Quem deveria sustentar financeiramente missionários no sertão?
Por Ildemar Nunes de Mereiros
A questão econômica no Nordeste, e mais ainda a do sertão, constitui-se um grande desafio à obra missionária, porque tanto os que forem enviados aos interiores mais carentes, como aqueles que se comprometerem com o envio, devem estar conscientes de que irão investir financeiramente no sustento do obreiro, nas atividades a serem realizadas, na construção de templos, muitas vezes por tempo indeterminado. Esta questão é tão cruel que muitos missionários são sustentados por igrejas e instituições de outras regiões do Brasil e não do próprio Nordeste. É claro que há grandes igrejas nordestinas, com excelentes condições financeiras para abrir novas igrejas na região, porém nem sempre isso ocorre, devido à mentalidade capitalista que, de forma sutil, às vezes inconsciente, subjaz ao ato de apoiar alguém financeiramente com a expectativa de um retorno financeiro, fruto do pretenso investimento. Sérgio Ribeiro afirma:
Em muitas denominações, o obreiro do interior ganha menos que o da cidade grande, sem que o custo de vida justifique tal fato. Precisamos, como igreja nordestina particularmente, encarar o fato de que temos discriminado aqueles que nós mesmos enviamos para os sertões. [1]
Embora o desafio primário dos missionários seja o mesmo que o Senhor Jesus confiou a Paulo, para lhes abrir os olhos e convertê-los das trevas para luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles a remissão de pecados e herança entre os que são santificados, pela fé em mim (At. 26.18), este também se constitui no enfrentamento de questões pessoais de ordem financeira, econômica, no que diz respeito tanto ao seu envio como ao seu sustento, e na manutenção do trabalho que ele desenvolverá. Paulo, entre os Coríntios, passara por tal situação:
Cometi eu, porventura, algum pecado pelo fato de viver humildemente para que fosseis vós exaltados, visto que gratuitamente vos anunciei o Evangelho de Deus? Despojei outras igrejas, recebendo salário, para vos poder servir e, estando entre vós, ao passar privações, não me fiz pesado a ninguém; pois os irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram o que me faltava; e em tudo me guardei, e me guardarei de vos ser pesado. (II Co. 11.7-9)
A forma verbal “despojei”, no grego, é a palavra sylaô que significa literalmente roubar, saquear, pilhar. Ou seja, durante o período em que estivera pregando para os Coríntios, o sustento de Paulo viera de outras igrejas quando, na realidade, deveria ter vindo da parte dos próprios Coríntios. Eles foram negligentes. Daí, Paulo anunciara-lhes o Evangelho gratuitamente, isto é, sem salário; e, a fim de que esta atitude negativa não prejudicasse a proclamação das boas novas, ele não foi pesado (veja as expressões que Paulo usa: “não me fiz pesado a ninguém”, “me guardarei de vos ser pesado”). Infelizmente essa situação que ocorreu com Paulo é hoje muito mais comum na vida dos missionários do que pensamos. Mais triste ainda: a atitude negligente de muitas igrejas, em relação aos que se encontram no campo missionário, perpetua-se até hoje.
Pessoalmente, conheço alguns missionários no Nordeste que, devido à mentalidade capitalista presente em muitas igrejas, ministérios e lideranças, deixaram de receber o sustento financeiro por não darem “resultado” – na realidade, uma espécie de lucro em cima daquilo que foi investido na sua vida, isto é, o seu próprio sustento. Infelizmente, são raríssimos os exemplos de cristãos e igrejas evangélicas no Brasil que, por um período longo, tenham participado do sustento de missionários, diferente do que temos visto com relação ao sustento de missionários estrangeiros, os quais são praticamente sustentados durante toda a vida. A questão não é apenas a falta de dinheiro, mas, sim, a falta de consciência de que a ordem de Jesus: Buscai, pois, em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas (Mt. 6.33) deve estar no topo de toda e qualquer prioridade em nossa vida. Nada, absolutamente, é mais importante do que o seu reino, domínio ou governo. Por isso mesmo, Jesus orou e nos ensinou a orar assim: Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mt. 6.10). Não tenho dúvida de que investir financeiramente na obra missionária e no sustento de missionários faz parte daquelas atitudes que revelam que estamos tomados pelo intenso desejo da vinda do reino de Deus.
Na verdade, a questão mais séria neste sentido não é o dinheiro em si, mas o coração dos servos de Deus: Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (Mt. 6.21). É no coração onde as decisões mais importantes da vida são tomadas e é nele que guardamos aquilo que mais amamos. É no coração que decidimos aonde vamos aplicar o nosso dinheiro. Dentre as parábolas, encontramos aquela cuja lição é o valor inigualável do reino, pelo qual se dá tudo, tudo mesmo, a fim de adquiri-lo: O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo (Mt. 13.44). Investir na obra missionária e nos missionários nas partes mais carentes do Nordeste é antes de tudo abrir o coração e doá-lo, por inteiro, para que outros que já ofertaram a própria vida possam doar-se mais e mais, em prol daqueles que ainda estão fora do reino, mortos espiritualmente.
Qual a fonte de recursos financeiros de uma agência missionária? Pessoas que voluntariamente ofertam, periodicamente, a cada mês, a cada ano. É com essas ofertas que são cobertas a maior parte do sustento dos obreiros e das despesas administrativas. Algumas igrejas também contribuem, normalmente, com o sustento deste ou daquele obreiro, especificamente. Entretanto, ainda há aqueles que gostariam de estar no campo missionário nordestino, mas são impedidos pela escassez de recursos.
Se você pensa que já foi dito bastante sobre a situação econômica do sertão nordestino e da obra missionária, leia o relato a seguir e reflita:[2]
O dízimo foi um galo vivo
Um fato dramático que espelha bem a difícil realidade econômica sertaneja ocorreu na cidade de Itaporanga, sertão paraibano, a 415 km da capital. O pastor Gildário Júlio Neves tinha um programa semanal numa estação da rádio local, através do qual alcançava cerca de 50 mil pessoas com a mensagem do Evangelho, no Vale do Piancó, principalmente na zona rural, onde o rádio ainda é um expressivo meio de comunicação. Embora o custo do programa fosse apenas 50 reais mensais, pastor Gildário já estava atrasado três meses e prestes a cancelar o contrato. Porém, a irmã Lourdes, do povoado de Capim Grosso, ao tomar conhecimento daquela realidade financeira e consciente da relevância do programa na evangelização e edificação das pessoas, e não tendo dinheiro para ajudar, resolveu dar o melhor que tinha, o melhor galo do seu terreiro, aquele que era o reprodutor! Gildário, então, resolveu fazer uma rifa com o galo para levantar o dinheiro de que precisava.
Pastor Pedro Luis, na época diretor do Seminário Sertanejo em Itaporanga, sensibilizado, colocou na internet o fato, o que mobilizou várias igrejas e pessoas no Brasil para contribuírem. Dentre esses, o Pr. Jeremias Pereira, da Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, que assumiu o pagamento do programa durante dois anos e, por onde pregava, dentro e fora do Brasil, narrava a história do galo. Ao fazer isto em Toronto (Canadá), duas jovens ofertaram cerca de 800 reais, não para o programa na rádio, mas para a irmã Lourdes, que havia doado o galo. Ela nunca vira tanto dinheiro em sua vida! Ao pregar em Nova Iorque (EUA), a igreja quebrantada ofertou, desta vez não para o pastor Gildário ou para a manutenção do programa, mas para fosse comprado um sítio para a irmã Lourdes e para que nele se construísse uma casa para ela e sua família!
Essa atitude da irmã Lourdes, no relato acima, assemelha-se com a oferta da viúva pobre, narrada no Evangelho de Marcos:
Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias. Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes a um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento. (Mc. 12.41-44)
Tanto a narrativa bíblica quanto a história de vida da irmã Lourdes nos ensinam pelo menos três verdades: a primeira, ninguém é tão pobre que não possa ofertar para Deus; a segunda, o verdadeiro valor de uma oferta está no sacrifício que ela envolve, e por último, a nossa fé não deve ser apenas para receber, mas igualmente para dar.
Nota: Texto retirado do livro Missionários Para o Sertão Nordestino.
[1] O Nordeste às claras. Revista Ultimato, nº 248, setembro de 1997, p. 22.
[2] SILVA, Pedro Luis da. O melhor para Deus. Revista Todos Nós, Ano 4, nº 1, p. 3-5.
EDUARDO
Acabou por não responder a questão que levantou.
EDUARDO
Por que estrangeiro e não nacional?
Porque tradição de sustento permanente (durante uns 5 a 10 anos) é algo que não faz parte da espinha dorsal da igreja nacional, qualquer que seja a força, vigor ou sentido desta expressão.
Grandes missões são coisas para americanos e europeus.