De Patativa do Assaré a Amós, o profeta boiadeiro
Por Jénerson Alves
Domingo à tarde eu estava
À sombra de uma mangueira,
Pra descansar da canseira
Enquanto o tempo passava…
Com Seu Zé eu conversava
E me perguntou Seu Zé:
“Pra você, diga quem é
Dos poetas o primeiro?”
Eu respondi bem ligeiro:
“Patativa do Assaré!”
Em seguida, eu expliquei:
“Patativa nasceu pobre,
Mas o seu espirito nobre
Todo tempo admirei.
Ele ficou cego, eu sei,
Mas não deixou de estudar,
De produzir, de sonhar,
Dos sábios trilhou o rastro
E tornou-se um grande astro
Da cultura popular!
Seus versos são como hinos
Clamando em prol da justiça,
Indo contra a injustiça
Que abate os pequeninos…
Os flagelos nordestinos
Nele ganharam canção,
‘Sabiá e Gavião’,
‘Cante Lá que eu Canto Cá’…
E ‘A Triste Partida’ está
Entre os clássicos do Sertão”.
Neste momento, Seu Zé
Me interrompeu velozmente!
Disse: “Verdadeiramente
Patativa do Assaré
Fez um trabalho que é
Importante para nós,
Pois ao pobre deu voz
E deu vez ao oprimido.
Em partes, é parecido
Com tudo o que fez Amós…”
Eu, com cara de pateta,
Nem entendi nem dei fé…
Então, perguntei: “Seu Zé,
Diga de forma completa
Quem foi Amós? Um poeta
Que escrevia cordel?…”
Seu Zé, com olhar fiel,
Disse: “Não era um poeta,
Mas um antigo profeta
Do reinado de Israel.
Um divino mensageiro
Foi este profeta Amós
Que era semelhante a nós,
Pois também era roceiro.
Um profeta boiadeiro
Que falou para a nação
Deixar a corrupção
E andar na justa linha.
Não tinha estudo, mas tinha
A fé no seu coração.
Pois em Israel havia
Que a injustiça assolava
Pois só o rico luxava,
Pois só o pobre sofria…
Violência, carestia,
Crime, permissividade…
Estranha sociedade
Repleta de caos e ira,
Que idolatrava a mentira
E desprezava a verdade.
Então, Amós levantou-se
Sob a ordem do Senhor
Expondo o quadro de horror
Que por ali instalou-se.
A mensagem que ele trouxe
Era pra seguir a lei,
Para ser honesto o rei,
Para a maldade ter fim,
Amós só falava assim:
‘Buscai a Deus e vivei’!”
Escutei admirado
Tamanhas informações
E pensei com meus botões
Que aquele tempo passado
Pode até ser comparado
Com nosso tempo presente.
No Brasil atualmente
Tanta gente rouba, mata,
Estupra, bate, maltrata,
Trai, engana, xinga, mente…
O pobre mais de um mês
Só peleja, mas não rende:
Planta, zela, colhe, vende,
Sem desfrutar do que fez.
Quer ter vez, mas não tem vez,
Quer ter paz, não acha paz…
Tem menos, mas não tem mais,
Come os frutos do fracasso,
Sem ter direito um pedaço
Do pão que o progresso faz.
Contra tantas opressões
E contra tantos dilemas,
Patativa fez poemas,
Já Amós fez pregações…
Eu pensei com meus botões:
Não posso ficar de graça!
Vou lutar por minha raça
E, após orar, intranquilo,
Falei: “Vou fazer aquilo
Que o Senhor quer que eu faça!”
Eu não quero me curvar
Aos desmandos do poder,
Mas quero apenas fazer
O que meu Deus me mandar.
Vou ser honesto e falar
Tudo o quanto a Bíblia diz,
Pois ao lado dos senis,
Dos órfãos e das crianças,
Verei raios de esperanças
Brilhando no meu país.
• Jénerson Alves é jornalista, membro da Igreja Batista Emanuel em Caruaru (PE) e presidente da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel (ACLC).