Centro Evangélico de Missões (CEM) – há 39 anos preparando e enviando obreiros para o campo transcultural
Por Elben M. Lenz César
Na década de 1980, ou um pouco antes, houve de fato um despertamento da natureza e tarefa missionárias da igreja no Brasil. Era fácil enxergar essa movimentação do Espírito através de várias conferências e congressos missionários em âmbitos locais, regionais e nacionais. A comunidade evangélica brasileira começou a desejar ser uma força nova e vibrante no cenário mundial de missões. Mais fogo era colocado na fogueira quando os próprios missionários e missiólogos europeus e norte-americanos afirmaram que Deus estava fazendo uma coisa até então impensável: criar novos celeiros missionários exatamente naqueles países que até então eram campos missionários. A cor da pele, a cor dos olhos e a língua mais usada pelos missionários desde a Reforma e a Contra-Reforma, no início do século 16, não seriam mais as mesmas. Coreanos, indianos, nigerianos, quenianos, brasileiros, costarriquenhos, peruanos e vários outros asiáticos, africanos e latinos passaram a se juntar aos ingleses, alemães, holandeses, suecos, americanos do norte e vários outros anglo-saxões na obra missionária. Mais tarde, aqueles seriam em maior número do que estes. Era uma verdadeira e relevante revolução missionária, semelhante ou maior que a provocada pelo sermão “Investigação sobre a obrigação dos cristãos de empregar meios para evangelizar os pagãos”, escrito na Inglaterra de 1792 por William Carey, o “pai das missões modernas” (1761–1834).
O fenômeno, claro, não era apenas brasileiro. Foi um acontecimento de ordem mundial. Por causa disso, surgiram congressos sobre evangelização e missões de âmbito mundial ou continental, em quantidade e qualidade superior à do passado. O que teve mais força, mais visibilidade e mais resultado foi a série Lausanne — Lausanne 1, na Suíça (1974), Lausanne 2, nas Filipinas (1989), e Lausanne 3, na África do Sul (2010). O Pacto de Lausanne é um dos documentos mais importantes da história, que reacendeu a fogueira missionária de forma consistente, bíblica e atual.
Para dinamizar, consolidar e ampliar essa efervescência missionária foram publicados vários livros atraentes e fáceis de ler. A ABU Editora conjuntamente com a Visão Mundial publicaram os dez volumes da série “Lausanne”, em 1983 e 1984. Dez anos depois, a Editora Mundo Cristão publicou a série “Missões e a Igreja Brasileira”, organizada por Timóteo Carriker — na época diretor acadêmico e professor do Centro Evangélico de Missões (CEM), em Viçosa, MG –, reunindo ensaios e reflexões sobre o novo papel do Brasil na disseminação global do evangelho. Os autores foram trinta líderes brasileiros e estrangeiros, que conheciam e acreditavam no potencial missionário brasileiro. No mesmo ano (1993), a Editora Ultimato lançou a biografia “Entrevistas com William Carey — o fenômeno missionário do século 19” e “Capacitando a Força Missionária Internacional”, organizado por William Taylor. Alguns anos antes, de julho de 1986 a junho de 1989, a revista Ultimato publicou o H2O, um suplemento missionário com notícias e desafios missionários.
Todavia, em 1969, bem antes dessa avalanche de livros sobre missões, o Instituto Bíblico da Assembleia de Deus, em Pindamonhangaba, SP, traduziu e publicou doze livros de grande encorajamento missionário escritos por Oswald Smith, pastor de uma igreja em Toronto, Canadá, conhecido como “Mr. Mission”, tal o seu entusiasmo por missões.
Junto com a efervescência missionária brasileira veio um entusiasmo nem sempre na medida certa. Houve uma fase em que vários irmãos, sentindo-se chamados para missões, saíam para os campos sem preparo bíblico, teológico, missiológico, emocional, antropológico e linguístico algum, e, muitas vezes, sem apoio de uma organização missionária ou de uma igreja. Foi uma estreia infeliz, porque muitos tiveram de voltar quase em seguida e o nome do Brasil como o novo celeiro missionário foi prejudicado.
Além disso, a noção de missionário biocupacional (mais conhecido como missionário fazedor de tendas), o mais indicado para os campos mais difíceis e menos supridos, quase não era conhecida ou pelo menos enfatizada.
Estas foram as principais motivações que levaram a Igreja Presbiteriana de Viçosa e a revista Ultimato a organizar em Viçosa, MG, em 23 de outubro de 1983, o Centro Evangélico de Missões (CEM), uma instituição aberta a qualquer denominação evangélica, que adotou o Pacto de Lausanne e a confissão de fé da Aliança Evangélica Mundial (WEF).
As outras motivações foram… Primeiro, caso algum estudante evangélico da Universidade Federal de Viçosa tivesse interesse especial em missões, ele teria oportunidade de fazer o curso missiológico paralelamente ao curso universitário. Mesmo que ele não tivesse vocação missionária, o CEM poderia prepará-lo para ser um braço direito do pastor da igreja para a qual ele se transferiria depois de formado. Caso o formando começasse a sua carreira profissional em uma cidade onde não houvesse igreja evangélica, o jovem poderia fazer algo em favor do evangelho, desde que motivado pelo CEM. Alguns universitários fizeram o CEM e estão exercendo um ministério biocupacional em algum lugar, como agrônomo e missionário, como engenheiro e missionário, como nutricionista e missionário e assim por diante.
O missionário americano José Martins (nome aportuguesado), professor do Instituto Bíblico Eduardo Lane, em Patrocínio, MG, quando soube do nosso intuito de fundar o CEM, disse-nos que havia um obreiro de sua missão em Santa Maria, RS — um jovem de 34 anos, casado com uma brasileira, cujo sonho era trabalhar com a formação do missionário. Foi assim que Timóteo e Marta Carriker entraram na história do CEM.
Eu, pessoalmente, não posso me esquecer do meu primeiro contato com esse servo do Senhor, com doutorado em missiologia no Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, na Califórnia. Na época, ele fez uma série de palestras sobre missões na Igreja Presbiteriana de Viçosa, mais tarde publicadas em Ultimato e em forma de livro. Até então, eu vergonhosamente não sabia que a Grande Comissão encontra-se também em várias passagens do Antigo Testamento e não só nos Evangelhos e no livro de Atos. Aprendi também que o mais claro sinal da volta de Jesus não são os terremotos nem as guerras e os rumores de guerra, mas a pregação do evangelho do reino “por todo o mundo, para testemunho a todas as nações” (Mt 24.14).
A direção da junta missionária da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos atendeu o nosso pedido e colocou Timóteo Carriker em Viçosa. Ele nos ajudou a elaborar o currículo de nossa escola de missões e foi o primeiro diretor acadêmico, professor por vários anos e idealizador do mestrado em missiologia. A Visão Mundial, na pessoa de seu diretor, o pastor batista Manfred Grellert, ex-professor do Seminário Batista do Norte, em Recife, nos ajudou a elaborar os estatutos do CEM.
Começamos do nada, mas em pouco tempo já tínhamos uma área de 15 mil metros quadrados próxima à Universidade Federal de Viçosa (UFV), em estrada não calçada, onde construímos o pavilhão de aulas, os alojamentos de estudantes, a cozinha e o refeitório, e, mais tarde, a casa do zelador e o prédio de quatro andares para professores e visitantes. A maior parte dos recursos veio de organizações estrangeiras, como a americana Overseas Council, a alemã Hilfe Für Brüder, a Terceira Igreja Presbiteriana de Richmond (Virgínia, Estados Unidos), entre outras.
Depois de Timóteo, tivemos como diretores do CEM missiólogos conhecidos e respeitados: Elias Medeiros, Carlos del Pino, Antonia Leonora van der Meer (Tonica), Sebastião Lúcio Guimarães (ex-missionário batista na África) e Philip Greenwood (ex-assessor da Aliança Bíblica Universitária no Brasil).
Em trinta anos, de 1982 a 2012, 321 pessoas de várias denominações, de várias partes do Brasil e de alguns países estrangeiros (Bolívia, Peru, Equador, Uruguai, Chile, Angola, Argentina, Moçambique e Reino Unido) fizeram os cursos de missão integral e formação missionária. Dos 240 alunos que fizeram ou estão fazendo pós-graduação em missiologia, trinta estão na ativa escrevendo sua dissertação e cinquenta já tiveram suas dissertações aprovadas.
Missionários brasileiros e estrangeiros formados no CEM estão hoje em 34 países e são membros de diferentes missões de igrejas históricas e pentecostais. Trabalham em quase todos os continentes. Alguns exercem seu ministério biocupacional em áreas sensíveis. Muitos outros realizam seus trabalhos nas missões nacionais, inclusive nas áreas indígenas. Pessoas de fora normalmente dizem que os missionários que se preparam no CEM costumam permanecer mais tempo no campo do que a maioria.
Além de oferecer graduação em missões, o CEM oferece também cursos rápidos no período de férias, como o curso de Formadores de Consciência Missionária, o Encontro Cuidando dos que Servem, o Encontro Missionário Estudantil e Profissional (EMEP) e o Alargando as Tendas, curso intensivo para profissionais a caminho do campo.
Por entender que a psicologia sadia é um instrumento de grande valor para a condução de casamentos e famílias e para o aconselhamento cristão, desde 1991, o CEM oferece os cursos de Psicologia Pastoral e Aconselhamento Pastoral Familiar, sob a responsabilidade de psicólogos e psiquiatras cristãos reconhecidos.
No dia 10 de agosto de 2003, um interessante acordo foi assinado. De um lado, a Interserve, a missão internacional e interdenominacional mais antiga do mundo, nascida na Índia em 1852, por iniciativa de mulheres estrangeiras que se sensibilizaram com o sofrimento da mulher indiana naquela época. De outro lado, o Centro Evangélico de Missões, organizado em 1983 em Viçosa, Minas Gerais. Desde então, a Interserve Brasil-CEM, como é chamada, tem enviado obreiros brasileiros para alguns países da Janela 10/40, como Índia, Paquistão, Egito, Sudão, Jordânia e Tunísia. Normalmente estes obreiros exercem suas profissões e habilidades, o que lhes permite contribuir com o desenvolvimento desses países ao lado da proclamação do evangelho, do discipulado e da colaboração com as igrejas nacionais.