A confissão é de uma professora de filosofia política e teoria social. Está no livro “Islã, Latinidade e Transmodernidade” (Universidade Cândido Mendes, 2005). A frase completa de Susan Buck-Morss é: “Depois de uma longa gravidez de um futuro que o mundo agora deu à luz, estamos francamente decepcionados”.1

Todo mundo está decepcionado. Até parece que estamos fazendo uma leitura em uníssono de Eclesiastes, repetindo monotonamente a expressão-chave que emoldura o livro: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (Ec 1.2; 12.8). Outras versões dizem “Tudo é ilusão” ou “Nada faz sentido”. 

É a triste confissão que mais se ouve hoje em dia. Tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Tanto de pessoas cultas como de pessoas sem instrução. Tanto de religiosos como de agnósticos. Tanto de empresários como de donas-de-casa. Tanto de jovens como de idosos.

A decepção generalizada, ou globalizada, é com o que se lê, com o que se vê, com o que se ouve e com o que acontece. É causada por justas razões. Além de estarmos de mãos e pés amarrados quanto à solução de antigos e intrigantes problemas, eles se tornam maiores, mais amplos, mais ameaçadores e mais complexos.
O conflito árabe-israelense vem desde Ismael e Isaque, os dois filhos de Abraão. Já envolveram os gregos, os romanos, os otomanos, os ingleses, os franceses e, agora, os americanos.2

Um dos mais insolúveis problemas de hoje diz respeito à droga, cujo comércio movimenta trilhões de dólares por ano e cujo consumo escapa a qualquer controle. Por exemplo, a droga pode ser levada para as penitenciárias escondida na vagina de mulheres, que a entregam aos encarcerados por ocasião da visita íntima. Do narcotráfico estamos caminhando para o narcoimperialismo, palavra usada pelo sociólogo brasileiro Hélio Jaguaribe para explicar o envolvimento americano no controle exercido sobre os países que circundam o Brasil.3

O preconceito racial ainda existe, mesmo com a abolição do tráfico negreiro e da escravatura no século 19. O procurador-geral da justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo César Rebelo Pinto afirma que “os brasileiros afrodescendentes ainda sofrem, no limiar do século 21, os efeitos de um inaceitável quadro de injustiça social e econômica”.4

Os crimes que envolvem o sexo, alimentados e facilitados pela internet, tornam-se cada vez mais numerosos e hediondos. Invadem as sacristias e o turismo. Só nos Estados Unidos existem hoje mais de meio milhão de infratores sexuais cadastrados. Eles são empurrados para fora das regiões mais povoadas. Novas providências para contê-los estão sendo estudadas, como a exigência da castração química, a proibição de viverem a menos de 150 metros de qualquer escola ou creche etc. Mais de 50% dos pedófilos que se submetem a um tratamento especializado, continuam com o mesmo problema.5

Sobre a interminável sucessão de guerras, basta lembrar a Teoria das Incertezas (ou da Turbulência), do estrategista francês Pierre Lellouche, mencionada no artigo Novas teorias sobre poder mundial, do general reformado Carlos de Meira Mattos, doutor em ciência política, publicado na Folha de São Paulo (11/03/05). Segundo essa análise, nos próximos 15 a 20 anos “não haverá um poder capaz de dominar a turbulência provocada por inúmeros conflitos de índole social, étnica, racial, religiosa, familiar ou por ameaças de uso de armas de destruição em massa”. De fato, nem a ONU, nem outros organismos internacionais nem a chamada hegemonia norte-americana tem sido capaz “de restabelecer a paz e a segurança, sufocando os vários pólos de conflitos graves, sangrentos, transnacionais, que se espalham pela Europa, Ásia e África”, como lembra o autor do artigo. Por ocasião do 60o aniversário da explosão da bomba atômica lançada sobre Hiroshima, no ano passado, o bispo William Skylstad, presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, em carta a colegiado católico do Japão, declarou que, em nossos dias, “a ameaça da guerra nuclear foi substituída pelo terrorismo nuclear”.6

Frente a esse doloroso cenário de decepção, é oportuno ouvir o conselho do psicanalista Contardo Calligaris: “A santidade [dos santos] não consiste só em reconhecer suas próprias falhas ou em perdoar as falhas dos outros. O santo, além disso, enxerga a imperfeição do mundo, mas continua encontrando razões para amá-lo, ou seja, continua encontrando seus ideais lá fora, na banalidade imperfeita dos outros”.7 A decepção, por maior que seja, não deve gerar desespero!

 

Notas

1. Folha de São Paulo, Caderno “Mais!” 27/11/05.
2. Ver o artigo “Mar Morto e Guerra Perpétua”, de José Sarney. Folha de São Paulo, 05/05/06.
3. Droga, crime e narcoimperialismo. Jornal do Brasil, 29/06/05.
4. O Ministério Público e a igualdade racial. Folha de São Paulo, 20/11/05.
5. Robert Worth. EUA apertam o cerco a criminosos sexuais. Folha de São Paulo, 15/10/05.
6. Pessimismo toma conta dos japoneses. Jornal do Brasil, 05/08/05.
7. A armadilha da corrupção. Folha de São Paulo, 03/11/05.
Texto originalmente publicado na edição 301 de Ultimato.

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