Nos últimos anos, muitos esforços têm sido empreendidos para levar o evangelho a povos indígenas ainda não-alcançados, dentro do Brasil. Um exemplo é o ministério Janela Verde, fundado pelo pastor sul-coreano Joshua Hyontaek Chang. Ele nasceu em um lar cristão, mas se converteu apenas aos 17 anos, na Bolívia. O chamado para a obra missionária surgiu a partir de um clamor que ouviu de um líder Terena, no Mato Grosso do Sul, e atualmente desenvolve um vasto trabalho junto aos povos indígenas, por meio do Ministério Janela Verde e do Conplei.

Em entrevista recente publicada no site da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, o pastor Joshua fala um pouco sobre sua trajetória, os desafios para evangelização dos povos indígenas e como a igreja brasileira pode contribuir para que o evangelho chegue a estes povos. Confira:

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JMN – Como foi sua conversão?

Pr. Joshua – Eu nasci numa família cristã na Coréia do Sul. Meus pais eram cristãos perseguidos durante a guerra da Coréia e tiveram que fugir para o Sul durante a divisão. Embora nascido num berço cristão, eu não tinha entregue minha vida para Jesus até uns três meses antes de completar meus 18 anos, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Foi num retiro das Igrejas Batistas da Bolívia com participação de várias igrejas internacionais. Eu não havia ido para participar, mas Deus foi trabalhando em mim até que finalmente, na última noite, eu entreguei minha vida para Jesus. Isto foi em 1982 antes de mudar-nos para o Brasil.

JMN – O que o levou a sair da Ásia e vir trabalhar no Brasil e Estados Unidos?

Como disse anteriormente, nasci na Coreia do Sul, mas meus pais decidiram imigrar para Bolívia em 1973. Depois que minha mãe faleceu em 1979, meu pai veio para o Brasil, para casar-se novamente em 1982. Moramos em São Paulo até 1989, quando mudamos para os Estados Unidos, onde fui ao seminário e me tornei pastor, trabalhando nas igrejas coreanas na costa leste (Nova lorque e Pensilvânia). Na época, não havia entendido o plano de Deus, mas, ao passar do tempo, percebi que Ele não comete erros como nós. Todo o tempo passado nos países da América do Sul foi um tempo de preparo “transcultural” para que, no futuro, eu pudesse trabalhar com maior naturalidade transcultural. Fomos enviados por nossa igreja (Igreja Coreana Central de Nova lorque) em 2001, como missionários para o Brasil, inicialmente entre o povo Terena no Mato Grosso do Sul.

JMN – Como foi a sua decisão para trabalhar entre os povos não alcançados?

Quando sentimos que Deus estava nos chamando para vir ao Brasil como missionários, pensamos em trabalhar com jovens em São Paulo, pois antes de vir ao Brasil, estava fortemente envolvido em ministério de jovens, servindo como pastor de jovens por quase 13 anos, mas Deus tinha outros planos. (Isaías 55:8). A “ordem” veio na aldeia Terena de Buriti, onde recentemente foi celebrado o 8º Congresso nacional do CONPLEI. Estávamos visitando um missionário daquela região e havíamos sido instruídos para não perguntar quais eram suas necessidades, pois muitos ficavam dependentes e queriam coisas “dos brancos”. Cometi um erro grave, acabei perguntando a pergunta proibida: “O que vocês precisam mais?”. O clima ficou tenso. Olhava para o missionário e para minha esposa… mas, para nossa surpresa, o pastor não respondeu pedindo minha câmera digital, nem dinheiro para consertar o teto da igreja, mas ele falou que “o que nós realmente precisamos é que nos ensinem a Palavra de Deus!”. Nesse momento, eu não estava ouvindo com meus ouvidos, mas sim com meu coração. Depois que voltamos ao hotel onde nos hospedamos, eu contei cuidadosamente para minha esposa, pois ela não entendia português naquela época e não sabia como explicar para ela que iriamos trabalhar com os índios. A resposta dela foi o nosso chamado! Ela disse, eu também ouvi! Decidimos, então, que viríamos ao Brasil no mesmo ano, 2001, como missionários para trabalhar com indígenas no Brasil com base em Campo Grande. Frequentamos a Primeira Igreja Batista de Campo Grande e apoiamos no seminário STBOB e IBCB da UNIEDAS. Hoje trabalho com CONPLEI, sendo um assessor para a diretoria e apoio também a Rede Transamazônica de líderes indígenas da Amazônia.

JMN – Onde é e como surgiu a Janela Verde?

Consideramos a Janela Verde toda área da floresta tropical do mundo. Geograficamente está entre o trópico do câncer ao norte e o trópico de capricórnio ao sul da linha do Equador. Mais precisamente fica a 23.5 graus norte e sul da linha do Equador. Esta área é verde, portanto o nome Janela Verde ou em inglês, The Green Window. A primeira ideia surgiu em 2007, durante uma conferência missionaria que seria voltada aos indígenas, mas também falaram bastante sobre a janela 10/40. Um dos diretores do CONPLEI, Eli Ticuna, que estava participando, comentou com frustração que as igrejas brasileiras estavam mais concentradas em mandar missionários para fora do pais, do que trabalhar entre os povos tribais na Amazônia. Este pensamento não saiu da minha cabeça. Comecei a pesquisar e, quanto mais procurava, percebi que havia pouca informação disponível sobre povos tribais no mundo, especialmente tratando-se de povos com pouca população. Em Julho de 2012, na conferência nacional do CONPLEI, foi feito o lançamento da visão da Janela Verde. Em 2014, foi formado oficialmente a organização “The Green Window Ministries” na Florida, Estados Unidos, com registro oficial e reconhecido pelo governo.

JMN – Como está o avanço do evangelho entre os indígenas do Brasil?

Quando comecei a trabalhar com os povos indígenas em 2001, eu usava muito as estatísticas de Paulo Botrel e da SEPAL que eram disponibilizadas para a igreja Brasileira. Na época do 4º Congresso Nacional do CONPLEI, 2004, em Dourados, eram 241 tribos diferentes no Brasil e, mais ou menos, 92 sem presença missionária evangélica. A nova estatística levantada pela equipe do DAI-AMTB mostra que entre ressurgidos e supostamente extintos somam 341 tribos diferentes e, pelo menos, 102 sem evangelho. Na região amazônica, incluindo Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai, pode se chegar até 200 tribos indígenas sem presença da igreja evangélica. Estima-se que serão necessários pelo menos 500 novos missionários para começar a chegar a todas as tribos do Brasil, há também um grande mover entre a juventude indígena que com certeza irá suprir esta demanda através de projetos como o do CONPLEI Jovem que tem incentivado os jovens indígenas com o paradigma da “terceira onda” missionária: índios evangelizando índios.

JMN – Conte-nos um pouco do trabalho que você realiza dentro da “Janela Verde”.

Atualmente sou o presidente e diretor executivo do ministério Janela Verde que fundamos em 2014, juntamente com Steve Saint. Estamos trabalhando na mobilização da visão para que as igrejas possam saber da necessidade de alcançar todos os povos tribais do mundo “verde”. O nosso lema é “conectar o corpo de Cristo onde há igrejas, para levantar o corpo de Cristo onde não há igrejas”. Independente de denominação ou organização missionária cremos que devemos nos unir para que o mundo saiba quem Jesus é, especialmente aqueles que se encontram nas selvas tropicais e não tiveram a oportunidade de ouvir que Jesus já veio para salvá-los enquanto muitos de nós estamos aguardando a sua segunda vinda.

JMN – Em quais países já esteve a serviço da “Janela Verde”? Qual o impactou mais?

Já estive em todos os países da América do Sul onde têm florestas tropicais. Atualmente são seis países que têm suas redes indígenas, faltando ainda a Venezuela e as Guianas. O CONPLEI, com seu modelo de trabalho de “três ondas missionárias” tem ajudado os irmãos indígenas dos outros países da bacia amazônica e terras baixas a se unirem com o propósito de alcançar os não alcançados dos seus respectivos países. O movimento impactou não somente os países amazônicos, mas fora deles também. Tenho visitado o sudeste asiático e África, compartilhando a visão da “Janela Verde” e o mais impactante foi ver que nestes países já há um movimento interno das igrejas indígenas enviando seus próprios missionários para outras etnias que não são alcançados, sem depender da ajuda externa, seja ela financeira ou humana. Por exemplo, na Nigéria, o NEMA (Nigéria Evangélical Mission Association) que seria como um AMTB do Brasil, tem enviado mais de oito mil missionários para o mundo Islâmico, sem nenhuma ajuda financeira externa, somente na base da fé e providência. Nas Filipinas, a tribo que, antes do evangelho, eram caçadores de cabeças agora estão enviando seus próprios missionários aos povos mais excluídos das Filipinas. Hoje, esta tribo envia mais de 20 missionários.

JMN – O que, organizações missionárias como a JMN, podem fazer para contribuir ainda mais com a difusão do evangelho entre os povos não alcançados da Janela Verde?

A resposta é bem simples: Devemos mobilizar as igrejas dentro de suas denominações para: Levantar obreiros para a seara, levantar recursos para enviar e trabalhar juntos! Se cada organização no seu lugar, onde Deus os têm colocado fizer a sua parte, veremos a tarefa de alcançar todos os povos acabado para que assim venha o fim, como Jesus disse em Mateus 24:14: “e este evangelho do reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações e então virá o fim”. A visão da Janela Verde não é minha nem de alguma igreja ou denominação, mas deve ser de todo o corpo de Cristo. Assim como a Janela 10/40, vamos conscientizar o corpo de Cristo onde há igreja, para levantar o corpo de Cristo onde ainda não há igrejas… até o último dos últimos!

JMN – Gostaria de deixar alguma mensagem para os cristãos brasileiros?

Queridos, a igreja brasileira se tornou uma igreja missionaria e, hoje, estamos enviando mais missionários transculturais do que a Coreia do Sul! Sim! As estatísticas e estudos feitos pela Gordon Conwell mostram que o Brasil enviou mais de 32.000 missionários transculturais. Isso demonstra um grande potencial missionário, mas, ao mesmo tempo, levanta uma preocupação que não se pode passar despercebido. Estamos enviando missionário onde já existem igrejas! Existem no mundo mais de 16.000 etnias diferentes e entre elas pelo menos 7.000 não tem igrejas. Destas 7.000 nações, 2.200 são nações tribais que vivem na selva tropical do mundo, onde o acesso é mais difícil. Se queremos obedecer a grande comissão de Jesus, ir a todas as nações até que todas elas ouçam o evangelho pregado e testemunhado para fazer nelas discípulos, precisamos nos esforçar e concentrar nossas estratégias rompendo territorialismo denominacional, competição entre missionários e agendas missionarias, duplicação de projetos em campos missionários e levar o evangelho puro de Jesus de uma maneira simples e contextualizada trabalhando em união… Quando formos um, o mundo (todas as etnias) verá que somos discípulos de Jesus (Joao 17). Vamos, amada igreja Brasileira! Deus fez do Brasil um pais multicultural e transcultural para que nos últimos dias sirva como um celeiro de missionários para todas as nações. Brasileiro é bem-vindo em quase todos os países de mundo e não podemos deixar esta grande oportunidade passar diante de nos.

JMN – Como a parceria entre Missões Nacionais e o Ministério Janela Verde tem auxiliado na expansão do evangelho na Amazônia?

Se de alguma maneira o ministério da janela Verde tem avançado é porque relacionamentos fundamentais são estabelecidos ao longo do caminho. Quero destacar que, embora a parceria entre a JMN e o ministério da “Janela Verde” seja de maneira informal e casual, o impacto no mundo missiológico é de suma importância, pois envolve participantes chaves de todas as ondas missionárias. Foi assim que eu conheci o pastor Valdir Soares e o Victor, analista de projetos; participando nos eventos envolvendo as três ondas missionárias como o CONPLEI e a ALTECO (Amazon and Lowland Tribal Empowerment Coalition) acrônimo em inglês que significa Aliança para Empoderamento dos Povos Tribais da Amazônia e Terras Baixas.

Creio que a JMN, na pessoa do pastor Valdir, tem representado muito bem a Igreja Batista Brasileira, que embarcou nesta “nova visão” de escutar mais antes de agir. Tenho certeza que Deus tem feito muitas coisas a partir destes encontros. Um grande resultado é sem dúvida alguma, a formação do departamento de assuntos indígenas dentro da JMN que, embora trabalhando entre povos indígenas no Brasil há muito tempo, não tinha na estrutura um espaço dedicado exclusivamente ao campo indígena. Louvo a Deus por pessoas como Victor que, juntamente ao pastor Valdir, e outros, estão abertos para “juntar-se” nas diferenças para que somente o Reino do Senhor avance no campo.

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Entrevista publicada originalmente no site da Junta de Missões Nacionais (JMN) da Convenção Batista Brasileira (CBB).                                 

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