Ultimato entrevistou a psicóloga Leonora Ciribelli, autora do mais novo livro da editora Antes de Casar. Neste bate-papo, ela desmistifica conceitos e dá um rumo mais honesto para a caminhada da vida a dois. Confira.

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BlogUlt_25_04_14_LeonoraUltimato – Há tantos livros sobre casamento no meio cristão e há tantos aspectos para serem discutidos na “vida a dois”. O que o leitor vai encontrar em Antes de Casar?

Leonora – Grande parte dos materiais dirigidos a relacionamentos apresentam uma proposta de intervenção para o que está adoecido. Basta olharmos a proporção de literaturas para casados em proporção aos que irão se casar. O “Antes de Casar” tem como diferencial ser um livro preventivo e não interventivo. Acredito que um esclarecimento do que é casamento deve vir antes de casar e que o casal que aprende a conversar antes do “sim”, sobre os mais variados assuntos pertinentes à vida a dois, terá muito mais habilidades para enfrentar as crises naturais do casamento.

Ultimato – Como você descreveria a linguagem do livro? Qualquer pessoa poderá lê-lo, sem dificuldade de compreensão? Não cristãos também?

Leonora – O livro foi escrito em tom de uma conversa e de fácil compreensão. Certamente o leitor irá se identificar com muitas histórias e exemplos citados. O livro tem uma abrangência até para os não cristãos, pois trata de uma crença que a maioria dos casais têm, que é o equívoco de pensar que casamento é remédio que leva à felicidade. Se casamento fosse remédio que leva à felicidade, não haveria casados infelizes, não é mesmo?

Ultimato – A pesquisa das “Estatísticas do Registro Civil 2102” do IBGE mostra que no Brasil o casamento tem encurtado sua “data de validade”. Os casamentos no país duram, em média, 15 anos. A informação leva em conta o tempo médio transcorrido entre o casamento e a data da sentença do divórcio. Em 2007, o tempo médio era de 17 anos, mesmo período que havia sido observado em 2002. Em sua opinião, quais as razões para o que está acontecendo?

Leonora – Tenho observado que inúmeros casais desistem muito cedo do casamento pelo fato de não suportarem os problemas que surgem naturalmente num relacionamento conjugal. Para estes, casamento é sinônimo de prazer. Se tiver alguma situação que gere dor ou mal estar, abrem mão do compromisso e provavelmente se projetam em um novo relacionamento. Por outro lado, também há muitos que se esforçam para permanecerem juntos, mas acabam se divorciando ou tendo um casamento frustrado, devido à falta de preparo desde o início do relacionamento. Uma das razões pelas quais isto acontece está no fato de os casais não investirem tempo em ajustes que necessitam fazer em seus relacionamentos antes de se casar. Os contratos do buffet, fotógrafo, festa, vestido são incansavelmente avaliados e pensados, mas os acordos entre eles que se referem a famílias de origem, sexualidade, finanças, espiritualidade, dentre outros, acabam ficando em segundo plano. A mídia é uma boa amostra do que estou falando: basta ver nas capas de revistas e na internet os grandes casamentos das celebridades e sua durabilidade. E esta realidade não está limitada aos famosos, está bem pertinho de nós: entre parentes e amigos.

Outra razão que observo é a era tecnológica e a maneira como os relacionamentos estão sendo afetados. No mundo virtual, a conduta dos seres humanos se altera. Com apenas um clique é possível dar comandos diversos, como comprar, enviar mensagens, fazer transferências bancárias, acessar redes sociais. A sensação é mágica. Talvez ainda não nos demos conta, mas estamos transferindo as expectativas do mundo virtual para nossos relacionamentos. É como se pudéssemos controlar o outro com um clique e obter uma rápida resposta. Mas casamento é uma construção, que durará a vida inteira. É preciso paciência e perseverança.

Ultimato Um dos medos de um jovem cristão é a escolha do cônjuge. Este medo é normal? Até que ponto deixa de ser um algo saudável? Que dicas você pode dar para ajudá-lo a enfrentar esta fase?

Leonora – A maioria dos jovens cristãos quer acertar na escolha de seus cônjuges, por aprender que casamento é algo sério. Muitos acabam sentindo medo de não fazerem a escolha certa, com receio de não serem felizes. Como diria o Pr. Carlos McCord, “casamento não gera felicidade. O casamento apenas revela a existência ou não de uma felicidade preexistente, que será compartilhada pelo casal”. Um dos conselhos que ele dava a suas filhas era: “Vocês estão prontas para escolher um homem para se casar, quando não precisarem de um homem para ser feliz”.  Portanto, quando o casal entra com uma visão de que casamento é construção, e esta construção é para a vida toda, de que o noivo ou a noiva não encontrarão pessoas prontas (perfeitas) e não irão prontos para o casamento, creio que esta visão ajuda a enfrentar os medos com mais maturidade e capacidade de confrontar o desconhecido e não com um medo que gera a insegurança de que irão se arrepender. Por outro lado, creio que um bom termômetro para este medo é fazer uma pergunta simples, porém significativa: “este relacionamento está me ajudando a me tornar uma pessoa melhor?” Exemplo: um melhor cristão, profissional, filho, amigo(a), irmão e claro noivo(a). Não acredito que o outro seja responsável por isto, mas acredito que somos influenciados por nossos relacionamentos. Gosto de testemunhar que me torno uma pessoa melhor na medida em que me relaciono com Fábio (meu esposo), e me esforço para que a recíproca seja verdadeira.

BlogUlt_25_04_14_Capa_Antes_CasarUltimato – Um dos seus ministérios é realizar cursos sobre matrimônio em igrejas. Quais as dificuldades mais frequentes que você encontra entre as pessoas que participam de seus cursos?

Leonora – Uma das maiores dificuldades é a que eu citei acima, que é do paradigma de que eu sou responsável de fazer o meu cônjuge feliz, e vice-versa. Fico impressionada quando vejo o quanto os líderes ainda reforçam esta ideia nas cerimônias de casamento e aconselhamento matrimonial: de que o outro seja responsável por sua felicidade. Quebramos este paradigma enfatizando que o outro não pode ser responsável por minha felicidade. A felicidade deve ser fruto de uma realização pessoal, alcançada pela obediência e pelo entendimento de que cada um foi criado com dons e talentos dados por Deus de maneira singular. O exemplo é da mulher samaritana: enquanto fazia dos seus relacionamentos a fonte de sua felicidade, ela não foi saciada; Jesus é a fonte que gera esta felicidade. Outra dificuldade é acreditarem que pelo fato de serem cristãos, estão “blindados” em relação a muitas questões que um não cristão enfrenta. Se estão passando por problemas, é “ataque do inimigo”. Acredito que haja, sim, lutas espirituais, mas é grande o número de pessoas que transferem para o diabo lutas que são naturais de um relacionamento conjugal, que os levarão ao crescimento, caso enfrentem-nas como desafio da fase que estão vivendo.

Ultimato – Você acha que as igrejas locais estão preparadas para ajudar casais em crise? Se sim, o que elas têm feito de bom? Se não, o que falta?

Leonora – Creio que muitas das igrejas têm se empenhado para ajudar os casamentos em crise, mas percebo que ainda falta muito uma visão mais real de como ajudar estes casais a crescerem e a colocarem em prática os princípios e conceitos que lhe são passados. Um exemplo é quando dizem que o casamento é para revelarmos a “imagem de Deus”. Ótimo! Perfeito! Mas como ajudá-los no seu dia a dia a encarnarem esta realidade? Como um casal revela um Deus invisível, tornando-o visível em suas relações? Outra questão que observo é que existem igrejas que fazem muitos eventos. Eu gosto de dizer “é-vento”, porque quando durante estes eventos as pessoas sentem-se tocadas, mas depois o vento leva a empolgação. Falta um acompanhamento, pequenos grupos ou células que ajudem estes casais a permanecerem em Jesus, para que estejam juntos de forma saudável e não unidos por uma religiosidade.

Ultimato – Você é vice-presidente da EIRENE do Brasil. O que exatamente esta associação faz? Como ela pode servir às igrejas? 

Leonora – A Eirene do Brasil visa buscar a criação de um ambiente familiar saudável e, para isso, investe no treinamento e certificação de pessoas que possam se especializar neste trabalho. Atualmente esta organização tem atuado no treinamento de assessores familiares (pessoas leigas com chamado para atender à família em seus multiformes aspectos) e profissionais da área de ajuda na arte da terapia familiar, tendo como base os enfoques sistêmicos e psicoteológicos. Além disso, diversos seminários têm sido realizados, contribuindo assim para a divulgação desta visão ministerial, voltada para a família. A formação de centros de atendimento à família em diversas regiões do país também tem sido estimulada pela Eirene, além de vínculos e convênios firmados entre a organização e instituições de ensino para o desenvolvimento de programas de especialização na área de família.

Ultimato – Para terminar, qual sua expectativa com o lançamento de Antes de Casar?

Leonora – Minha expectativa é que muitos casais entrem mais conscientes em seus relacionamentos conjugais. Que se responsabilizem antes mesmo de se casarem pelo relacionamento conjugal e que aprendam que casamento não é para fazer o outro feliz, mas para a entrega do amor contínuo, fazendo desta união uma oportunidade de somar as felicidades preexistentes em cada um dos cônjuges. Casamento é para refletir a imagem de Deus, e esta imagem divina é revelada através do perdão, alegria, paciência, bondade. Ou seja, o Deus invisível se torna visível quando há estas práticas em um lar. Portanto meu convite é: antes de casar, vamos conversar?


• Sobre a autora:
Leonora Ciribelli é casada e tem dois filhos. É psicóloga clínica especialista em família e vice-presidente de EIRENE do Brasil, uma associação de profissionais cristãos que trabalham em favor do desenvolvimento, fortalecimento e defesa da saúde integral da família. Junto com o marido, o pastor Fábio Ciribelli, idealizou o curso de noivos “Antes de Casar, Vamos Conversar?”. Ambos ministram cursos e palestras na área de família por todo o Brasil.

 

Mais
>> Veja também o vídeo com autora:


  1. “Casar para ser feliz ou ser feliz para casar?”

    Tautologia é aquele termo usado em retórica em que procura-se expressar a mesma coisa usando outras palavras ou ideias. É uma espécie de ‘chover no molhado’. Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes.

    Se o leitor observar, acabei de usar o recurso retórico da tautologia:

    1. Expressar a mesma coisa usando outras palavras;
    2. Dizer a mesma coisa em termos diferentes.

    Veja o título deste artigo de Leonora: Casar para ser feliz / Ser feliz para casar. O termo médio entre as duas frases é ‘casar’, ou se você preferir ‘feliz’.

    A interrogação ao final é uma sutil estrategia de marketing.

    Experimente trocar casamento por outras palavras. Veja por exemplo essa:

    Tomar banho para ser feliz
    ou
    Ser feliz por tomar banho?

    ULTIMATO havia publicado uma propaganda sobre a venda de um livro desta psicóloga e aboletou no marketing a expressão “Não se case… antes de ler este livro!”

    Você que se encaminha para a reta final de seu casamento, aceitaria o desafio feito pela editora com respeito ao livro?

    Faça uma pesquisa, nem precisa ser nacional, e verifique se uma décima parte dos futuros nubentes se submetem à leitura de uma livro de modo a decidirem se devem ou não casar.

    Ou por outra, quem casa tem um conjunto de interesses, necessidades e projetos que livro algum altera. Sim, claro, há aqueles que mudam (por conta desse ou daquele livro); mas há um monte de futuros casais que levam em consideração uma razoável lista de interesses outros seja para continuar ou desistir.

    A menos, claro, que do dia em que o conheceu ou a conheceu até a data final do desenlace no altar, dias, meses e talvez anos fossem uma atrás da outra uma sequência estúpida de erros para que você, lendo o tal livro dissesse, “melhor não ir para o altar!”.

    Os evangélicos têm toda a razão em orientar seu rebanho sobre as alegrias e os perigos do casamento. A questão é que os recursos argumentativos e a abordagem bíblica — recurso fundamental para quem chama a si de evangélico — ainda sofre do roteiro exegética da década de 60-70.

    EIRENE é um exemplo dessa abordagem.

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