Todos somos atraídos por situações extremas. Nas novelas, são pontos centrais. O noticiário as “fareja”. Talvez porque revelem o que há de mais genuíno nas pessoas, sejam fraquezas, sejam virtudes insuspeitas.

Essa é a razão da atração que a última ceia de Jesus exerce sobre nós. Trata-se de um último encontro, de uma despedida. E antecede o momento mais extremo da vida do Mestre: sua morte.

Esse momento contém, a meu ver, o segredo da realização, da felicidade cristãs.

Ao se despedir, Jesus dramatiza sua última parábola: a parábola do lava-pés. Já não mais ensinando o que fazer. Isso havia sido feito nos últimos anos. Agora, ele lhes ensinará um modo de exercer o ministério da reconciliação.

Quero crer que, mais que uma lição de humildade, Jesus estava estabelecendo uma ordem sacerdotal. O “sacerdócio universal do lava-pés”, que reúne em confraria aqueles que, tendo compreendido seu ensino, buscam no poder do Espírito as habilitações necessárias para iniciarem-se nela. Tornar-se-ão cavaleiros do serviço anônimo, agentes do reino, construtores de uma nova ordem civilizatória. A ordem do “maior-menor”; a ordem do lava-pés.

Do cerne desse momento dramático surge nova lição, proveniente do quase divertido desentendimento entre Pedro e Jesus. Recorto, daquele diálogo desconcertante, a expressão do Mestre: “se eu não te lavar, não tens parte comigo”.

Pedro, Pedro, diz o Mestre: estou instituindo o meu reino; e dele fazem parte aqueles que servem e que aceitam ser servidos. Se você não me permite lavar seus pés, símbolo do serviço, você está se excluindo dessa ordem espiritual que instituo. Você se coloca fora do ministério da reconciliação.

Percebo, então, um segredo de felicidade, de realização, com um simples olhar sobre meus irmãos. Contemplo, com os olhos fechados, alguns ministros-servos atarefados, cansados, suados e… felizes! Mais que isso: realizados.

Ao conversar com alguns deles, descubro que não vivem em crise de idade. Não sofrem tanto com a passagem da adolescência para a juventude, e dessa para a vida adulta. Não sofrem tanto com as crises dos 40 e dos 50. Nem se ressentem com a velhice. Nem a pobreza, as privações ou as enfermidades apagam seu sorriso. Por quê?

Minha opinião é que não sofrem de crise de identidade. Em qualquer idade, em qualquer lugar, em qualquer condição de vida sabem quem são, mesmo que inconscientemente: são ministros de Deus, em serviço. Permanecem operosos e construtivos em qualquer circunstância e ambiente. Sempre atarefados, ao seu modo; sempre atentos às necessidades, sempre úteis. Mesmo na velhice dão fruto e exibem folhagem exuberante. Sua pobreza é capaz de enriquecer a muitos.

Que paradoxo! O preço é tão alto, o amor tão sacrificial, as adversidades tamanhas, as incompreensões tão agressivas que não resta muita energia para as crises, para a solidão, para as dúvidas do enfado e do tédio modernos. Necessidades prementes demandam serviço imediato: oração, jejum, criatividade, esforço, busca de ajuda. E a tristeza? Bem, deixemos esse assunto para amanhã. Hoje, tem gente precisando da nossa atenção.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.