Socorrendo um mundo quebrado
Por Ariane Gomes
O mundo clama por socorro físico, mas no fundo é o anseio desesperado por algo que dê esperança e motivo para enfrentar o futuro, algo verdadeiro ao qual possa se apegar
A Associação Missão Esperança e a Rede SOS Global atuam há mais de dez anos com equipes de socorro emergencial em catástrofes, apoiando parceiros que moram em países da Ásia e desenvolvendo trabalhos em diversas áreas e na formação de obreiros locais para a prática da missão. A Rede SOS Global já enviou equipes para socorrer vítimas do ciclone em Mianmar, do terremoto no Haiti, do tsunami no Japão, do tufão nas Filipinas , das chuvas no sertão brasileiro, das enchentes em Santa Catarina e das chuvas e deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro.
Em recente viagem à Ásia, Margaretha Adiwardana, líder da AME e Rede SOS Global, constatou que ainda há muita coisa por fazer. Ela contou a Ultimato algumas de suas percepções diante de um mundo marcado por feridas espirituais, emocionais e físicas.
Como líder da AME/Rede SOS Global, você faz muitas viagens em visita a parceiros, reconhecimento de campos, apoio e incentivo aos que estão na linha de frente. Do que você encontrou na viagem mais recente, o que é um grande desafio, uma situação que precisa de socorro emergencial?
Na última década, há uma nova estratégia agressiva, sistemática, bem pensada, preparada e financiada, que visa o proselitismo onde o cristianismo é minoria. Isso acontece em regiões tradicionalmente cristãs mas que atualmente vivem sem conhecer a fundo a Palavra. Essa nova estratégia atinge principalmente os jovens, incentivando-os a se afastarem da igreja, a deixarem a fé e a abraçarem a fé da maioria. Eles são seduzidos pela oferta de bens materiais e bem-estar nas regiões muito carentes e por tentações físicas pecaminosas. Nos lugares por onde tenho passado, centenas de milhares já abandonaram a fé cristã devido a essa estratégia agressiva. Há pré-adolescentes, com 11 ou 12 anos, grávidas, que têm que se casar abandonando a escola e a fé. Oferece-se comida a crianças com fome. Jovens se embrenham em prostituição, álcool e drogas que, inicialmente, são oferecidos de graça. A igreja em várias dessas regiões perde as crianças e os jovens, a sua geração futura. O testemunho cristão se torna ineficaz e até causa vexame.
Quais ações a AME/Rede SOS Global promove, além do trabalho com formação de equipes de socorro emergencial e da atuação com equipes em situação de catástrofe?
Depois do socorro emergencial pós-catástrofe, quando há necessidade, continuamos com reconstrução na destruição. A seguir, havendo necessidade e a pedido do pessoal local, estabelecemos projetos de desenvolvimento comunitário integral que visa a transformação material, práticas de autossustento, capacitação para profissionalização, cuidados de saúde física e nutricional, cuidado emocional, psicológico e pós-trauma com vistas a ajudar as pessoas que passam algum tempo vivendo de doações a recuperar a autoestima e a dignidade. Trabalhamos ajudando na formação de obreiros locais com visão e prática missionária para alcançar o seu povo, os povos pouco alcançados ao seu redor e povos em outros países. Damos preferência e prioridade para locais que sofrem de discriminação econômica, social e religiosa.
Num mundo quebrado, em que relacionamentos superficiais e efêmeros sobressaem aos encontros duradouros, em que muitas pessoas enfrentam catástrofes pessoais, dramas familiares, solidão, medo, angústia, incerteza, qual é a importância dos ministérios de socorro, reconciliação, cura e restauração?
O mundo quebrado clama por socorro físico, mas no fundo é o anseio desesperado por algo que dê esperança e motivo para enfrentar o futuro, algo verdadeiro ao qual possa se apegar. Isso requer socorro palpável para os problemas no aqui e agora, sejam eles físicos, materiais ou emocionais. Envolve cura de trauma das experiências que esmagam a esperança por uma vida digna que vale a pena lutar, reconciliação em caso de conflitos violentos e opressão física. A restauração física e emocional é necessária para devolver a dignidade como ser humano pleno com seu lugar reconhecido dentro da sociedade e no mundo. A paz espiritual da criatura consigo mesma e com o próximo brota da paz com o seu Criador.
Em artigo publicado na Ultimato de setembro/outubro de 2009, o redator mencionou suas lágrimas como expressão de um interesse genuíno pelas vítimas da guerra, violência, pobreza e catástrofes. Ainda há motivos pelos quais chorar, se comover, lamentar, orar?
Não podemos não chorar ao ver o mundo criado perfeito por Deus hoje caído. Não conseguiríamos não lamentar ao ver a criatura que foi feita para o louvor da glória de Deus hoje em situação de desespero e desconhecendo que há esperança e existe vida plena e abundante. Devemos orar com lágrimas para que, enquanto aguardarmos o grande dia quando não haverá mais morte nem dores nem lágrimas, a presença do Emanuel se torne real aqui e agora e que o Pai de toda consolação, o Espírito Consolador seja sentido na vida dos desesperançados. É a promessa que se cumpre quando há “sal da terra” e “luz do mundo” no meio do choro e lamúrias.
O que pode ser aproveitado das experiências de globalização no ministério de socorro às vítimas de catástrofes?
Haja vista que há quase duas décadas as catástrofes aumentam cada vez mais, ocorrendo em todos os continentes e frequentemente com grande amplitude e cada vez mais destruidoras, tanto nos lugares de alto poder econômico e com infraestrutura que suportam desastres, como nos lugares que já eram pobres e sem infraestrutura adequada, vemos que o ser humano se torna ciente da sua incapacidade de se defender tanto diante da força da natureza como da maldade humana nas guerras. É nessa situação de estar “no fundo do poço”, sentindo-se vulnerável e incapaz, que o ser humano, que normalmente se sente poderoso em sair-se bem com esforço próprio, se conscientiza que há situações das quais ele não pode mais se defender. É um momento de crise existencial mais profunda que crises física, mental e emocional quando se desespera e se reflete no significado da vida para poder continuar a viver bem consigo mesmo. É nesse momento que a presença ajudadora verdadeira e relevante, sem sentimento de superioridade, se torna crucial para a pessoa poder ver a luz e a esperança.
Como a AME/Rede SOS Global equilibra a proclamação do evangelho e a atenção sincera e integral ao sofrimento alheio, seja ele físico, emocional ou espiritual?
A ministração aos que sofrem deve brotar mais do que da compaixão humana, deve ter origem no amor de Deus por nós. Não há separação entre a proclamação do evangelho e o cuidado físico, emocional e espiritual aos que sofrem. É o viver do evangelho, a ação e os atos de cuidar das pessoas que Deus ama.
Raio X
Idade da AME/Rede SOS Global: A AME foi formada em outubro 2000 e a Rede SOS Global em janeiro 2006
Número de obreiros: Nas bases somos 11 e nos campos 28 e seus filhos (incluindo obreiros locais de alguns campos internacionais)
Número de viagens já realizadas para socorro emergencial: cerca de 40 viagens de equipes para socorros nacionais e internacionais
Número de treinamentos oferecidos e pessoas alcançadas neles: 20 treinamentos com aproximadamente 1.500 pessoas treinadas no Brasil e no exterior
Um sonho: Ver uma rede brasileira e internacional de socorro emergencial capaz de agir em 72 horas diante de uma catástrofe
Um desafio para 2016: Cuidar de dezenas de milhares de crianças em situação de risco em vários locais num país asiático
Um convite: Venha fazer parte da cura num mundo quebrado, transformando desespero em esperança que não falha e que só há no nosso Senhor. Conheça mais sobre os projetos da AME e Rede SOS Global aqui.
A AME faz parte de um projeto de ações ministeriais da Ultimato e, junto com cerca de quarenta outras organizações, recebe exemplares de Ultimato gratuitamente para distribuir aos missionários vinculados à agência.
• Ariane Gomes é responsável pelos projetos ligados às ações ministeriais da Ultimato.
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