Dar nome aos sentimentos, como medo, tristeza, angústia, não é pecado
Na varanda com o autor | Leonora Ciribelli
Fala delicada, Leo Ciribelli é também realista e não nega as emoções, embora deixe claro que a sua identidade não é definida pela dor, tristeza ou angústia. E, para os mais novos, um conselho: “É preciso aprender a conversar Antes de Casar”.
Psicóloga clínica e professora na EIRENE do Brasil, “Leo” dirige, ao lado do marido, o Ministério Oásis em Fortaleza, CE, um centro de aconselhamento cristão com ênfase no cuidado de pastores, missionários e líderes para que permaneçam mais tempo em seus ministérios de forma saudável.
Leonora Ciribelli é autora de Antes de Casar e recebeu o “Na varanda” à distância, para uma conversa nesses dias de pandemia.
Alguma pessoa ou livro, em especial, influenciou sua aproximação da leitura e da escrita?
Vim de um lar onde a leitura fazia parte do nosso dia a dia, era um valor familiar. Meus pais liam a Bíblia diariamente. Meu pai era um amante dos livros, mas minha mãe foi minha maior influenciadora em relação às minhas leituras pessoais. Ela, com mais de 90 anos, ainda lia, em média, um livro por semana. Em relação à escrita, foi um processo que se deu bem mais tarde. Aconteceu (e ainda acontece) por conta de incentivos de pessoas amigas. Eu costumo dizer que na vida é muito importante ter pessoas que enxergam em você potencial que nem você mesmo vê. Devo a estas pessoas esse novo olhar sobre mim mesma. Me sinto privilegiada por terem acreditado que o compartilhar das minhas ideias poderia vir a inspirar outras pessoas.
E quando a inspiração não vem…
Quando a inspiração não vem busco o que me inspira: aprender! Penso que aprender é minha maior fonte de inspiração… No meu caso, minhas escritas costumam ser mais por conta de um convite para escrever sobre um tema ou um assunto. Então, se eu aceito o desafio, começo a praticar algo que eu li certa vez: “Escreva aquilo que você precisa ler”. Priorizo um tempo de solitude e quietude para ouvir Deus e a mim mesma. Também leio sobre o assunto, converso, com pessoas, busco saber o que pensam, troco ideias, e nesta troca de aprendizado me sinto uma porta-voz de muitos, orquestrando um texto único.
Penso que a ideia da falta de inspiração para muitos não vem por conta de uma exigência sobre a inspiração muito idealizada. Acredito que pensar desta forma contribui para que muitos não escrevam ou abandonem suas escritas. A inspiração, para mim, tem muito mais a ver com autoconhecimento do que um momento “iluminado” que toma conta do nosso ser. Quando a inspiração não vem, busque o que te inspira! Um bom filme, um bom livro, textos, artigos, descansar, relaxar, imagens, uma boa conversa, uma caminhada, contato com a natureza.
O que os adultos devem ler para as crianças?
Hoje temos uma riqueza de literatura infantil para cada fase. Devemos ter a sensibilidade de ir buscando literaturas que possam auxiliar no crescimento da criança à medida que ela está se descobrindo ou tendo alguma dificuldade. Fico encantada também em ver a variedade de bíblias para as crianças de todas as idades, com ilustrações lindas. Elas costumam ser de fácil compreensão acerca do amor e do poder de Deus. Minha neta mais velha Bruna, de 7 anos, já está lendo a bíblia com uma linguagem para sua idade. Para mim é lindo ver o legado de fé nos meus três netos. Eles contam e mostram nas páginas de suas bíblias as histórias que aprenderam sobre Jesus e os personagens bíblicos. Atualmente há livros para diversos contextos e fases. Quando o irmãozinho vai chegar, quando a criança vai desfraldar, aprender a dividir, lidar com o medo, tristeza e vergonha, estas histórias são ótimas ferramentas para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo das crianças. Amo quando meus netos me mostram seus livros e pedem para eu contar ou até mesmo eles me contam suas histórias. O mais enriquecedor é que muitas dessas histórias infantis que eu leio para eles ou que eles me contam também me ensinam algo. Com isso eu reflito e uso esse material como ferramentas em meus aconselhamentos.
Que conselho você gostaria de ter recebido na sua juventude?
Eu gostaria muito de ter recebido o conselho que dei aos meus filhos:
Deus fez cada pessoa de forma única, singular. Toda pessoa possui dons e talentos, descubra os seus! Não caia na armadilha de se comparar com outros ou querer provar que é aquilo que você não é. Diga a verdade para si mesma e para aqueles que quiserem, porventura, que você dê o que você não possui ou seja quem não é. Celebre seus pontos fortes e abençoe outras vidas por meio deles. Admita seus pontos fracos e busque pessoas que podem lhe abençoar naquilo que lhe falta.
Como você lida com o envelhecer?
O envelhecer para mim, é lidar com a ideia da visão humana de que já vivi mais tempo do que viverei. Este sentimento me desafia a olhar para a abundância de conquistas, ganhos, aprendizados e experiências que eu adquiri ao longo destes anos e ainda conquisto em detrimento da escassez de minhas limitações que naturalmente vão chegando.
Meus referenciais no processo de envelhecimento passam muito pelo que vivenciei com meus pais (ambos falecidos). A cada ano que passava eles iam se tornando pessoas mais amáveis, graciosas, amorosas mais gratas, e vejo isto no exemplo dos meus sogros também. Tenho aprendido ao longo da vida algumas lições preciosas sobre algumas posturas no processo de envelhecimento:
A primeira, sem dúvidas, está associada à importância de construir relacionamentos significativos ao longo de sua vida: Ter amigos de várias idades (de crianças a pessoas mais velhas) me faz sentir mais conectada com o mundo e as pessoas. Rede de apoio é importante em toda fase de vida. Depois, aceitar o apoio que essa rede oferece. Tenho exercitado a prática de me permitir ser cuidada também, e não apenas cuidar. E tenho consciência que o envelhecer trará cada vez mais a necessidade desse suporte, pelo qual sou muito grata.
E por fim, me manter em constante desenvolvimento e crescimento. Ser uma aprendiz de Jesus até o meu último suspiro.
O que mais a anima e o que mais a incomoda no meio evangélico?
Anima saber que tenho uma família da fé espalhada pelos cinco continentes. Aonde quer que eu vá, havendo uma pessoa evangélica, a probabilidade de me sentir irmã em Cristo pela identificação da minha fé é grande. Isso gera em mim um sentimento de pertencimento e acolhimento.
Por outro lado, sinto um incômodo enorme pela maneira como muitos no meio evangélico vivem uma teologia “super espiritualizada”, negando suas emoções e seus sentimentos. O receio de expressar emoções, como por exemplo chorar e dar nome aos sentimentos, como medo, tristeza, angústia, e raiva, são negados, por achar que os mesmos são “pecaminosos”. As emoções e sentimentos foram dados por Deus, mas lamentavelmente em grande parte do meio evangélico, se não expressarem alegria, são atribuídos ao diabo ou a uma fraqueza espiritual.
Perdi minha mãe há poucos meses, tem sido raro encontrar alguém com quem eu me sinta à vontade para falar do meu luto e me sentir acolhida, sem que esta dor me defina. Cheguei a ouvir de pessoas perguntas do tipo: “Como pode você ficar triste com a partida de sua mãe, sendo que você é evangélica?”. O que define minha identidade é Jesus não minha dor ou tristeza. Nele eu sou filha amada do Pai, humana, como Jeremias que nos deixou um livro sobre Lamentações, falando sobre suas angústias. Eu sou humana como Davi, um homem segundo o coração de Deus, que nos deixou preciosos salmos que dão nome aos sentimentos. Eu sou humana, como Jesus, que se fez carne e chorou a morte de seu amigo Lázaro. Exemplos estes, que mostram suas humanidades, mas também mostram a fonte do consolo. Eu sou humana como Paulo, que me ensinou que quando eu estou fraca é que estou forte, porque a graça de Jesus me basta.
Que palavra de encorajamento oferecer às famílias nestes dias difíceis de pandemia?
Busque referências! A pandemia mudou o ritmo de todos. Alguns sentiram isso mais intensamente, outros menos. Todos estamos sendo impactados de alguma forma por este momento. E isso, muitas vezes, nos rouba as referências de quem somos. O que você ainda pode fazer que te ajuda a se sentir menos fragmentado? Por exemplo: Exercícios físicos, leitura, um grupo de oração, uma conversa com um amigo(a), cuidar das plantas, tocar um instrumento, refeições e jogos em família, assistir a um bom filme… Busque estas práticas/momentos que são referências para você. Traga-as de volta para a sua rotina, ainda que em uma nova configuração, com adaptações. Certamente muita coisa mudou e vai mudar, mas lembre-se: Deus nunca muda, pois ele é o Alfa e Ômega. É o mesmo sempre: ontem, hoje e continuará sendo o nosso Pai, que nos ensinou a orar, afirmando que ele nos dará o pão nosso de cada dia. Ele é a nossa fonte e sua presença é constante. “Deus disse: ‘De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei’” (Hb 13:5). Nele não há mudanças! Nele há sempre esperança. Foque na abundância, não na escassez.
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Joana Darc Barboza A. Silva
Louvo à Deus por sua vida Leonora. Aprendemos muito com você e o pr. Fábio em Oásis. Que o Senhor permita que outros casais possam viver a experiência que tivemos na nossa temporada