Deus aquieta. Deus inquieta
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Deus aquieta e Deus inquieta. Ele faz ambas as coisas. Ora aquieta, ora inquieta. Aquieta uns e inquieta outros. Depende da situação de cada um. Ele é quem sabe. O tratamento na base da aquietação funciona perfeitamente bem. O mesmo acontece com o tratamento na base da inquietação. As terapias são diferentes, mas dão certo. Ele aquieta quem está em perigo e levanta os olhos para o monte e pergunta: “De onde me virá o socorro?” (Sl 121.1). Ele inquieta quem está seguro demais e diz para sua alma: “Tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come e bebe, e regala-te” (Lc 12.19).
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Há uma inquietude nata. É provocada pela falta de Deus. Enquanto não se satisfaz a sede de Deus, a alma permanece inquieta. “Como suspira a corça pelas correntes das águas”, assim suspira o ser humano por Deus (Sl 42.1). Este anseio pelo Senhor é mais forte que o anseio dos guardas pelo romper da manhã (Sl 130.6). A necessidade interior de Deus é maior que a necessidade de sucesso, de lazer e de amor. É algo entranhado, de que não se pode livrar. A quietude só é possível quando se descobre Deus e se mantém com Ele agradável comunhão. Ou você se liga a Deus ou você continua inquieto. Além destas não há outra opção. Seria recalcitrar contra os aguilhões de Deus.
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Os cuidados normais da vida produzem inquietações. Jesus sabe muito bem deste problema e apresenta soluções práticas. É preciso confiar na providência de Deus. Se ele sustenta as aves do céu que não semeiam, não colhem nem ajuntam em celeiros, não cuidará também de você? Se ele veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno não cuidará também de você? Se ele perfuma e colore os lírios do campo, não cuidará também de você? Portanto, disse o Senhor, “não vos inquieteis com o dia de amanhã” (Mt 6.34). A excessiva preocupação com as necessidades básicas da vida causa inquietação e não levam a nada.
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Outra fonte de grave inquietação é a falta de conformidade com a lei de Deus. O profeta Isaías deixa isto muito claro: “Os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo” (Is 57.20). O problema é que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus” (Is 59.2). Repare só o transtorno, inclusive emocional, pelo qual passou o rei Davi logo após o adultério: “De dia e de noite sentia a mão de Deus pensado sobre mim, fazendo com as minhas forças o que a seca faz com o pequeno riacho” (Sl 32.4 em A Bíblia Viva). Neste caso, a inquietação é o expediente pelo qual Deus provoca o retorno à obediência.
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Há casos em que a inquietação é virtude. A inquietação provocada pelo sofrimento alheio revela o bom espírito cristão. A inquietação com os desvios morais de certo membro da família, a inquietação com a frieza da igreja, a inquietação com os campos brancos para ceifa, a inquietação com os povos não-alcançados pelo evangelho, a inquietação com os escândalos que estão rolando por aí, a inquietação com a injustiça, a inquietação com a decadência do mundo – são inquietações nobres das quais o próprio Jesus participa. O profeta dizia: “Por amor de Jerusalém não me aquietarei, até que saia a sua salvação como uma tocha acesa” (Is 62.1).
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O melhor remédio para os frequentes períodos de inquietação é este: “Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus, sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46.10). Deve haver um esforço honesto para acabar com a inquietação, na certeza de que Deus não deixou de ser Deus. Ele ainda governa sobre tudo e sobre todos, ainda dispõe as coisas de modo sábio e positivo, ainda tem autoridade e poder, ainda não se retirou. Daí a palavra de Moisés a Israel frente ao mar Vermelho: “Aquietai-vos e vede o livramento do Senhor que hoje vos fará” (Êx 14.13). “Como a criança desmamada se aquieta nos braços da mãe”, você precisa se aquietar nos braços de Deus (Sl 131.2).
Texto originalmente publicado na edição 189-191, de outubro-dezembro de 1987 de Ultimato.
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