A Reforma e a educação: Calvino, Knox e Comênio

A REFORMA E A EDUCAÇÃO: CALVINO, KNOX E COMÊNIO

 

 

Texto Básico: 2 Timóteo 3.14-17

 

Para ler e meditar durante a semana:
D – Hebreus 4.1-12  – Palavra viva e eficaz
S – Salmo 19.1-14  – Lei perfeita
T – Salmo 119.97-112  – Palavra orientadora
Q – Deuteronômio 6.1-9  – Aprende e ensina
Q – Tiago 1.19-27  – Lei da liberdade
S – Atos 17.10-15  – Exame criterioso
S – Provérbios 9.1-12  – O princípio da sabedoria

 

Introdução

Uma das grandes ênfases das Escrituras diz respeito à educação do povo de Deus. O Senhor diz insistentemente ao povo que preserve a sua Palavra, guardando-a (praticando) e ensinando-a aos seus descendentes. O método estabelecido por Deus que perpassa a todos os outros é o da “repetição” (Shãnâ) (Dt 6.6ss). Não deixa de ser elucidativo, que o Shemá (“ouve”), o “credo judeu” – que consistia na leitura de Deuteronômio 6.4-9; 11.13-21 e Números 15.37-41 –, fosse repetido três vezes ao dia.

Por isso, nada mais natural que um movimento de reforma da igreja, um retorno à Escritura, tenha sido tão enfático na valorização da educação. Nenhuma surpresa será constatar-se que os países que abraçaram a Reforma do século 16 se destacaram pelo ensino e pelo conseqüente desenvolvimento, enquanto os outros perpetuavam as trevas da ignorância medieval.

 

I. O ensino sistemático da lei

Um princípio importante prescrito na Palavra é que a revelação de Deus foi-nos confiada para que a conheçamos e a pratiquemos (Dt 29.29). Deus provê os princípios, os meios e os fins. Ele mesmo que se dignou dar-nos sua Palavra e tem propósitos definidos e meios estabelecidos para que a sua vontade se cumpra. No Antigo Testamento vemos a educação sendo amplamente praticada dentro do lar, sendo os mestres os próprios pais.

No âmbito nacional, vemos que Deus confiou em especial aos sacerdotes a responsabilidade de ensinar a lei – lendo-a periodicamente diante de todo o povo –, aplicando-a às necessidades de seus ouvintes (Lv 10.11; Dt 17.8-11; 31.9-13/2Rs 12.2). Eles eram conhecidos como “os que tratavam da lei” (Jr 2.8). A fidelidade dos sacerdotes no cumprimento de sua missão servia em geral como “termômetro” para medir a situação espiritual do povo. Quando os sacerdotes se desviavam desse propósito, as conseqüências eram fatais. No 8º século a.C., temos um grave e desolador problema na vida espiritual de Israel (reino do norte): Os sacerdotes não ensinavam mais a lei e o povo, ao longo dos anos, prosseguia em seu caminho de desobediência. Deus demonstra por meio de Oséias (c. 750-723) que o povo era a expressão viva do sacerdote, ainda que, ironicamente, por vezes o povo o acusasse: “O teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa…. como é o povo, assim é o sacerdote” (Os 4.4,9). Por outro lado, também é verdade que o povo tornara-se surdo ao apelo divino (Os 8.12; 12.10,13; 2Rs 17.13).

 

II. A praticidade da Palavra para o ensino e a educação

O escritor da epístola aos Hebreus declara que “…A Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4.12). A Palavra de Deus é uma verdade tão viva agora quanto o era quando foi revelada por Deus aos seus servos, que a registraram inspirados pelo Espírito Santo. Ela continua com a mesma eficácia para os questionamentos existenciais do homem moderno. Nosso problema no século 21 – e até mesmo muitos de nós cristãos – é que, com freqüência, sem percebermos, trocamos os preceitos da Bíblia por conselhos de revistas e livros, por modismos veiculados pelos meios de comunicação; substituímos a Bíblia pela psicologia, filosofia, sociologia, antropologia e até mesmo, astrologia, colocando-as como o nosso parâmetro de comportamento, em detrimento da inerrante, infalível Palavra de Deus, que é a verdade viva e eficaz de Deus para nós. Isso tudo nós fazemos alegando estar sendo práticos, esquecendo-nos de que toda e cada parte do ensino bíblico é urgente e necessariamente prático, relevante para nós.

Quando adotamos essa “prática” contemporânea que destoa das Escrituras, cometemos uma total inversão de valores: assimilamos os conceitos humanos que, quando corretos, nada acrescentam à Palavra mas que, na realidade, na maioria das vezes, estão totalmente equivocados, porque desconhecem a dimensão do eterno, os valores celestiais para a nossa vida aqui e agora e, por isso mesmo, apresentam ensinamentos mundanos, frutos de uma geração corrompida. Tais conceitos assumem na vida da igreja um papel orientador. A igreja, ao contrário disso, é chamada a ser uma antítese ativa contra os valores deste século; ela é convocada a viver a Palavra, a considerá-la como de fato é, a Palavra infalivelmente viva e eficaz para a nossa vida, a Palavra final de Deus para a nossa existência terrena.

A lei de Deus continua sendo o princípio norteador de toda a vida cristã. Deus continua ordenando que nós não adulteremos, não roubemos, não matemos, que honremos os nossos pais, que o adoremos com exclusividade…  O que pode fazer uma igreja que preza a Palavra de Deus senão promover o seu ensino e, mais amplamente, promover uma educação calcada nos preceitos do Senhor?

III. A Reforma e a Educação[1]

A. Calvino e John Knox

Calvino[2] criou uma Academia em Genebra (1559), atingindo alunos estrangeiros vindos de vários países da Europa. A Academia tornou-se grandemente respeitada em toda a Europa; o grau concedido aos seus alunos era amplamente aceito e considerado em universidades de países protestantes como a Holanda.

John Knox[3] (1515-1572), após estudar em Genebra, desenvolveu para a Escócia um plano educacional que contribuiria para o progresso do país nas áreas material e espiritual,[4] tendo a Bíblia como tema principal de estudo. A igreja pagaria as despesas dos alunos. A partir desse plano o Parlamento escocês aprovou em 1646 a criação de uma escola para cada região, seguindo indicação do presbitério, votando-se verba para salário dos professores. Aqui houve uma cooperação entre a Igreja e o Estado, estando a supervisão das escolas e professores entregue à Igreja. Este sistema, tão bem sucedido na Escócia, só viria sofrer alterações significativas no século 19.

B. João Amós Comênio

João Amós Comênio (Comenius)[5] (1592-1670), foi batizado com esse nome em homenagem ao pré-reformador João Hus[6] (lição 8) e iniciador da Igreja Morávia (Irmãos Unidos).[7] Aquele que seria conhecido como “Pai da Didática Moderna”, teve uma vida difícil: órfão aos 12 anos (1604), foi acolhido por uma tia paterna. Nesse período pôde estudar na escola dos Irmãos Unidos (1604-1605). Somente aos 16 anos (1608) é que entrou para a escola latina de Prerau. Em 1611 ingressou na Universidade de Herborn e em 1613 foi admitido na Universidade de Heidelberg (Alemanha), onde estudou teologia. Em 26 de abril de 1616 é ordenado pastor. Desde 1618 exerce o pastorado na cidade de Fulnek, na Morávia. No entanto, com a invasão da Boêmia e de sua cidade, que é saqueada e queimada, Comênio é proscrito em 1621, perde sua biblioteca e manuscritos e, o pior: sua mulher, grávida, e seus dois filhos, morrem vitimados pela peste. Ele passou a ter uma vida errante pela Europa. No entanto, apesar de suas tribulações, Comênio pôde produzir uma obra vastíssima ligada especialmente à educação (mais de 140 tratados), sendo o seu principal trabalho – que resume bem a sua obra –, a Didática Magna (escrita em 1632 e publicada em latim em 1657). O método audiovisual encontrou a sua origem em Comênio, também chamado de o “evangelista da moderna pedagogia”.[8] Ele foi o último bispo da Igreja dos Irmãos Boêmios (1632).

Comênio foi o filósofo da educação e o educador mais notável do século 17 e um dos mais importantes de toda a História, tendo a sua obra exercido grande influência durante a sua vida e especialmente nos séculos posteriores, sendo um dos incentivadores da Escola Pública. Há evidências de que ele teria sido convidado por John Winthrop Jr. (1606-1676) a presidir o Harvard College (1642), cargo que de fato nunca ocupou. Na realidade, Comênio recebeu ao longo da vida diversos convites, os quais não pôde atender, como o do Cardeal Richelieu da França, da cidade de Hamburgo e de alguns nobres poloneses. Em 1641 Comênio atendeu o convite de Luís de Gerr que, em nome do rei Gustavo Adolfo da Suécia, solicitou-lhe ajuda para reformar o sistema de escola nacional sueco. Em 1656 ele foi, à convite, viver na Holanda, onde passou o resto de seus dias. Morreu em 15 de novembro de 1670. O filósofo luterano G.W. Leibniz (1646-1716), então com 24 anos, dedicou-lhe os seguintes versos: “Tempo virá em que a multidão dos homens de bem te honrará e honrará não somente tuas obras, mas também tuas esperanças e teus votos.”

 

Conclusão

A forte ênfase que as Escrituras dão ao seu ensino e o lugar de destaque que essa empreitada deveria receber nos lares de Israel, bem como na própria vida nacional do povo escolhido, acompanharão toda a história da igreja, lembrando o povo de Deus de que os termos da Aliança não podem ser esquecidos, ao contrário, devem ser ensinados aos pequeninos e lembrados a todos de todas as idades.

Então, como povo de Deus e, particularmente, como herdeiros da Reforma, carecemos dessa ênfase. E, num país com as raízes que tem o nosso, onde a educação não foi privilegiada desde o começo por não haver uma preocupação com o estudo da Palavra de Deus, essa ênfase haverá de gerar – e é preciso que assim seja – uma preocupação em promover ainda mais a educação. Não basta que sejamos menos iletrados do que o restante da população – como de fato somos. É preciso lutar, como fizeram Calvino, Knox, Comênio, e tantos outros, para promover a educação de todos com base na verdade.

Será a nossa contribuição para reformar não apenas o Cristianismo no Brasil, mas o próprio país e, acima de tudo, será a nossa contribuição para que Deus seja glorificado.

 

Aplicação

Com que seriedade você tem se dedicado ao estudo da Bíblia e à escola dominical?

Com que seriedade você tem se dedicado aos estudos em geral?

Você sabe de pessoas que poderia ajudar ensinando-as a ler e escrever?

 

Autor do estudo: Hermisten M. P. da Costa
Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, na revista ExpressãoLições da História da Igreja 2. Usado com permissão.

[1] Ver: Revista Expressão, tema do trimestre: Cidadania Cristã: uma perspectiva reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1º tri. 2002, lição nº 3.
[2] Para mais dados biográficos ver http://www.justus.anglican.org/resources/bio/168.html
[3] Para mais dados ver  http://www.forerunner.com/forerunner/X0525_Bios-_John_Knox.html  e http://www.creeds.net/bios/jknox.htm
[4]Planejamento da Educação: Um Levantamento Mundial de Problemas e Prospectivas, Conferências Promovidas pela Unesco, Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1975, p. 4.
[5] Para mais dados ver http://www.nibis.ni.schule.de/~rs-leer/com/comen06.htmhttp://www.moravian.edu/aboutmc/comenius.htm
[6]Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000, p. 192; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 39.
[7] Cito como curiosidade, que mais tarde, o Regente Feijó tentará trazer os Irmãos Morávios ao Brasil (1836), com o objetivo de trabalhar na catequese dos índios. Contudo, lamentavelmente eles estavam “impossibilitados de atender” o convite. (Ver: Daniel P. Kidder, Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo), São Paulo, Martins Fontes, (1951), Vol. I, p. 41).
[8] Título da obra de Will S. Monroe, publicada em Boston (1892): Comenius, the evangelist of modern pedagogy.

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2 Comentários para “A Reforma e a educação: Calvino, Knox e Comênio”

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