A morte e a ressurreição de Jesus Cristo são dois fatos inseparáveis e de importância igual. Tanto uma quanto a outra requerem muita reflexão. Os mais descrentes têm dificuldade de acreditar na ressurreição. Os mais crentes têm dificuldade de entender a morte de Jesus.

As dificuldades quanto à ressurreição de Jesus decorrem da alergia que os descrentes têm de tudo aquilo que não pode ser comprovado pela ciência, de tudo aquilo que é matéria de fé. Para eles, a morte é o fim da história individual. Depois da morte, dizem, não há mais nada.

As dificuldades quanto à morte de Jesus decorrem da alegria que os crentes têm na divindade do Filho de Deus. Se no princípio era o Verbo, se o Verbo estava com Deus, se o Verbo era Deus, e se todas as coisas foram feitas por intermédio dele e sem Ele nada do que foi feito se fez (Jo 1.1-3) — então, como acreditar na morte de Jesus? Que Verbo é esse cujo coração pára de bater e cujo corpo fica inerte, enrijecido e amarelado, no ponto de ser sepultado?

Sem o suficiente conhecimento das Escrituras, em especial da história da salvação, quase é mais fácil entender a ressurreição do que a morte de Jesus. Não obstante, Jesus morreu e ressuscitou.

Jesus não deixou de ser o Verbo quando morreu. Não encostou num canto qualquer a sua divindade para morrer. Ao entregar-se à morte, Jesus não molestou o seu poder nem a sua autoridade. Antes de sujeitar-se à morte, Jesus adiantou que ninguém teria a capacidade necessária para tirar-lhe a vida. A morte ocorreria por uma questão de doação: “Eu sou o bom pastor e o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11). O Senhor deixou bem claro que Ele tinha autoridade para ambas as coisas: para entregar a sua vida e também para reavê-la; autoridade para morrer e para ressuscitar (Jo 10.18).

A história bíblica não deixa margem alguma para a idéia de martírio. Jesus não foi martirizado. O mártir sucumbe sob a pressão de seus algozes, como aconteceu com Estêvão (At 7.54-60), com Tiago (At 12.1-2) e com muitos outros cristãos através da história. Embora ameaçado de morte, Jesus jamais caiu nas mãos de seus inimigos. Herodes não conseguiu realizar o intento de matar o recém-nascido rei dos judeus, não obstante tenha sacrificado todos os meninos de dois anos para baixo de Belém e de todos os seus arredores (Mt 2.16-18). Mais de uma vez, a turba enfurecida pegou em pedras para atirar nele e Jesus se ocultou deles (Jo 8.59; 10.31). Outras vezes pretenderam prendê-lo, mas estranhamente ninguém lhe pôs as mãos (Jo 7.44; 8.20).

Se é assim, por que finalmente o prenderam e o mataram, por ocasião de sua última viagem a Jerusalém? É porque Jesus o permitiu. Num de seus desabafos, Jesus exclamou: “Agora meu coração está perturbado, e o que direi? Pai, salva-me desta hora? Não; Eu vim exatamente para isto, para esta hora” (Jo 12.27, NVI). No exato momento de seu aprisionamento no Jardim do Getsêmani, Jesus dispensou o auxílio de Pedro, ordenou-lhe que recolhesse a espada à bainha e lhe perguntou: “Você acha que Eu não posso pedir a meu Pai e Ele não colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos? Como, então, se cumpririam as Escrituras que dizem que as coisas deveriam acontecer desta forma?” (Mt 26.53-54, NVI). Quando Pilatos presunçosamente declarou a Jesus que tinha autoridade para libertá-lo e para crucificá-lo, o Mestre respondeu de pronto: “Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima” (Jo 19.11).

A morte de Jesus só pode ser entendida mediante o cumprimento e a atualização da liturgia que apontava ano após ano para o seu sacrifício único, perfeito e suficiente. Jesus se ofereceu para vir ao mundo, para tomar forma humana, para entrar no tempo e, por último, para dar o seu próprio corpo uma vez por todas, removendo o ensaio para estabelecer a apresentação final, coroada de êxito. Por essa vontade férrea, já que sangue de touros e de bodes não pode remover pecados, temos perfeito acesso à presença de Deus, “por um novo e vivo caminho que Ele nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo”, como claramente explica a Epístola aos Hebreus (10.1-25).

Uma vez entendida a morte de Jesus com profundidade teológica, a ressurreição do Senhor, ao terceiro dia, surge naturalmente, sem dificuldade alguma. É bom lembrar que Ele tinha autoridade para dar a sua vida e para retomá-la, uma autoridade indivisível, dada pelo Pai (Jo 10.18).

Todas as vezes que Jesus anunciava a sua morte, mencionava também a sua ressurreição logo a seguir: “Desde aquele momento, Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que Ele fosse… morto e ressuscitasse ao terceiro dia” (Mt 16.21; 17.22-23; 20.17-19).

Para ser bem entendido, Jesus usava ilustrações para falar da sua ressurreição. Uma delas era o chamado sinal do profeta Jonas: “Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um grande peixe, assim o Filho do homem ficará três dias e três noites no coração da terra” (Jo 12.40, NVI). A outra ilustração demonstra uma autoridade enorme: “Destruam este templo (o meu corpo) e Eu o levantarei em três dias” (Jo 2.19).

A ressurreição de Jesus aconteceu como havia sido anunciada. São testemunhas dela não só as mulheres da Galiléia (Lc 24.1-12), Pedro e João (Jo 20.3-10), os discípulos (Jo 20.19-23), os caminhantes de Emaús (Lc 24.13-32), Tomé (Jo 20.26-29), mais de 500 irmãos “de uma só vez” (1 Co 15.6) e Paulo (1 Co 15.8), mas também a escolta fornecida por Pilatos a pedido dos principais sacerdotes (Mt 27.63-66, 28.4). Por meio dos guardas, a notícia da ressurreição de Jesus chegou no mesmo dia aos principais sacerdotes e aos anciãos (Mt 28.11-15).

Todavia a maior evidência da ressurreição de Jesus é a renovação de ânimo e o caráter incontido de seus primeiros discípulos. E também a mesma certeza, o mesmo entusiasmo e a mesma disposição dos discípulos posteriores de Jesus, a partir da segunda metade do primeiro século até a segunda metade do século XX, em quase todo o mundo, a despeito do tempo, do desgaste, das perseguições, das heresias, da apostasia, do mundanismo, dos escândalos, do secularismo, da libertinagem e das crises da igreja!

Texto originalmente publicado na edição 257 de Ultimato.

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