Ainda acredito na fé simples, não ambiciosa — Na varanda com o autor
Na varanda com o autor | Lissânder Dias
Lissânder é de casa. Embora nascido em Belém, PA, por mais de dez anos frequentamos juntos as mesmas varandas mineiras. Aqui, na Ultimato, na Rede Mãos Dadas e também na Igreja Presbiteriana de Viçosa.
Assessor editorial na Unicesumar, Lissânder Dias é jornalista e, desde 2016, reside em Maringá, com sua esposa Kelen e o pequeno Miguel, nascido na Zona da Mata Mineira. Colaborador do portal e da revista Ultimato, ele ainda mantém vivo o seu blog Fatos e Correlatos, em parceria com Ultimatooline. Na Varanda com o Autor recebe Lissânder Dias.
Alguma pessoa ou livro, em especial, influenciou sua aproximação da leitura e da escrita?
Em fui criado em um ambiente familiar favorável aos livros. Meus pais são professores e sempre valorizaram muito a educação, mesmo em um contexto de escassez. Meu pai é um leitor ininterrupto. Como cristão, ele colocava a leitura da Bíblia no centro das preocupações. Esse, sem dúvida, foi o fator externo mais decisivo.
Posso dizer também – mas sem saber explicar muito bem – que eu, desde sempre, gostei da experiência única da leitura – principalmente porque, ao ler um livro, eu poderia adentrar em outros “mundos” e visualizar uma realidade mais ampla do que a que eu vivia. Muitas vezes, esse impulso era gerado pela simples curiosidade, pelo desejo de saber mais sobre coisas que eu não sabia.
Já a escrita, posso dizer que foi estimulada no contexto escolar. Uma lembrança especial foi quando, no Ensino Fundamental em uma escola pública na minha cidadezinha chamada Igarapé-Açu (PA), uma das minhas professoras promoveu um concurso de escrita na sala. No início, eu não pensei em participar, mas depois resolvi que sim. Escrevi um poema (talvez tenha sido o meu primeiro poema!) e venci o concurso. Foi a primeira vez em que submeti em público algo que eu mesmo havia escrito. A experiência foi fascinante. Daí em diante não parei mais de escrever.
Quando a inspiração para escrever não vem…
“Inspiração” é uma palavra curiosa e difícil de ser definida. Acredito que mais do que “inspiração”, o que me move a escrever é o diálogo que tenho comigo mesmo, com as pessoas e com Deus. O contrário também é verdadeiro, ou seja, quando não consigo dialogar comigo, com as pessoas e com Deus, não tenho vontade de escrever. Aí vou ver um filme, fazer coisas aleatórias – mas não escrever.
(É claro que estou falando no contexto da escrita espontânea, pessoal, devocional. Quanto à escrita produzida no contexto de trabalho, aí devemos utilizar as técnicas e a própria dinâmica de trabalho para cumprir as responsabilidades).
O que os adultos devem ler para as crianças?
O que gostariam que lessem para eles mesmos quando também eram crianças. Parece óbvio, mas é isso mesmo. A primeira coisa a fazer para ajudar as crianças a tornarem-se leitoras é imaginar-se no lugar delas, fazer um resgate memorial.
As crianças têm uma capacidade criativa fantástica, e a leitura pode impulsionar ainda mais essa qualidade. Elas criam circunstâncias lúdicas para os conceitos e as verdades, e assim aprendem mais. Não podemos desperdiçar tal virtude. É a partir dessa criatividade dada por Deus que elas entenderão o Evangelho.
Que conselho você gostaria de ter recebido na sua juventude?
Tenha foco! Com foco, você vai bem mais longe.
Como você lida com o envelhecer?
A vida é um encontro único entre o passado, o presente e o futuro. Mais do que contabilizar anos, acredito que viver é desfrutar desse encontro continuamente. Aliás, é nesse exato encontro que Deus está. A Bíblia é um testemunho poderoso de como passado, presente e futuro estão maravilhosamente alinhados pelo Senhor do Tempo. Minha maior preocupação é o risco de desperdiçar as oportunidades que Deus me dá. Sei que faço isso muitas vezes, principalmente, quando meus olhos não estão voltados para “o autor e consumador da minha fé” (Hb 12.2).
No último ano, meus amigos brincam com meus fios de cabelo embranquecidos. No início, foram alguns, depois, aumentaram. No momento, ainda não são maioria, mas já estou me acostumado com o fato. Gosto disso. Gosto de perceber que Deus está me dando a oportunidade de mudar de etapa na vida. Ainda não me sinto “envelhecer”, mas entendo que a vida acontece, muda e muda a gente. A sabedoria está em discernir cada etapa da vida. Que Deus me dê sabedoria.
O que mais o anima e o que mais o incomoda no meio evangélico?
É difícil responder isso, porque o tal “meio evangélico” é muito complexo e diversificado. Há muitos movimentos dentro dessa possível identidade chamada evangélica. Até onde meus olhos alcançam, eu ainda acredito na fé simples, espontânea, não ambiciosa; me anima quando converso com gente ainda maravilhada pela mensagem do Evangelho, que é amorosa, mas também contracultural e provocativa. O Evangelho resgata essa cultura dos afetos, inspirada no amor de Cristo.
Mas entendo que, ao mesmo tempo, não há muito espaço para idealizações. Na difícil arena da vida, não vejo muitos evangélicos conectando sua fé com o realismo da vida; ao contrário, parece que nós criamos “mundos paralelos”, separado um do outro: uma coisa é a fé no contexto religioso e a partir do contexto religioso; outra coisa é a vida “real”, onde somos imersos em uma cultura em que desejamos ter vantagem em tudo, onde precisamos ter títulos, fama e carisma. Em ambos os casos, somos tentados a diminuir o poder e a presença soberana de Cristo. Uma vida de fé fragmentada é o pior dos testemunhos.
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