Por Ruth Bancewicz (Faraday Institute)

Tradução: Cibele Campos Cardoso (Doutora em Biologia – UFMG\Max-Delbrück-Centrum für Molekulare Medizin)

 

Em “Ciência, Fé e Criatividade”, eu expliquei como a ciência pode ser criativa, e que um cristão trabalhando em ciências pode ver isto como sendo parte de seu relacionamento com Deus. Além de uma breve descrição em “A Criatividade da Química”, eu ainda não tinha dado um exemplo do que uma ciência criativa se parecia, então eu tentarei remediar isto aqui. (Esta é uma postagem mais longa do que o usual porque eu inclui uma explicação básica de biologia molecular para não-biólogos)

Eu pessoalmente comecei a apreciar a criatividade da ciência enquanto estudava genética. Pessoas criativas geram ideias e fazem novas coisas, e eu descobri que a pesquisa de laboratório envolve ambas atividades. Minha parte favorita do curso de genética na Universidade de Aberdeen era biologia molecular: o estudo de DNA e proteínas. Eu gostava dos desafios de solucionar os problemas, o pensamento em paralelo e a modelagem visual que estavam envolvidos na exploração do mundo micro de células e moléculas. Eu também gostava do fato de que nós estávamos aprendendo sobre soluções de assuntos da vida real.

Quer saber porque alguém tem uma doença hereditária? Estude a árvore genealógica da família, trabalhe com uma amplitude de testes de DNA no laboratório e tente encontrar quais genes são afetados. Quer fazer grandes quantidades de insulina para pacientes diabéticos? Uma vez que você sabe qual o gene responsável por fazer isto você pode purificar o DNA humano – uma amostra de sangue ou de saliva o fará – isole o gene, insira-o na bactéria ou na levedura, e encontre um modo de coletar insulina destas células. Quer entender um tipo particular de câncer? Compare o DNA de um tecido saudável e de um tecido doente para encontrar quais genes estão afetados. A biologia molecular é mais fácil em teoria do que na prática, mas graças a enormes avanços nas últimas décadas, aprender aspectos básicos da biologia molecular no laboratório é agora relativamente válido.

Muitas das coisas em biologia molecular acontecem em pequenos tubos plásticos. Quantidades ínfimas de líquidos transparentes assustadoramente caros são misturados nestes tubos utilizando-se de uma pipeta extremamente acurada. Algumas destas soluções podem cheirar mal (apesar que você nunca deve chegar muito perto para perceber), e muitas são instáveis à temperatura ambiente, então, um balde de gelo é uma parte essencial de seus aparatos. Ciclos de aquecimento ou de resfriamento são frequentemente envolvidos no experimentos, e talvez a adição de mais algumas ínfimas quantidades de líquidos transparentes. Algumas vezes o procedimentos é feito em uma capela estéril, e todos os aparatos são cuidadosamente limpos com uma solução de álcool. Fazendo este tipo de biologia parece um pouco com mágica devido a importância dos ingredientes – o DNA e as proteínas – que são completamente invisíveis na maioria do tempo. No final, os produtos da reação são analisados. Você poderá separar moléculas de diferentes tamanhos usando um método de alguma forma similar à cromatografia que você aprendeu nas lições de ciência da escola, mas envolvendo químicos tóxicos e eletricidade. Os resultados são então dramaticamente revelados, usualmente em um monitor de computador ou em uma sala escura. Se o processo que eu descrevi parece trabalhoso, é porque certamente o é. Pode levar semanas para se ter um experimento funcionando, e tal despertar é uma parte essencial para a criatividade da ciência. Se você sabe o que está procurando então pode ser estimulante.

Deixe-me explicar algo desta mágica. Os menores componentes da matéria (antes que as coisas começassem a ficar complicadas com as partículas físicas) são os átomos: hidrogênio, oxigênio, carbono, e todos os outros que se encontram na tabela periódica. Reúna os átomos e você terá moléculas. Coisas vivas são feitas de moléculas orgânicas, as quais são feitas de carbono, hidrogênio, oxigênio e um número de outros tipos de átomos. O DNA é um polímero: uma molécula muito longa feita devido à junção de muitas moléculas pequenas. As subunidades de DNA são designadas A, T, C e G. Estas moléculas são reunidas para formar a estrutura de escada do DNA, sendo cada lado feito pela junção de muitos A, T, C e Gs, e fracas ligações químicas como tapetes. Cada tapete conecta A com T, ou um C com G – não tem como formar outros pares. Então, se vocês tem a sequência de um dos lados da escada você pode prever o outro lado. O ovo e o esperma humano contêm cada cerca de 1m de DNA, e quando combinados fazem 2m de DNA que é replicado em cada célula de nossos corpos. Estes 2m são divididos em 46 pedaços, e estes pedaços são enrolados em cromossomos. O conjunto completo de cromossomos para qualquer organismo vivo é chamado “genoma”.

A beleza do formato da escada de DNA é que as fracas ligações químicas podem ser facilmente quebradas para dividir a escada ao meio no sentido do comprimento. Cada lado da escada pode ter um novo lado construído, e portanto, cada lado desta escada resultante contém uma metade nova e outra metade velha. É assim como o DNA é replicado nas células, embora necessite de muitas outras moléculas especializadas para que o processo aconteça. Outra coisa que você pode fazer quando a escada se divide é acessar a informação que esta contém. O DNA não é construído pela adição dos quatro componentes em ordem, ATCG ATCG etc, mas as letras codificam um código. Secções deste código – os genes – são lidos por uma maquinaria celular e os moldes feitos são usados para fazer proteínas. Então por exemplo, ctcgaggggc codifica o início da proteína insulina, e actcttctgg codifica para parte da hemoglobina, a qual é importante nas células vermelhas do sangue.

Esta estrutura de DNA e a fácil disponibilidade de componentes celulares purificados são o que fazem a arte da biologia molecular possíveis. As ferramentas básicas do comércio – os acima mencionados líquidos incolores assustadoramente caros – inclui soluções de A, T, C e G, e uma gama de enzimas. Enzimas são proteínas responsáveis por cortar o DNA ou fazer uma nova cadeia de DNA. Com estes e um número de outros poucos de kits químicos alguém pode cortar o DNA em pontos específicos, extrair as partes você precisa, coloca-los juntos, fazer cópias, e introduzir mutações. Todo este trabalho é feito para compreender como diferentes genes funcionam, porque as doenças ocorrem, e como podemos preveni-las. Por exemplo, você poderia suspeitar que um certo gene está envolvido na progressão de um tipo de câncer em particular. Então para encontrar o que este gene faz você corta de um DNA humano, talvez em partes caso seja uma longa região codificadora. Depois você corta um pedaço do DNA de levedura, insere seu gene de interesse, e retorna o DNA dentro das células de levedura. Com sorte, a levedura começará a fazer sua proteína e você poderá purifica-la e então começar a estuda-la. Se não, você precisará encontrar o que saiu errado e adaptar seu método.

Frequentemente, isolar um gene por completo é muito complicado por isso é uma obra de artesanato real para identificar os verdadeiros pedaços, isolar o gene inteiro em uma série de partes, e remonta-los em bactéria. A biologia molecular pode também ter aplicações médicas mais diretas, como o teste genético ou produção de insulina que eu mencionei anteriormente.

Um dos meus experimentos favoritos em biologia molecular foi realizado por um biólogo suíço chamado Walter Gehring. Ele queria saber o que um gene continha, então ele inseriu este gene dentro do DNA da mosca de fruta, ao lado do regulador de partes corporais (pernas, asas, antenas etc) e o colocou este DNA de volta dentro da mosca das frutas. Quando todos as partes corporais das moscas nascidas destes pais modificados passaram a ter olhos nestas partes, ficou claro para Gehring que o gene que ele tinha interesse (chamado Pax6) era importante para o desenvolvimento dos olhos. Foi um pouco grosseiro, mas este experimento foi vital para ajudar a compreender as bases de doença hereditária no olho.

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Virus drawing, gerard79, http://www.sxc.hu

Os verdadeiros artistas da biologia molecular são os próprios organismos: a bactéria e os vírus que usam seus pequenos genomas ao máximo. Eu ainda me lembro da palestra quando foi explicado para nós que alguns vírus usam seus genomas em todas as três fases de leitura aberta (ORF). Isto provavelmente não terá sentido para a maioria dos leitores, mas apenas imagine que afim de solucionar uma crise de papel um escritor engenhoso decide escrever um livro que contém três diferentes histórias. Cada página do livro contém uma longa cadeia de letras sem nenhum espaço entre elas. A primeira história começa com a primeira letra na primeira página, e o começa de cada palavra subsequente é marcada na página e o começo de cada palavra é marcada com um círculo, assim as palavras são completamente diferentes. A segunda história começa com algumas palavras na página e o começo de cada palavra é marcada com um círculo, então as palavras são completamente diferentes. A terceira história vai mais longe ainda, e as palavras são marcadas com um asterisco. Tal livro poderia ser extremamente difícil de ser lido e virtualmente impossível de ser escrito, especialmente com pontuações que poderiam ser omitidas, mas certamente usaria muito menos papel! O genoma de alguns vírus está escrito de uma modo eficiente e permite que eles empacotem muito DNA dentro de seus pequenos corpos encapsulados. Em comparação aos vírus, o genoma humano parece estar inchado a ponto de explodir, equivalente a um livro que é apenas impresso a cada

três páginas. Existem vantagens à nossa abordagem econômica, mas a história de um vírus eficaz tem me cativado. Os biologistas moleculares obtêm ideias de organismos como este, pegam emprestado suas ferramentas celulares, e são capazes de estudar o mundo natural em um nível de detalhes que nunca tinha sido sonhado a cinquenta anos atrás.