Por Bebeto Araújo

Nasci em Recife, numa família tradicionalmente católica e sempre estudei em colégios com esta mesma orientação de fé. Muito do que aprendi na infância se diluiu na adolescência por escolhas erradas que fiz. Não encontrava na religião respostas para algumas inquietações interiores e também não via conexão alguma da “fé do domingo” com a minha vida no restante da semana.

Existia dentro de mim um inconformismo com a injustiça social e a opressão em nosso país. Em meados da década de 1980, entrei pela primeira vez na universidade e, de cara, me engajei no movimento estudantil, que tinha causas concretas de luta que poderiam “matar aquela fome interior” – as principais bandeiras eram a oposição ao regime militar e as eleições diretas para presidente!

A luta por “liberdade” (sem limites!) tornou-se uma obsessão! Justificava todos os meus atos inconsequentes com a frase: “eu nasci para ser livre!”. Até o dia em que uma adolescente me confrontou e disse, “você pensa que é livre…”. E, com muita convicção, paixão e firmeza, começou a me falar de Deus, de uma maneira não-religiosa! Apresentou-me uma perspectiva diametralmente oposta a que eu conhecia. Em síntese, a ideia era essa: “a fé cristã não é sobre o que você faz, é sobre o que Deus fez por você!”.

A garota me deu uma Bíblia de presente e eu a li por oito meses, até ser encontrado (isso mesmo, quem está perdido é encontrado!) com o trecho do Evangelho de João onde Jesus afirma que “todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). No versículo 32 ele diz: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Essas palavras saltaram das páginas do Livro diretamente para o meu coração. Aquilo não era como “um bálsamo”, mas com “uma bomba”, me desmontou. Lembro que caí de joelhos e falei “eu não te conheço, mas eu nasci para ser livre e se para ser livre tem que andar contigo, eu quero, me ajude, por favor!”.

Isso aconteceu em janeiro de 1987, a minha vida ganhou um novo significado e propósito. Integrei-me em uma igreja local e ali aprendi que a fé é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, ela se desenvolve num ambiente comunitário. Tive a oportunidade de crescer no conhecimento das Escrituras, de aprender a depender do Espírito Santo e de servir ao próximo. Queria partilhar a fé com todos, mas eu tinha “uma quedinha” por aqueles que viviam à margem da sociedade. Paralelamente aos meus estudos no curso de engenharia e depois na pós-graduação, me engajei em iniciativas que tinham como propósito proclamar e demonstrar o amor de Deus por meninos em situação de rua, presidiários e famílias que viviam em favelas na cidade do Recife.

A partir de uma convicção interior e do discernimento do corpo de Cristo local, passei a considerar a possibilidade de dedicar-me integralmente ao ministério. A igreja me enviou para estudar Missiologia por dois anos no Centro Evangélico de Missões (CEM). Foi um tempo incrível! Aprendi, entre tantas outras coisas, que era preciso equilibrar o meu senso de urgência com preparo acadêmico, mas também que não bastava ter conhecimento, era necessário desenvolver um caráter coerente com o de um discípulo de Jesus de Nazaré.

Como o “campo de missões” é o mundo, Deus pode nos deslocar para qualquer lugar, conforme a Sua soberana vontade. Assim, antes de saber “para onde eu poderia ir”, precisava ter clareza sobre “o que eu iria fazer”. Ou seja, em que área específica Deus estava me chamando para atuar. A direção foi a de viver numa comunidade empobrecida e dedicar-me a um ministério voltado para o desenvolvimento integral das famílias, criando oportunidades para que as pessoas pudessem superar a pobreza e também conhecer e caminhar na direção das intenções de Deus para suas vidas.

Namorava a Suely, recebemos um convite para trabalhar numa pequena, pobre e desafiadora cidade no Paraná. Casamos e, dezoito dias depois, mudamos para Itaperuçu na região metropolitana de Curitiba. Mergulhamos na vida da comunidade e vivemos quinze anos intensos, muitas lutas, mas também muitas alegrias por ver as transformações que o Evangelho pode produzir na vida das pessoas e do lugar onde elas vivem! Por que essa caminhada tem sido tão fascinante? Porque o melhor lugar para vivermos é no centro da vontade de Deus!

Bebeto Araújo, 53 anos, diretor nacional da Missão Aliança Noruega, organização missionária diaconal que atua em nove países e tem sua sede em Oslo, estudou Missiologia no Centro Evangélico de Missões, é graduado em Engenharia Florestal e pós-graduado em Conservação de Solos.

 

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  1. Dhalila Miranda

    lindo testemunho. Fortalece a minha fé e me impulsiona a querer ir mais além.

  2. Esse é meu ídolo. Parabéns Bebeto pelo seu trabalho e exemplo de como podemos mudar esse mundo pela renovação do nosso entendimento. Abração meu amigo

  3. Leslie Amorim

    Tenho o privilegio de conhecer o Bebeto e sua linda esposa , nossa comunidade foi impactada pelo seu testemunho e fomos contagiados pelo termo Missão integral, deste encontro inicial lá na Vila Mariana , nasceu o Nadi uma ong de nossa comunidade – o CCA, o CRI entre outros projetos, certa vez em uma das conversas sobre minhas decisões profissionais e estar inserido na vontade de Deus ele me contou a historia do Sapateiro que queria servir, mas só sabia fazer sapatos e conserta-los e que Lutero o fez entender como sapateiros são importantes no Reino, foi atraves de uma conversa que decide organizar a primeira oficina de Redação para o Enem, e muitas ações estão saindo do forno. Deus abençoe ricamente sua família e até ano que vem porque um filho amado sempre retorna onde se sente em casa.

  4. Marcia Candido

    Maravilhoso testemunho de vida e missão, que tem me deixado cada vez mais apaixonada pelo evangelho de Jesus. Deus o abençoe grandemente.

  5. Sempre bom ler sobre sua conversão, Bebeto. Impossível ler esse texto sem me lembrar de ficar parado ouvindo você me contar pessoalmente essa história. Minha esposa e eu fomos e continuamos sendo profundamente impactados por aquilo que Deus tem feito através de você e Suely. Os amamos muito. Que Deus continue se movendo através de vocês.

  6. Tenho uma lembrança de um tempo vivido em CDU – Recife e num bairro próximo, acho que o projeto chamava – se MOTIVAR.

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