Em Romanos 12.1-2, Paulo associa “século” e “mente”. Naquele tempo, ainda não se filosofava sobre ideologia, no sentido político do termo. Muito menos sobre a formação social da consciência. Consciência de classe, então, nem pensar! Esses são conceitos modernos. Mas os ingredientes dessas descobertas já existiam entre os filósofos gregos e romanos. E encontramos o apóstolo Paulo a nos alertar sobre o poder conformador do meio em que vivemos sobre nossa mente. Como que a dizer que nosso modo de sentir, pensar e agir tende a acompanhar a sociedade em que vivemos — nosso “século”. A tal ponto que, se quisermos ser “normais”, teremos de nos deixar secularizar.

A exortação, então, é que não permitamos que essa fôrma secular conforme nossas mentes, de modo acrítico, mas que cuidemos de ultrapassar a fôrma deste século — que nos transformemos — e que nos conformemos à mente de Cristo. Que missão!

Ao buscarmos as oportunidades de reevangelização que uma sociedade cada vez mais pluralista nos oferece, precisamos responder à pergunta: que século? Porque se soubermos de que sociedade estamos falando, saberemos também a que “mentes” destinaremos nossa mensagem (re)evangelizadora.

A mente secularizada de nosso “século” sonha com um lar. Ela é cidadã do mundo (portanto, não tem pátria; sendo de todos, não pertence a ninguém); vive numa “sociedade-supermercado”, sob o império das diferenças; conformou-se ao hábito de escolher nas prateleiras da vida; é consumidora e consumista; é relativizada e gosta de poder optar; é horizontalizada (o valor do que é ofertado nas prateleiras depende de quem escolhe); é volúvel (não resiste a uma oferta, a uma novidade, a uma promoção); é superficial como uma borboleta (sempre de passagem para a próxima flor); é hedonista (seus critérios de escolha são o prazer: pessoal, íntimo e intransferível); é iconoclasta (porque é horizontalizada) e tem como valor maior e bússola existencial sua auto-estima.

Essa mente sem lar é livre, leve, solta — e órfã. Não deve satisfação a ninguém; não precisa agüentar ninguém; não aceita intromissões, não deseja relações profundas nem duradouras. Mora sozinha, por opção. Seus votos de casamento valem menos que uma placa de 20 km/h na estrada.

Mas essa mente sonha com um lar. Sim, ela foi criada para viver em comunidade, ancorada emocionalmente por referenciais, protegida por gente que gosta dela; carregada no colo por afetos duradouros. Ela foi projetada para viver em família. A reevangelização dessa mente precisa incluir a oferta concreta do amor de Deus. Um amor que receba, acolha, perdoe, restaure, coloque um anel no dedo e uma sandália nos pés.

Essa mente não sabe ser convencida. Não quer decidir logicamente. Não resistirá acordada à nossa apologética. Mas poderá ser seduzida por uma manifestação afetiva, sacrificial, não-combativa, não punitiva da igreja. A doutrina certamente terá o seu lugar na renovação das mentes, para que seja possível experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Mas ela virá ao seu tempo. Agora, ela pode matar o paciente. O tempo é de leite. Com o crescimento, a criança passará a mastigar alimentos sólidos. E a Palavra será seu guia.

Para reevangelizar o mundo pós-moderno é necessário que nos renovemos, pela transformação de nossas mentes, e desenvolvamos uma especial capacidade de encarnação, num século de almas tão altivas quanto desesperadas; corações que de dia desprezam o Senhor, mas à noite anelam por ele.

(*) Adaptado de participação no Encontro de Amigos, da Revista Ultimato, em Viçosa, julho de 2008, e publicada na edição 315.

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