por Barbara Codispoti 

O acesso à terra e seus recursos é vital para o meio de vida das pessoas. Foto: Layton Thompson/Tearfund

Quando começamos a trabalhar com o direito à terra, a primeira coisa que aprendemos é como essa área é difícil e complexa. Logo fica claro que o direito à terra envolve muito mais do que simplesmente encontrar soluções técnicas para dividir a terra. O trabalho em torno do direito à terra consiste em melhorar as regras e normas relacionadas com quem pode acessar, usar e controlar a terra e seus recursos. Trata-se de trabalhar para e com mulheres, homens e comunidades que normalmente têm pouca ou nenhuma voz nessas decisões.

Garantir e proteger o direito à terra das pessoas vulneráveis é essencial para criar uma sociedade justa e próspera. É fundamental para combater a pobreza e a fome nas comunidades rurais, que dependem da terra para sua alimentação. O direito à terra é essencial para enfrentar as desigualdades, proteger o meio ambiente e sustentar a paz.

Quando mulheres e homens podem provar que têm o direito à terra garantido, seu acesso a crédito, empréstimos e serviços de extensão torna-se mais fácil, bem como o acesso a programas como seguros e planos de previdência. As pessoas com posse da terra garantida são mais capazes de investir em suas terras e fazer melhorias. Nas áreas urbanas, o direito à terra é muitas vezes vital para o acesso aos serviços públicos, como a água e o saneamento.

Direitos dos grupos marginalizados

Por todo o mundo, as mulheres possuem menos terra do que os homens. A terra que possuem é de pior qualidade e possui menos segurança jurídica. Apoiar as mulheres na obtenção de acesso a mais terras e direitos de propriedade reconhecidos pode trazer mudanças sociais transformadoras. Quando as mulheres possuem terras, seja individualmente ou conjuntamente com seus maridos, elas usufruem de uma posição diferente em sua família e na sociedade. As pesquisas mostram que as mulheres têm mais probabilidade do que os homens de gastar os rendimentos da terra e de outros recursos na alimentação e na educação dos filhos.

Trabalhar em prol do direito à terra dos povos indígenas e das comunidades também é vital. Grandes quantidades de florestas e pastagens são mantidas e geridas comunitariamente por povos indígenas e comunidades locais. Esses grupos têm habilidades e conhecimentos valiosos para preservar e cuidar de suas terras e recursos naturais. Proteger seus direitos não somente é importante para salvaguardar seus meios de vida e identidades culturais, mas também ajuda a preservar o meio ambiente e combater os efeitos das mudanças climáticas.

Competição, conflito e corrupção

A terra desta pedreira de bauxita, na Serra Leoa, pertencia ao povo da aldeia de Mbonge, mas foi vendida a uma empresa de mineração por meio de um pagamento único. Foto: Jay Butcher/Tearfund

O mundo está passando por uma crise de posse da terra. Isso se deve à crescente competição por terras e recursos naturais. A competição ocorre em todos os níveis: dentro das famílias, dentro da mesma comunidade, entre as comunidades e entre as comunidades e o governo ou investidores privados. Na última década, vimos o crescimento da “apropriação oportunista de terras”, quando elites ou investidores poderosos obtêm terras, muitas vezes a baixo custo e sem a devida consulta ou consentimento. Pessoas sem meios para proteger e reivindicar seu direito à terra são despejadas e deslocadas diariamente para o benefício de poucos. Isso é agravado pelo alto nível de corrupção em muitos governos. A corrupção também pode ser encontrada nas comunidades, onde os líderes tradicionais podem agir egoisticamente para obter ganhos pessoais.

O rompimento das relações entre as pessoas por questões de terra pode facilmente se transformar em conflitos. Sistemas bons e justos para governar a terra e seus recursos são vitais para impedir que essa competição destrua nossas sociedades.

 

 

Trabalho conjunto em prol da mudança

Algo positivo é que, na última década, foram assumidos compromissos internacionais para regular a governança da terra e dos recursos naturais. Proteger o direito à terra dos pequenos agricultores, das comunidades vulneráveis e, particularmente, das mulheres é explicitamente mencionado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Organizações internacionais, nacionais e locais da sociedade civil estão erguendo a voz, desenvolvendo a solidariedade e mobilizando comunidades. Seu objetivo é responsabilizar os governos e atores privados pelo que prometeram fazer no papel. Muitas já estão agindo, mas ainda há muito a ser feito.

O que os indivíduos podem fazer?

A terra é uma questão que envolve relacionamentos entre as pessoas e dentro da sociedade. As ações dos indivíduos podem ter um impacto positivo em longo prazo somente se fizerem parte de esforços conjuntos maiores. Em sua própria capacidade, os indivíduos podem:

  • solicitar informações sobre seu direito à terra e recursos conforme a lei e pesquisar maneiras de resolver litígios;
  • buscar apoio para encontrar a melhor e mais econômica forma de documentar e proteger seus direitos individuais e/ou comunitários (isso poderia envolver entrar em contato com organizações que trabalhem nessa área);
  • uma vez adquiridos esses conhecimentos, educar e mobilizar outros membros da família e da comunidade sobre a necessidade de proteger o direito à terra;
  • enfatizar a importância de incluir todos os membros da comunidade nas decisões.

O que as organizações comunitárias podem fazer?

As organizações comunitárias têm um papel fundamental a desempenhar no que diz respeito a ajudar comunidades e grupos específicos (por exemplo, as mulheres) a se unirem e trabalhar em torno dos problemas relacionados à terra. As organizações comunitárias podem:

  • ajudar as comunidades a educar, mobilizar e se organizarem para agir em torno do direito à terra;
  • coletar informações sobre a situação da posse da terra e os litígios existentes em suas comunidades locais (as organizações precisam de evidências bem documentadas para realizar um trabalho eficaz sobre o direito à terra);
  • preparar-se com as ferramentas e habilidades certas para coletar dados sobre a terra (por exemplo, técnicas de mapeamento participativo);
  • entrar em contato com outras organizações e/ou órgãos governamentais para obter o apoio jurídico e técnico de que necessitam;
  • representar os interesses das comunidades em discussões com potenciais investidores;
  • construir alianças com outras organizações para defender e promover o direito à terra junto aos governos regionais e nacionais.

O que podemos pedir que o nosso governo faça?

Os governos têm o dever de proteger os direitos de seus cidadãos. Podemos pedir ao governo que:

  • desenvolva e aplique políticas e leis de terras que beneficiem as pessoas pobres, entre elas, políticas de redistribuição de terras, bem como de reconhecimento e formalização de direitos consuetudinários e coletivos;
  • desenvolva políticas e leis que beneficiem as mulheres em termos de terras (esses regulamentos devem ser incluídos na legislação de terras, bem como em outras estruturas, tais como as leis de família e herança); promova e aplique programas como a emissão de títulos de terra conjuntos para maridos e esposas, fornecendo incentivos para isso; e que se assegure de que as mulheres sejam incluídas nos órgãos responsáveis por decisões referentes à terra em todos os níveis;
  • garanta que haja um processo aberto e acessível para documentar e registrar o direito à terra e para resolver litígios;
  • e combata a corrupção em torno de questões de terra.

Barbara Codispoti é a Líder Global de Programas de Terra da Oxfam.

*Conteúdo extraído da edição 105 da revista Passo a Passo.

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