Proclamação, serviço e transformação de culturas
O que os missionários podem aprender com Estevão sobre proclamação, serviço e transformação de culturas?
Por Héber Negrão
Um dos nomes mais conhecidos do início da história da igreja no Novo Testamento é o de Estevão. Ele foi um dos sete diáconos helenistas escolhidos pelos apóstolos para atender as necessidades sociais que igreja de Jerusalém estava passando. Podemos ler sua história no capítulo 6 de Atos dos Apóstolos.
É interessante ver o paralelo que existe entre a vida deste diácono e o de muitos missionários. Quero destacar inicialmente um padrão de vida de Estevão que todos os cristãos deveriam seguir, principalmente missionários que muitas vezes são os únicos cristãos onde vivem.
Em diversos versículos deste capítulo nós vemos Estevão como uma figura de Plenitude. Ele era cheio do Espírito Santo (v.5), cheio de fé (v.5), cheio de graça e de poder (v.8) e cheio de sabedoria (vv.3,10). Além do seu significado natural o termo “cheio”, nas Escrituras, também pode ser interpretado como “controlado por”. Não há dúvidas de que Estevão era completamente controlado pelo Espírito Santo. O resultado disso é que ele recebeu poder para operar milagres que até o momento apenas os apóstolos haviam realizado (At 2.43; 5.12, 6.8). As palavras de sabedoria que Estevão usou em seu sermão (At 7) também foram resultado desta plenitude do Espírito.
Sem dúvida estas características são requisitos obrigatórios de todos os cristãos. No entanto, aqueles obreiros que trabalham em tempo integral em um campo missionário precisam ter a mesma vida de plenitude que Estevão tinha. A opressão espiritual que missionários enfrentam é grande, eles precisam ser cheio do poder de Deus para agir como seu representante até mesmo em lugares onde ele nunca foi anunciado. Sabedoria do alto é imprescindível para o missionário saber lidar com questões culturais complexas e saber como trata-las levando em consideração tão somente o ensino bíblico e não sua própria cultura. Ser cheio de fé é um fator importante para o missionário conduzir seu trabalho sabendo que suas necessidades básicas serão providas, mesmo que o sustento financeiro mensal não esteja completo. Fé é imprescindível para que o missionário descanse no Senhor sabendo que Ele é quem vai cuidar de sua família em lugares ermos e sem acesso à assistência básica de saúde.
Outra característica que os missionários devem imitar de Estevão é a sua facilidade de trabalhar em diferentes áreas do ministério. Vemos que Estevão foi escolhido pelos apóstolos para servir às mesas das viúvas gregas que estavam sendo negligenciadas na assistência diária (vv.1-3). No entanto quando foi necessário que ele apresentasse uma defesa do evangelho ele o fez com grande sabedoria (At 7). Apesar de o texto deixar claro que a pregação das Escrituras não era sua principal função na Igreja de Jerusalém, Estevão estava preparado para isso.
Gosto da importância equivalente que Christopher Wright dá para estas duas funções. Ele explica que o termo usado para o “ministério da Palavra” e para o “servir às mesas” é exatamente o mesmo: diakonia. “As duas coisas eram ministérios da igreja, e ambas eram bastante importantes e precisavam de pessoas cheias do Espírito Santo”[1]. John Stott complementa essa explicação dizendo que “a única diferença entre eles está na forma que o ministério tem, exigindo dons diferentes e chamados diferentes”[2]. Qualquer interpretação que sugira que a primazia da pregação sobre o serviço, para Wrigth, é distorção do texto.
Portanto os obreiros cristãos devem estar aptos não somente a trabalharem no ministério do querigma, da proclamação verbal do evangelho, mas também no ministério da diaconia, no serviço ao homem entendendo que ambos os ministérios são de igual importância para o Reino.
No decorrer do texto percebemos que as semelhanças existentes entre Estevão e os missionários não se limita apenas a características positivas. Servos do Senhor espalhados em todos os lugares do mundo passam por problemas semelhantes aos que Estevão enfrentou em seus dias.
Ao perceber que não poderiam vencer Estevão em um debate sadio, seus opositores lançaram mão de artifícios enganosos e passaram a levantar falso testemunho contra ele (vv.11-13). Não são poucos os missionários que tem enfrentado esta mesma situação em seus locais de trabalho. As infelizes semelhanças não param por aí.
A máxima “os missionários destroem a cultura de um povo” não é novidade apenas dos dias de hoje. Estevão foi obrigado a ouvir que a sua pregação iria “mudará os costumes que Moisés nos legou.” (v.14). Eu mesmo já ouvi de acadêmicos e magistrados diversas críticas como essas em relação ao trabalho que desenvolvemos em nosso ministério. Os argumentos usados para refutar tais pessoas facilmente encheriam as páginas de outro texto apropriado para este fim.
É bem conhecido no Brasil o trabalho de missionários envolvidos na luta contra elementos da cultura indígena, como o infanticídio, que vão contra o direito à vida. Não é surpresa dizer que eles têm sido duramente confrontados por membros da academia e de órgãos governamentais. A verdade é que, em prol de suas pesquisas, estes mesmos acadêmicos lançam mão de recursos que afetam e contribuem para a destruição da cultura do povo estudado.
Don Richardson em seu artigo “Missionários Destroem as Culturas?”[3] defende a tese de que a destruição de uma cultura nativa acontece com o contato com a cultura envolvente, muito antes que missionários pisem naqueles lugares. Foi assim com os mercadores de escravos árabes na África antes de David Livingstone chegar para lutar contra isso.
Todas as culturas sentem a necessidade de um envolvimento correto com o sobrenatural. Todos se esforçam em vão para alcançar o equilíbrio perfeito e o relacionamento ideal com a deidade. Através de vários exemplos Don Richardson mostra que o Evangelho atua como um catalizador para que este relacionamento perfeito seja alcançado. Este era o cerne da pregação de Estevão (At 7) quando apresentou Jesus Cristo, o Justo, como a resposta para as práticas culturais que há séculos os israelitas usavam para conseguir o favor de Jeová. A acusação de Estevão foi dura, chamando os israelitas de incircuncisos de coração por não compreenderem a revelação do Messias, do próprio Deus em carne.
O nome de Estevão significa “coroa de vitória”. Sem dúvida ele tinha isso em mente, imaginando-a em sua cabeça enquanto era alvejado incessantemente com enormes pedras. Ele seria recebido pelo Filho do Homem em pé à destra de Deus e seria por ele recompensado. Esta mesma coroa iremos herdar depois de suportarmos as provações com perseverança. (Tg 1.12; 1 Pe 5.4).
[1] A Missão do Povo de Deus (Christopher Wright), p. 256.
[2] A Mensagem de Atos (John Stott), p. 135.
[3] Missionários Destroem as Culturas? (Don Richardson) em Perspectivas no Movimento Cristão Mundial, pp. 485-494
• Héber Negrão é paraense, tem 33 anos, mestre em Etnomusicologia e casado com Sophia. Ambos são missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB)e da Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM). Residem em Paragominas (PA) e trabalham com o povo Tembé.
Gérson Reis
Belo texto professor!!! Sempre bom acompanhar seus artigos. Deus abençoe muito!!!
Héber Negrão
Valeu Gérson. Deus te abençoe também!
Liziane Cibele
Sensancional!Tenho estudo muito sobre missões, pois o Senhor está me preparando e me deparar com textos assim é de grande valia!
Héber Negrão
Feliz em poder ajudá-la Liziane!
Deus te abençoe.
Nádia Reis
Parabens amigo… que otima descrição… da vida de Estevão. Muito bom mesmo!