* Por Délnia Bastos e Antonia Leonora van der Meer

[Versão ampliada]

 

A seção Caminhos da Missão, da edição de setembro/outubro de 2019 de Ultimato,  entrevistou Rodrigo Gomes, coordenador nacional do Movimento Vocare. Rodrigo tem 41 anos, é casado e tem dois filhos. A família mora no Rio de Janeiro. Abaixo você pode ler a versão expandida da entrevista publicada na revista.

 

Rodrigo, você transita entre a geração jovem e a adulta. Acredita que Jesus é visto da mesma forma por elas?

Não, eu acho que existem diferenças entre o jovem quando olha para Jesus e o adulto quando olha para Jesus. Isso tem muito a ver com a formação e com o tipo de geração. Você vê o olhar da geração mais adulta, dos mais idosos: quando olham para Jesus, eles veem um ser numa hierarquia, com muita reverência, com muito temor, um ser onipotente, um ser que você tem que ter cuidado ao se referir a ele, que você precisa estar bem vestido diante dele. Quando você olha para a geração mais jovem – até mesmo pela característica dessa nova geração que não lida muito bem com hierarquia, que se relaciona mais de uma maneira horizontal –, ela olha para Jesus como um grande amigo, como alguém que ama, acolhe, que se relaciona com ela; ela pode orar de olho aberto, pode conversar com Jesus usando gíria, usando até um palavreado mais pesado, mas ela olha para Jesus. Isso não significa que esta geração não tenha temor, que não reconheça o ser soberano que ele é e que, por isso, exige de nós reverência. Como eu disse, ela olha para Jesus numa relação mais horizontal, de alguém que caminha ao lado dela, alguém com quem ela pode abrir o coração, chorar, reclamar, brigar. Até mesmo por ser uma geração mais mimada, que não está acostumada a lidar com crises, com problemas, é uma geração que olha para Jesus dessa forma horizontalizada. Isso é bom, por um lado, e ruim, por outro, porque diminui a questão do temor. A gente banaliza, às vezes, o relacionamento com Deus, o relacionamento com Jesus; este relacionamento tende a ser mais superficial porque reflete o relacionamento virtual que hoje é característico desta geração. Por outro lado, esta geração enxerga Jesus como um amigo presente. Repetindo, ela tem mais dessa maneira horizontal e não tanto vertical quanto a geração anterior (e quanto a minha própria geração, que ainda tem muito disso). Eu vejo isso hoje na criação do meu filho; quando a gente vai orar e ele está deitado, ele ora deitado e eu tenho a tendência de ficar sentado ou orar de joelhos, pois fui ensinado assim. Para o meu filho, Jesus não vai ficar chateado se ele não ficar de joelhos; ele pode orar deitado, de olho aberto, usando o linguajar próprio dele e não há crise nenhuma com isso.

Como você vê o compromisso do jovem cristão com Cristo? E com a igreja?

A resposta vai refletir um pouco do que falamos na primeira pergunta. Por ter essa visão mais horizontal, o relacionamento dessa geração com Jesus vai refletir o relacionamento dele com o próximo e com a igreja. É uma geração conectada com o mundo, com milhares de seguidores nas redes sociais, mas, ao mesmo tempo, seus relacionamentos são superficiais. Uma vida virtual diferente da vida real. A tendência é uma espiritualidade mais rasa. Um relacionamento íntimo com Deus, o estudo profundo da Bíblia e uma vida de oração são verdadeiros desafios para a grande maioria. Nas igrejas, é uma geração movida por grandes eventos e grandes acontecimentos, em que a emoção faz parte desse relacionamento. Ela quer viver grandes aventuras, quer se emocionar, quer ser impactada, e aí, por isso, o discurso triunfalista tem um grande apelo. Como não reconhece muito mais a hierarquia verticalizada, ela fica à procura de uma posição em que se sinta relevante, busca desesperadamente por sentido, por significado. Ela quer se sentir parte de algo, quer se sentir importante, se sentir reconhecida; quer perceber que a presença e a ação dela fazem diferença naquele meio. Ela vai procurar uma igreja que a acolha, uma igreja em que possa participar ativamente das decisões, possa falar e ser ouvida. Como não está muito acostumada a receber um “não”, a não ser contrariada, pode se magoar facilmente com a liderança. É normal você ver um volume muito grande de jovens que vão de igreja em igreja, sem criar vínculos, ou que estão fora das igrejas e estão envolvidos em eventos, em movimentos, mas não congregam, não estão enraizados numa comunidade de fé. É uma relação superficial com a igreja local. O contraponto desse cenário é que vejo um exército de jovens que Deus tem levantado para transtornarem esse mundo – jovens que estão indo na contramão da sociedade, levando Deus a sério, buscando uma vida de oração, de devoção e que querem mudar esse mundo com a sua vocação. Isso me dá esperança e alegria. O VOCARE é uma grande prova disso. 

 

Como líder de missões, você tem experimentado espaços abertos para a juventude se expressar?

Eu acho que sim. Olhando um pouco para a minha geração, o contexto em que a gente cresceu era de muita luta para que os jovens se firmassem dentro das igrejas. Era comum aquele embate entre um pastor titular e a liderança dos jovens, de você lutar pelo culto jovem, de usar uma apresentação no culto com cara mais jovem. O povo discutia o papel do jovem. Aliás, ainda se faz muito isso hoje. Mas, convivendo principalmente em ambientes como o Vocare, a AMTB e tantos outros espaços, a gente vê muitos movimentos de jovens relevantes que estão fazendo diferença e que estão encontrando espaço para se expressar. Vejo com bons olhos este momento, porque acho que boa parte da antiga liderança tem investido significativamente para que uma nova geração possa assumir, possa continuar o trabalho que foi começado lá atrás. Claro que ainda existe resistência em “passar o bastão” de uma parte dessa liderança mais velha. Mesmo assim, vejo muito mais espaço para o jovem, para ele crescer, poder desenvolver os dons e talentos dele do que via no passado. É comum hoje em dia você ver igrejas com ministérios de jovens que são exponenciais e que estão na mídia e que acabam trazendo muita visibilidade para a igreja como um todo. Você não via isso no passado. Assim também dentro do movimento missionário brasileiro: há organizações missionárias hoje que têm na sua liderança jovens abaixo de 40 anos, movimentos de jovens expressivos como VOCARE, DUNAMIS, MOVIDA e tantos outros. Acredito que hoje o meio missionário e eclesiástico está mais aberto a dar oportunidades para os jovens poderem trabalhar. É claro que não estou falando na sua totalidade: principalmente quando você vai para regiões mais do interior, aquela questão de uma sociedade mais patriarcal, de uma hierarquia mais bem definida, isso continua prevalecendo e o jovem ainda tem pouca voz. Mas nos grandes centros urbanos, nas grandes cidades você já vê um acesso do jovem a movimentos, a ministérios, a ambientes em que ele possa crescer e desenvolver.

 

O Vocare parece estar contribuindo para a descoberta da vocação e integração na missão de Deus da juventude de algumas de nossas igrejas…

Uma das coisas que precisa ficar bem clara é que o Movimento VOCARE quer servir as igrejas locais com ferramentas que ajudem o jovem cristão a entender e se conectar com a sua vocação. Acreditamos na importância da comunidade de fé na vida desses jovens para que eles desenvolvam as suas vocações de maneira saudável e efetiva. É na igreja que ele vai crescer, é na igreja que ele vai desenvolver seus dons, seus talentos. É na igreja que ele vai ser discipulado e pastoreado, assim como discipular e pastorear outros. Nosso desejo é trabalharmos juntos com a igreja, ajudando os jovens a descobrirem a sua vocação, a entenderem que Deus tem um propósito na vida de cada um deles e que esse propósito tem a ver com aquilo que Deus está fazendo no mundo. Cremos que, antes de fazerem diferença no mundo, eles precisam fazer diferença na sua comunidade.

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