por Cleber Oliveira e Gabriele Greggersen

 

No ano de 1955, o evangelista Billy Graham visitou a Universidade de Cambridge e aproveitou para se encontrar com C.S. Lewis, escritor reconhecido internacionalmente por suas Crônicas de Nárnia e seus livros sobre teologia cristã. Em entrevista posterior ao Decision Magazine, pouco antes de sua morte, Lewis recorda daquela visita que ele gostou muito de Billy Graham e que ele era uma pessoa bastante humilde e sensível, o que lhe agradou. Mas que ele tinha dúvidas sobre muitas das estratégias de Graham de praticar o evangelismo. Como poderia ter sido a conversa entre eles, certamente travada em um passeio pelo famoso Addison’s Walk é a questão que atiça a nossa imaginação no diálogo inventado a seguir:

 

À tardinha, C.S. Lewis e Billy Graham caminhavam pela trilha Addison’s Walk. A certa distância dava para ver o Magdalen College, o parque de cervos e a passagem de gramas viçosas e caprichosamente ornamentadas que davam acesso ao bosque embelezado por árvores com suas folhas novas. Graham escutava atentamente C.S. Lewis contar a história de sua conversão ao Cristianismo, quando, numa agradável noite prateada, caminhou com o professor Tolkien e Hugo Dyson por aquelas veredas. Ao som de folhas ao vento, de burburinhos dos transeuntes e do canto dos pássaros, entre passos curtos e paradas esporádicas, iam dialogando pelo caminho.

 

Graham – Muitas pessoas estão cheias de ansiedade. A humanidade sempre esteve importunada pela preocupação, e as pressões da vida moderna só pioram o problema. Nesses dias turbulentos não podemos permanecer em silêncio. (Eles param para dar passagem para um grupo de alunos que se dirigiam para o Magdalen). Devemos trabalhar incessantemente. Estimular os corações com a esperança que vem do alto.

 

Lewis – Sem dúvida. (Movimentam-se calmamente pela trilha). Parece-me coerente considerar que os conflitos devem ser vistos na perspectiva real. Aliás, fugir da realidade não vai adiantar. O que quero dizer é que temos que viver cada dia colocando em Deus toda a nossa confiança. Isso é, de fato, um modo proveitoso de se viver! Nosso Senhor advertiu sobre o perigo da ansiedade. Se Deus provê para as aves que não sabem semear, colher e armazenar, os homens que foram munidos com essa habilidade devem confiar em seu Pai celestial. Na verdade, muitas vezes estamos mais abertos à voz de nossos nervos e de nossas emoções, deixando de ouvir a voz de Nosso Senhor em sua Palavra. Veja, não tem nenhum sentido acrescentar os cuidados de hoje aos cuidados de amanhã. Afinal, temos apenas um dia por vez na semana. Isso também acontece com muitos cristãos mais sábios e melhores que nós.

 

Graham – Eu diria que é a Palavra de Deus que deve nos encher de esperança. Veja amigo, estou aprendendo, em minha própria vida, (reflete, colocando a mão direita sobre o peito, segurando a Bíblia Sagrada com a outra) dia após dia, a conservar a minha mente centrada em Jesus Cristo. Como o apóstolo Paulo, precisamos perseverar. As preocupações e ansiedades do mundo passam, e nada, exceto a “paz perfeita” permanece no coração humano. Temos que seguir em frente, contra todos os obstáculos e estimular outros a fazerem aquilo que é certo. Para qualquer desafio o melhor remédio é a Palavra de Deus. As mudanças intempestivas são inevitáveis para o crescimento e acredito que enquanto fiéis à causa de Cristo nós temos a responsabilidade de proclamar a sabedoria que vem desse velho e bom livro (olhando profundamente nos olhos de Lewis, Graham levanta a Bíblia na altura do peito).

 

Lewis – Ocupar a mente com as coisas do alto. Chamo isso de mirar o céu. Tratasse de uma busca que envolve o direcionamento de toda a afeição, que é a inclinação da vontade e da mente, para a realidade da nova dispensação. (Graham sorri quando uma criança, saindo da grama e atravessando a trilha corre atrás de uma bola, introduzindo-se no meio daquele paredão humano). Concordo Sr. Graham (balançou a cabeça em sinal de concordância), afinal a esperança pertence às virtudes teológicas. Isso quer dizer que o olhar constantemente para frente, rumo ao mundo eterno, não é nenhuma forma de escapismo. Nada é tão fascinante quanto a perspectiva da eternidade com Deus! (Lewis exclama e uma alegria contagiante toma conta de ambos). O homem completo beberá alegria da fonte da alegria. Aliás, (Lewis faz uma pequena pausa e olha em volta) nossa existência comunitária em Cristo não é menos real que nossa existência, individual.

 

Graham – Sim Lewis. Vejo que as pessoas evitam deliberadamente qualquer coisa desagradável. Decidiram encher suas vidas com todas aquelas coisas que desviem a mente de qualquer pensamento mais sério. Muitos se preocupam com os prazeres e as diversões momentâneos; aceitam substitutos superficiais e vazios para a realidade. Preferem dedicar seu precioso tempo com qualquer outra coisa e deixam de lado aquelas que dizem respeito aos valores da eternidade. Creio que precisamos aprender a desejar algo mais. Devemos redescobrir a fé em Deus. Tudo o que ocupa o lugar dele é um ídolo e ídolos são falsos deuses transitórios que não são capazes de salvar o coração humano. Só Deus pode!

 

Lewis – O cerne da corrupção origina-se no coração obstinado. (Lewis para por um momento para retomar o fôlego, apoiando-se sobre sua bengala). Ela ocorre quando o homem quer ser o centro; quando o “eu” levanta o dedo para reclamar para si o primeiro lugar, de querer ser Deus. É a histórica tentativa desesperada do homem que procura a felicidade em algo diferente de Deus. (Retomam o passo) Foi assim que surgiu tudo o que se relaciona ao que chamamos de história: dinheiro, pobreza, ambições, guerras, prostituição, classes, impérios, escravidão. Veja, Sr. Graham, ser honesto é enfrentar a verdade por mais desagradável e inconveniente que ela possa ser. A verdade é redescobrir a fé em Deus e em seu filho Jesus Cristo: a Porta da Esperança para a verdadeira alegria e a felicidade.

 

Graham – Acreditar ativamente em Cristo. Isso, de fato, é bem diferente do que simplesmente conhecer fatos sobre ele. Podemos demonstrar melhor a nossa fé em Jesus quando confiamos nele e entregamos a nossa vida, recebendo-o, incondicionalmente em nosso coração.

 

Lewis – Mas como se dá essa conversão é que são elas. Você acredita mesmo, Billy, que podemos sair por aí, convertendo as pessoas diretamente, mesmo se elas forem de outras culturas, línguas e religiões? Será que não estaríamos impondo a elas uma crença pela mera manipulação e desrespeito ao que elas acreditam? Como você se sentiria se tivesse que morar num país hindu e tudo o pressionaria a adotar o hinduísmo como visão de mundo e como religião?

 

Graham – Bem, eu sempre acreditei no verso que diz que “a verdade os libertará”. Portanto, dizer a verdade às pessoas descrentes nunca poderia ser má estratégia. Veja, Lewis, estou sempre desejoso por um compromisso. Estou sempre preocupado em trazer uma mensagem clara ou não dizer algo que é enganoso. Eu poderia estar traindo minha causa se falasse acerca de qualquer outra coisa do que acredito. A colheita evangelística é urgente. O destino dos homens está sendo decidido. Cada geração é crucial. Temos nossa geração! Se não desempenharmos bem nossas responsabilidades e não tirarmos melhor proveito delas, teremos que nos apresentar perante o Tribunal de Cristo e seremos responsabilizados por não termos cumprido bem nossas responsabilidades. Por isso, minhas prioridades são transparentes. Sou evangelista e o evangelista não é livre para modificar a mensagem. Meu principal objetivo está centrado na pessoa de Jesus Cristo, na Sua Palavra, e no que ele fez por nós por meio da Sua morte e ressurreição. Minha missão é comunicar que o Messias prometido veio ao mundo na Pessoa de Jesus de Nazaré, para perdoar nossos pecados e nos oferecer a esperança da vida eterna desde que nos voltemos para ele de todo o nosso coração.

 

Lewis – Mas Billy, você e eu sabemos que há diferentes maneiras de se dizer a verdade. Nem sempre dizê-la de maneira nua e crua é a melhor forma, principalmente quando se trata de algo sério como a religião. Vamos supor que você tenha que informar alguém da morte de um ente querido. Você certamente faria de tudo para preparar o terreno da forma mais delicada possível.

 

Graham – É por isso que você usa as histórias para veicular o evangelho, como forma de preparar o terreno e respeitar os sentimentos religiosos das pessoas.

 

Lewis – Exatamente. E eu me inspirei em ninguém mais, ninguém menos, do que em Jesus Cristo e suas parábolas. No final, ele sempre diz: “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça”, já sabendo que nem todos estarão abertos para ouvir. Não há melhor e mais democrática forma de dizer o que tem que ser dito do que através das histórias…

 

Graham – Mas você tinha que meter figuras mitológicas e pagãs nelas? Assim, elas acabam afugentando os crentes, que as endemonizam, acusando-as de ocultismo, bruxaria e outras coisas mais.

 

Lewis – Billy, não estou falando com essas pessoas. Infelizmente, elas não sabem interpretar. Não fico ofendido com as críticas delas. Estou falando com aquelas para quem essas figuras fazem todo o sentido, “batizando-as”, por assim dizer. Tolkien me fez acreditar, que “em Cristo, o mito se tornou fato”. Minha mente foi batizada antes mesmo de eu ter compreendido a mensagem do Evangelho da forma que a entendo hoje. Se você prestar bem atenção, todos os mitos falam, em última instância, do Deus encarnado que veio ao mundo resgatar os pecadores e foi assim que eu tomei o primeiro passo de volta para o cristianismo. Repito: o primeiro passo. A revelação especial é através de Jesus Cristo, a revelação de Deus como Salvador de pecadores, o fato realizado na história, registrado nos Evangelhos e iluminado pelo Espírito Santo pela Palavra escrita de Deus. “A fé vem pelo ouvir as boas novas, e as boas novas vêm pela Palavra de Deus”, é o que diz o versículo dezessete do livro de Romanos, no capítulo dez. Veja o que fez o apóstolo Paulo no Areópago: os atenienses, em ignorância, adoravam “Ao Deus desconhecido”. Paulo sabia que há no coração humano um vazio que somente o Deus Verdadeiro pode preencher. O apóstolo não identificou o Deus real com essa essência divina impessoal dos atenienses, mas, com toda a sabedoria e gentileza, lhes ofereceu o conhecimento do Deus verdadeiro, valendo-se desse notável detalhe, e comunicou que Jesus Cristo era o Deus a quem os atenienses procuravam ansiosamente adorar. Isso me motiva a escrever. O leitor atento irá além da letra rumo aos tesouros espirituais e as verdades escondidas nas histórias que lhe ajudarão em sua jornada de fé.

 

Graham – Ouvindo você falar assim, até parece fácil. Eu, para mim, tenho a missão de veicular o Evangelho de maneira direta para as pessoas que queiram ouvir.

 

Lewis – Sim, eu sei e respeito sua missão específica. Sei que se você quisesse, poderia usar palavras persuasivas, poderia expor sua educação e habilidade intelectual, mas sei também que muitas pessoas não compreenderiam a mensagem. Você apresenta Jesus de modo muito claro e ah! como gosto de saber que a maneira como apresenta o Caminho pode ser compreendida até mesmo por uma criança! Que Deus continue nos abençoando em nossa missão.

 

Billy Graham e C.S. Lewis caminharam ainda mais um pouco pela trilha da Addison’s Walk. Conversaram com algumas pessoas pelo caminho e depois C.S. Lewis levou-o para o tradicional Afternoon Tea. Na manhã seguinte Billy Graham começou uma série de oito reuniões na Universidade de Cambridge sob o patrocínio da União Cristã Inter-Acadêmica de Cambridge organizada pelos estudantes e eles nunca mais se viram.

 

Obras Consultadas

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã. Tradução: João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri, 1999.

BÍBLIA. Português. Bíblia Shedd. Traduzida por João Ferreira de Almeida. 2. ed. rev. e atual. no Brasil. – São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.

BÍBLIA. Português. Novo Testamento com Salmos e Provérbios: (Com notas, comentários, estudos bíblicos e ajudas ao Leitor). Tradução e revisão: Comitê Internacional e permanente de tradução e revisão da Bíblia King James Atualizada (KJA) – São Paulo – Abba Press, 2007.

 

ELLIS, E. Earle. &  HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody. Vl. 2. Mateus à Apocalípse.  São Paulo: Editora Batista Regular, 2010.

 

GRAHAM, Billy. A caminho de Casa: vida, fé e como terminar bem. Traduzido por Melina dos Santos Revuela. São Paulo: Editora Europa, 2012.

 

______. Billy Graham: O Evangelista do Século. Traduzido por: Maria Emília de Oliveira. São Paulo: Hagnos, 2008.

______. Billy Graham responde: um guia com respostas bíblicas para preocupações de nossos dias. Traduzido por Demar Ribas. Rio de Janeiro, CPAD, 2014.

 

______. O segredo da felicidade. Traduzido por João Marques Bentes. São Paulo-SP, Editora Eclésia, 2003.

______. Pensamentos e Reflexões sobre os Princípios de vida de Billy Graham. São Paulo: CPAD, 2005

LEWIS, C.S. Um ano com C.S. Lewis: Leitura diárias de suas obras clássicas. C.S. Lewis; editado por Patrícia S. Klein; tradução: Gabriele Greggersen. – Viçosa, MG: Ultimato, 2005.

 

ON THIS date… Billy Graham meets C.S. Lewis. Disponível em: https://billygrahamlibrary.org/blog-on-this-date-billy-graham-meets-c-s-lewis/ Acesso em 26 Mar, 2022.

 

[1] O Addison’s Walk era uma trilha num dos Colleges da Universidade de Oxford, pela qual C.S. Lewis costumava fazer as suas caminhadas diárias, às vezes só, às vezes acompanhado, onde travou as mais célebres discussões, como a que o levou ao cristianismo, com J.R.R. Tolkien e outros amigos.

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