
Não é curioso encontrar Lewis e Bonhoeffer falando em sermos “arrancados” de algum lugar? Sob ângulos diferentes, sem dúvida; para Lewis, trata-se de ser arrancado “de si mesmo”; para Bonhoeffer, de ser arrancado para ser transportado. Mas para ambos, a questão é a mesma: o encontro com a realidade.
Ora, a salvação diz respeito ao que é a realidade sobre o mundo, sobre Deus, e sobre nós mesmos. Ela está extra nos porque tudo o que é essencial para um ser humano é dádiva. A dádiva é a realidade suprema, que fundou o mundo e funda a história da salvação. Ser salvo não é matéria apenas de ter uma experiência pessoal, mas de equacionar a nossa experiência com a realidade, exatamente como estar perdido é estar em trevas e fora da realidade. É deixar de ter uma biografia individualista, para ser parte de uma história que começa antes de nós. Espiritualidade Cristã não é mero sonho, mas realidade santa, divina. A narrativa Bíblia apresenta o eixo, esse núcleo duro da realidade sob cuja luz tudo o que experimentamos e que os homens dizem ser real precisa ser interpretado. A presença de Deus na história, narrada no evangelho Cristão, é o chão firme e rochoso da realidade, que nenhuma ideia ou experiência é capaz de ultrapassar.
“A Leitura Contínua de Textos Bíblicos”
O que devemos fazer é descer a esse chão firme, e nos abandonar a ele pela “leitura contínua de livros bíblicos” recomendada por Bonhoeffer – o que, sem dúvida nenhuma, será muito mais do que “cheirar” a Bíblia. Bonhoeffer está falando aqui de liturgia, mas sua aplicação pode ser muito mais ampla. Para nós, trata-se de fundar a nossa identidade na narrativa Bíblica, que estrutura e ilumina a realidade. Essa narrativa mostra quem nós somos e quem Deus é como fatos que, mesmo sendo radicalmente internos, só são encontrados de forma radicalmente externa, “extra nos”, e com os quais devemos nos conformar para ter experiências significativas. E então deixamos de ter um Cristianismo de “sedimentos” e “rastros”, na linguagem de C.S. Lewis, para ter um Cristianismo de realidades sólidas, de verdade, bondade e beleza além da superfície da experiência, para as quais olhamos esquecidos da nossa subjetividade. Deixamos de nos encontrar na experiência episódica e hormonal – de esportes radicais à “adoração extravagante” – para nos encontrarmos nesse lugar, “o lugar onde Deus agiu”.
Fora de nós mesmos, ganhamos a Deus e também a nós mesmos; deixando para trás o próprio eu e caminhando em direção a ele, reencontramos o nosso mundo de experiências e a nós mesmos, transfigurados e integrados, como uma dádiva das suas mãos. Não diz Apocalipse que cada um dos vencedores ganhará uma pedrinha branca com um nome escrito?
Salvação é a integração do eu com a realidade objetiva de Deus. É a volta do filho a casa do Pai. E é justamente por isso que Jesus fala que é necessário nascer do espirito. Carne e sangue não herdam o reino de Deus, dizia Paulo. E esse eu, assim integrado – nascido numa dimensão superior do ser – não tem como deixar de se deslumbrar. Em verdade, somos novas criaturas! Ele é como uma criança espiritual, que faz parte de um novo universo real, novo e significativo. E assim, todas as coisas se fazem novas, pois agora tudo passa a ser iluminado com a luz de Deus, pelo Espirito da verdade viva em nos. E não mais estamos sozinhos. O medo se evapora e somos tomados por uma profunda segurança na bondade de Deus. Eis a realidade da vida. Eis a alegria. Nossa luz é agora uma luz branca, contendo todas as cores, e não mais uma luz negra. O mundo deixa de ser cinzento e passa a ver vibrante, colorido. O homem real é completo. E o homem completo é aquele que tem o seu eixo em Deus. E quanto mais cremos nessa realidade, mais significativa a nossa vida sera. Estando assim centrado em Deus e não em si mesmo, o homem encontra um ponto de apoio seguro de onde poderá erguer, pela graça de Deus, a sua vida. E assim, ele deveria se tornar como o seu Pai, uma Fonte de vida. Não porque ele em si seja uma fonte, mas justamente porque agora passa a viver nele Algo que é pura Graça. “O Pai, que esta em mim, realiza as suas obras”, dizia Jesus. Agora, em nossa geração, deveríamos ter a audácia de dizer: “O Filho, que vive em mim, realiza as suas obras”, assim como Paulo, que dizia: “Não sou mais eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. E uma fonte não tem como jorrar aguá para si mesma. Ele também se torna como uma arvore, dando muitos frutos. Ora, os frutos de uma arvore igualmente nunca são para si mesma, mas “para quem estiver passando”. E é nesse sentido, creio eu, é que somos chamados a essa extroversão divina, no sentido de irradiar todas as qualidades providas pela graça, buscando com isso embelezar e enriquecer o mundo, o qual esta atualmente tao carente de tais atributos.
Um leitor fez o seguinte comentário:
“Entra nos”, Carvalho!!
Corrija lá, falta um acento agudo, cara pálida!
Vc além de não saber inglês, é ruim de teologia e péssimo de português”
Acho que vale esclarecer que a expressão “Extra Nos” está em latim, e foi retirada do livro de Dietrich Bonhoeffer, “Vida em Comunhão”, segundo a citação que está no próprio texto. Daí a falta do acento agudo…
Segue um link curtinho e fácil apresentando o termo: http://www.reclaimingthemind.org/wordoftheday/extra-nos/
Ele me disse ( na escrita), certa vez, que sofro de carência textual.
Ele é meu amigo (de texto) aqui do portal Ultimato. Conheço-o; no texto, na pena e só.
Eu diria aqui que ele sofre de carência realizacional (grifo meu e assumo o erro). É a famosa e velha frustração enrustida que se manifesta na forma de inquisição praticada precipitadamente por ele, sinalizando a natureza do trauma emocional dele.
Mas digo que esse meu diagnóstico aqui, não tem validade clínica, e o perfil desenhado por mim aqui é só na pena, no lápis. Eu acredito que ele seja um bom menino ( rsrs…) mas que não sabe lidar com a superação; se é que me entendem. Outra vez digo: no lápis, na pena e na escrita e só.
Eu acredito que dá pra discordar de vocês, quando for o caso, dá pra criticar, enfim. Mas tudo tem uma maneira educada de proceder, não é não?
Outrossim , existem outros blogs muito dificieis com assuntos variados, para quem, derrepente, sentir-se superior aqui.
Acredito que aqui é comunhão, reflexão, devoção, aprendizado também, até debates podem acontecer. É nobre quando sabemos reconhecer, tudo isso sem ser pedante,msa reconhecendo os que têm especialidades em suas áreas.
Eu tenho a cura para isso ( rsrs…)
Quando não sei , eu já digo: perdiiiii, não seiiiii mas quero aprender.
Agora, não é porque eu não estudei lá não sei aonde, que vou ter que ficar quieto, ou ter tolhido o direito de pensar, independente do meu material. Ora, desde que eu pense certo qual o problema, não é não?
Agora sempre admiro. Isso sempre faço. Admiro mesmo sem problema; a vocês, ao Eduardo e a qualquer um aqui.
Eu penso e isso me basta.
Oi Sérgio,
sinta-se livre para discordar racionalmente de mim. Também acredito que aqui é “comunhão, reflexão, devoção e aprendizado”. Quanto ao terrorismo virtual desse leitor, acho melhor você ignorar, do contrário será definido por ele. Dá corda não.
abraços!
Sem dúvida, segundo a Bíblia, é necessário que o homem esvazie-se de si mesmo em prol da busca de harmonia com o Criador, e, consectariamente, da alegria autêntica (porque santa) no desenrolar da caminhada terrena. Mas esse esvaziar-se não elimina ou cerceia a introspecção hígida e sine qua non. E essa introspecção não se pode tomar em sentido um tanto depreciativo, como se alguém que a praticasse mostrasse-se falto de entendimento ou com reduzida capacidade intelectiva.
Ao demais, a possibilidade de percepção da realidade – em si mesma incomensurável e inadjetivável – certamente não decorreria ou emanaria de decantadas ou determinadas habilidades existenciais ou de aprendizados acadêmicos, mas, de modo inconteste, originar-se-ia da misteriosa misericórdia ou permissão de Deus, pelo Seu Espírito, sem que para isso de nós fossem exigidos malabarismos quaisquer, exceto a simplicidade de um coração contrito, que, por sua vez, não induz ao ensimesmar-se ou ancorar-se em experiências inconsistentes.
Fora daí, a Bíblia não teria qualquer representatividade e tornar-se-ia um mero e extremamente prolixo ajuntamento de palavras em forma de contos e aconselhamentos de cunho filosófico.
Caro José Rubens,
no seu primeiro parágrafo vc diz que o auto esvaziamento não elimina a introspecção sadia. Concordo. Eu disse que elimina a introspecção como fixação da alma no universo da sensação. No segundo, vc diz que a percepção da realidade não decorre de habilidades, mas tão somente de uma obra especial ou miraculosa do Espírito. Bem, isso é decididamente falso. Diga-me, para dar um exemplo simples: como se pode compreender a realidade de um escritor, sem saber ler? E não é a leitura um aprendizado? Os exemplos se multiplicariam infindavelmente. A compreensão do que significa ter filhos, por exemplo, não muda radicalmente quando os temos? Não nego a obra do Espírito; apenas nego que ela seja necessariamente desassociada de “habilidades existenciais” e até do “aprendizado acadêmico”.
Boa noite, Guilherme Carvalho:
Na verdade, quando eu me referi a ‘REALIDADE’ ou à percepção dela, decididamente eu abstraí o cotidiano, o consuetudinário, aquilo de fácil sabença ou por todos sabido. Fiz alusão à realidade GRANDIOSA, isto é, aquela que nos faz arder o coração, como homens, como seres grandemente humanos, como imagem e semelhança do Altíssimo.
Sim, entendo… ainda assim, não me parece viável desassociar completamente a realidade divina da realidade criada, posto que o conhecimento de Deus se dá seminalmente através das coisas que foram criadas; de modo que não perceber a transparência da criação e sua relatividade em relação ao Criador é desconhecer não apenas ao Criador, mas à própria natureza. Naturalmente, concordo que a misericórdia divina e o coração contrito sejam as sementes para o encontro com a realidade divina, mas entendo que entre os sinais de ambos estará a mudança na percepção da realidade em geral e, como eu disse, a extroversão da alma. No caso de alguém como Lewis, bloqueios filosóficos teriam de ser quebrados; no caso de pesosas mais simples, Deus fará o necessário para que essa mudança de percepção ocorra. E, sem dúvida, assim como os convertidos trazem ainda tantas marcas da velha vida, tendências a uma introspecção doentia ou à extroversão referida no artigo podem atrasar a caminhada de cristãos genuínos, não acha?
Desculpe, Guilherme:
Com sua licença, eu gostaria de explicitar que não tenho qualquer propósito de erigir polêmicas ou algo semelhante. Faço esta introdução com o objetivo de deixá-lo à vontade para, se quiser, dar por encerrado este, digamos, debate.
O homem é um ser essencialmente pensante, visceralmente, racionalmente e inteligentemente pensante; embora, num paradoxo, estejamos sempre cometendo os enfadonhos erros do passado, geração após geração.
Envolvemo-nos com as mesmas bobagens de nossos antepassados próximos ou remotos, apenas com a diferença de que, nos dias atuais, ostentamos gadgets ou parafernálias eletrônicas cada vez mais sofisticadas.
Nesse contexto, nota-se uma dificuldade extremamente avolumada (quase inexpugnável) no que diz respeito à absorção das virtudes que a história nos revela, de vez que, na prática, tudo não passa de algo como contos que, de tão maravilhosos, parecem utópicos. E não o são. Não podem ser. A menos que Deus e a Bíblia sejam tão-só uma das facetas dos delírios humanos.
Permito-me pensar (num inevitável exercício de introspecção e observação) que o curso do tempo representado por séculos não nos tornou a nós (que hoje momentaneamente vivemos no plano físico) ou, dito de outro modo, não ocasionou que nós estejamos num estágio “evolutivo”(sic) que nos permitisse raciocinar com maior clareza, de maneira tal que sobrepujássemos figuras d’antanho como Abraão, Moisés (este que, no relato bíblico, não sabia expressar-se), Paulo (expressava-se com brilhantismo, instruído aos pés de Gamaliel), ou, ainda, em relação aos autores de compêndios ou tratados literários referidos em sua postagem (C.S.Lewis etc.).
Como não sou leitor do Sr. Lewis, fico a imaginar se ele atingiu o ideal da introspecção e da percepção da realidade. Fê-lo?
A narrativa bíblica contém um exemplo esplendoroso de percepção da realidade, narrado pelo próprio (ilustrado e instruído) Paulo de Tarso, lembra-se? Está em II Coríntios, 12:1-5.
Não me é possível (dentro de minhas reconhecidas limitações) descortinar ou assimilar a proposição no sentido de que a “extroversão da alma” constitua algo como um procedimento ou norma a ser seguida ou praticada, e por efeito da qual dar-se-ia a expunção das “marcas da velha vida” ou das “tendências a uma introspecção doentia” por você citadas acima.
Como não ser introspectivo? Ou como exercitar a introspecção sem características de morbidez? Pragmaticamente, que deveria o homem empreender para extravasão da alma e, pois, harmonizar-se de maneira ampla com o Criador, tendo o Espírito Santo como coadjuvante?
Até no ato de orar vemo-nos embaraçados, fazendo-se imprescindíveis os gemidos inexprimíveis cravejados na Bíblia!
É óbvio (e eu nem necessitaria isso ressalvar) que ao ser humano é franqueada a aquisição de conhecimentos, de informações, de aculturamento etc. Isso é indubitavelmente salutar, desejável e muito útil em plúrimos sentidos. Mas até que medida e de que modo toda essa “bagagem” me conduziria a uma introspecção sadia e a uma extroversão da alma, e, por conseguinte, apontando-me, como uma espécie de bússola inerrante, os caminhos etéreos?
“Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja.” (Ef. 5:32)
Caro Guilherme,
Apenas para ficar registrado, informo que após o lamentável episódio que você narrou, ocorrido em seu blog, decidi abster-me de tecer comentários tanto em blogs como em textos e modo geral, pelo menos por algum tempo.
Grato pela atenção.
Parabéns, Guilherme!
Excelente texto…
Saudades de vc e do L´Abri
Muito bom o texto, me edificou. Deus abençoe seu ministério.
Olá, me indicaram esse artigo, pois sou uma pessoa muito introspectiva e nunca me disseram que isso seria um problema na vida cristã, mas percebo algo de errado.
Gosto de Lewis, mas nunca li essa obra ” Surpreendido pela alegria”, entrou para minha lista de fututos livros.rs
Fiquei com a impressao de esta errada em ser introspectiva, por ficar com duvida sobre alguns termos (já que nao li a obra) se puder responder, ficarei grata.
O que seria a introspecção como prática disciplinada, pontual?
Fixação da alma, como forma permanente de organização e de trabalho da consciência?
Introspecção como fixação da alma ? (Na visao de Lewis)
Grata
Lewis também disse que “a verdadeira humildade não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo”.