“Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8:22)

O capítulo 8 do livro de Romanos aborda aspectos da realidade da nova criação, por meio da qual o ser humano passa a viver de acordo com o espírito. Para tanto, o apóstolo Paulo deixa claro o estado de sujeição e corrupção em que o mundo se encontra após a queda. Não foram somente as qualidades espirituais e morais do ser humano que caíram depois do pecado, mas a própria terra passou a produzir “cardos e abrolhos” (Gn 3:18). Em outras palavras, o ambiente passou do estado de harmonia para o de desarmonia após a ruptura da relação do ser humano com o Criador.

No livro O mundo perdido de Adão e Eva (Ultimato, 2015), John Walton, com a participação de N. T. Wright, propõe um olhar diferenciado acerca da criação registrada nos dois primeiros capítulos do livro de Gênesis.  A proposta é que a preocupação da narrativa é sobre a criação do ‘lar’ e não da ‘casa’, ou seja, é um relato de origem funcional e não material do planeta.

“É uma questão de qual história contar. Eles [os moradores do mundo antigo] não estavam interessados em como os objetos materiais da casa vieram a existir – Deus os havia feito, e isso era suficiente para eles. De muito mais interesse era como essa casa (o cosmos) havia se tornado um lar para os humanos. Porém, era ainda mais importante como Deus havia feito seu próprio lar. O relato de sete dias sobre as origens em Gênesis é uma ‘história do lar’; não é uma ‘história da casa’. É um tipo diferente de história sobre as origens do que aquela que esperamos em nosso mundo moderno, mas não é difícil entender porque isto deveria ser importante” (p. 42)

Vale pontuar que essa leitura de Walton e Wright não exclui o entendimento de que a criação ex nihilo fora feita pelo Senhor Deus. Entretanto, para eles, este não é o principal conceito do relato de Gênesis, mas foi aprofundado posteriormente em passagens como o Evangelho de S. João, capítulo 1, no Novo Testamento. O que mais importa, neste caso, é demonstrar que a sacralidade do universo advém da presença de Deus. Como um caráter distintivo da revelação de Moisés, em contraste com os deuses do mundo antigo – que habitavam em santuários construídos pelos homens –, “Deus havia feito seu próprio lar”, e este era o mundo inteiro.

Ao contrário do que alguns teóricos modernos têm afirmado, a concepção cristã de queda não leva a distorções ecológicas. Antes, é um convite para que os seres humanos restaurados pela mensagem do Evangelho reivindiquem um projeto de mundo em que fluam a plenitude da vida e da natureza. Para alcançar este ideal, não é necessário ‘contaminar’ a doutrina cristã com crenças paganistas. Em seu livro ‘Uma Breve História das Doutrinas Cristãs’ (Hagnos, 2014), o historiador e teólogo Justo Gonzáles esclarece que a doutrina cristã da criação advém da experiência do culto. “Assim como os antigos hebreus haviam chegado à conclusão de que seu redentor era também o Deus criador de todas as coisas, os cristãos afirmavam que o Deus adorado na Igreja, ao qual confiavam sua salvação, era também o Deus que criara todas as coisas e que vira que eram boas” (p. 49).

Portanto, a compreensão cristã do mundo é que, por ter sido criado por Deus, o mundo é bom. Contudo, a inserção do pecado, sim, corrompeu o mundo, tornando-o cheio de ‘cardos e abrolhos’, de modo que toda a criação geme como uma mulher que está sentindo dores de parto. Esta comparação não indica apenas sofrimento, mas também esperança. Basta lembrar do que nos diz o Evangelho de João, capítulo 16, versículo 21: “Quando uma mulher está para dar à luz, ela fica triste porque chegou a sua hora de sofrer. Mas, depois que a criança nasce, a mulher fica tão alegre, que nem lembra mais do seu sofrimento” (NTLH).

Com a cooperação de cada um de nós, nas mais diversas esferas da vida, é possível construir um mundo melhor, com menos poluição e mais preservação ambiental. As igrejas também possuem um papel importante neste cenário. A terra tem expectativa por uma manifestação dos filhos de Deus neste sentido. É possível e urgente adotar uma prática ético-ambiental. A criação relata como Deus fez seu próprio lar e dividiu-o conosco. A salvação é, também, reconciliar este lar com Deus e com todos nós.

• Jénerson Alves é jornalista, poeta cordelista e membro da Igreja Batista Emanuel em Caruaru-PE.

Leia mais:

» Assim na terra como no céu, Editora Ultimato.

» O cuidado com a criação: Ultimato e meio ambiente

  1. Antonia Leonora van der Meer

    Excelente e profunda reflexão sobre a criação e nosso consequente compromisso e respnsabilidade com o meio ambiente.

    Que possamos como cristãos e como igreja cuidar com amor e cuidado desse lindo lar, com todas as dores presentes.

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