Culto sem solenidade e solenidade sem culto
Tudo era feito com muita solenidade na velha aliança. Havia reuniões solenes (Nm 29.35, Lm 1.4), assembléias solenes (Jl 1.14), festividades solenes (Zc 8.19), juramentos solenes (Ez 21.23) e descanso solene (Lv 23.3, 39). Foi “solenemente” que Josué designou as seis cidades de refúgio para abrigar os homicidas envolvidos em acidentes que provocavam mortes (Js 20.7). Fala-se até na “solenidade da harpa” (Sl 92.3). Não era falta de solenidade bater palmas (Sl 47.1) e até dançar em ocasiões de intensa alegria e gratidão ao Senhor (Sl 150.4, Jr 31.4), como fizeram Miriã (Êx 15.20-21), a filha de Jefté (Jz 11.34) e Davi (2 Sm 6.14). Também não era falta de solenidade usar outros instrumentos musicais que não a harpa, como trombetas, pandeiros e pratos sonoros (Sl 150.3-5 BLH)
Na velha aliança a liturgia era pesadíssima. Havia vestes litúrgicas, posições litúrgicas, ambientes litúrgicos, sacrifícios litúrgicos, comemorações litúrgicas etc. O auge da solenidade envolvia o Santo dos Santos, aquele lugar tremendamente sagrado do tabernáculo móvel e do templo de Jerusalém, onde estava a Arca do Senhor, no interior do qual ninguém podia entrar, senão o sumo sacerdote do ano, apenas no grande dia da expiação, assim mesmo depois de ter feito a purificação de seus pecados, dos pecados de sua família e dos pecados de todo o povo. Essa solenidade toda tinha o propósito de acentuar duas coisas ao mesmo tempo: a santidade absoluta de Deus e a pecaminosidade absoluta do homem.
Com o sacrifício de Jesus, o véu que separava o lugar santo do lugar ainda mais santo rasgou-se de alto a baixo e o Santo dos Santos ficou a descoberto (Mt 27.51). Deus continua absolutamente santo e o homem absolutamente pecador, mas a cruz tornou possível ao homem o acesso à presença de Deus. Jesus é o “novo e vivo caminho” que nos conduz ao Pai (Hb 10.20).
Não se encontra na nova aliança liturgia em excesso. O culto tornou-se mais leve e mais livre, quem sabe mais informal, embora não menos rígido quanto à santidade do crente, à semelhança do seu Senhor. O “sede santos porque Eu sou santo” do Velho Testamento (Lv 11.44-45) foi trazido também para o Novo Testamento (1 Pe 1.16). Basta lembrar da morte súbita de Ananias e Safira (At 5.1-11). O acentuado temor do Senhor precisa ser cultivado agora como o foi no passado.
Na velha aliança, a grande tentação era a solenidade sem culto. Na nova aliança, a grande tentação é o culto sem solenidade. Os profetas lutavam contra a solenidade sem culto e os apóstolos, contra o culto sem solenidade.
É muito conhecida a palavra de Isaías contra a solenidade sem culto: “Não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene” (Is 1.13). É muito conhecida a palavra de Paulo contra o culto sem solenidade: “Tudo deve ser feito com decência e ordem” (1 Co 14.40 NVI).
A solenidade sem culto provoca rejeição da parte de Deus: “Aborreço, desprezo as vossas festas, e com as vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer” (Am 5.21). O culto sem solenidade pode escandalizar e afastar os incrédulos, a ponto de pensarem que os fiéis estão todos loucos (1 Co 14.23).