Por Jair Cordeiro

Agradeço sinceramente a todos que vieram ao meu sepultamento hoje pela manhã: parentes, companheiros de fé e amigos. Vocês foram muitos atenciosos comigo e com minha família. Deus os abençoe.

Aproveito a comoção do momento para dar testemunho da minha esperança em Cristo, meu Salvador e Senhor meu. Mantive, ampliei e preguei até ontem, dia da minha partida, uma fé simples e bem firmada no sacrifício vicário e na pessoa de Jesus Cristo. Dou graças a Deus porque Ele arrancou o véu e me deixou ver o Senhor por meio das Escrituras.

Agora quero fazer um convite muito solene. Convido-os para o enterro da morte. Não posso fornecer-lhes a data nem o horário, mas, suponho, não vai demorar muito. Ela está morrendo aos poucos. Não há como escapar.

Por favor, não coloquem luto nem roupas sérias. Venham o mais informal possível, com peças bem coloridas. Todos quantos conhecem música, tragam seus instrumentos de corda e de sopro. De percussão também. As cornetas serão muito bem-vindas. Façam alarde e muito barulho. Pulem, dancem, levantem as mãos para o alto, mexam-se à vontade. Em qualquer outro enterro, isso seria impossível. Mas, no enterro da morte, tudo é possível. É dia de festa e não de dor.

Ao convidá-los para o único enterro festivo da história, parto do pressuposto de que vocês também acreditam na morte da morte. Não tenham a menor dúvida: a morte vai morrer. Além de ser um fato absolutamente lógico sob a perspectiva cristã, está escrito: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15.26). Desde que foi assunto aos céus e assentou-se à direita de Deus, Jesus Cristo está colocando debaixo de seus pés todos os poderes do mal. Em sua agenda, a morte da morte está em último lugar.

Não os convido para uma revanche contra a morte. Convido-os para a mais solene de todas as comemorações jamais realizadas. Hoje proclamamos pela fé: “Onde está, ó morte, a tua vitória? onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Co 15.55.) Amanhã, no cortejo festivo da morte, não será por fé, mas por olhos. A festa é indispensável. Lembrem-se de quantas vezes vocês vieram aos cemitérios deste mundo para sepultar, debaixo de muita dor e muitas lágrimas, o cônjuge de muitos anos ou o filhinho de poucos anos. Naquele tempo era a vez da morte. Por ocasião da morte da morte, será a nossa vez. Se vocês ainda têm alguma dúvida, leiam o que está registrado na penúltima página da Bíblia: “Não haverá mais morte, nem lamento, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21.4).

Ah, já ia me esquecendo de fazer uma sugestão: cantem a quatro vozes no enterro da morte o grande coro Aleluia, do oratório O Messias, de George Frederico Handel, entoado pela primeira vez em 1742.

Jair Cordeiro é nome fictício. Por enquanto, o autor prefere permanecer no anonimato. A seu pedido, o texto será distribuído no dia de seu enterro.

 

Publicado originalmente na seção “Convite” da edição 263 (Março-Abril 2000) de Ultimato.

 

A edição de Setembro/Outubro é uma conversa sobre a morte e quem somos nós diante dela. Como disse Salomão, há mais sabedoria na casa onde há luto do que na casa onde há festa. No final das contas, falar sobre a morte é ensino para a vida, sobre si, sobre Deus.

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