P10_21_09_15_serviço_amor_blogPor Héber Negrão

Iniciei o texto anterior mostrando que o nosso serviço é a demonstração prática e eficaz do Evangelho em contextos onde há impedimento da sua proclamação. Dando sequência à serie “Serviço e Missão”, neste último artigo quero mostrar que o nosso serviço cristão deve ser uma demonstração do amor de Deus.

No livro “A Missão Cristã no Mundo Moderno”, John Stott dialoga muito bem entre a Grande Comissão e o Grande Mandamento. Segundo ele, nós priorizamos a Grande Comissão, talvez por esta ter sido a última mensagem que Jesus deixou antes de sua ascensão. Com isso acabamos por obscurecer o mandamento do amor. Ele continua dizendo que a igreja precisa encontrar uma saudável combinação de ambos:

“Aqui estão as duas instruções de Jesus – um grande mandamento, ‘amar ao seu próximo’, e uma Grande comissão ‘vá e faça discípulos’. Qual é a relação entre os dois? (…) A Grande Comissão nem explica, nem esgota, nem suplanta do grande mandamento. O que ela faz é acrescentar ao requerimento de amor e serviço ao próximo uma nova e urgente dimensão cristã. Se verdadeiramente amarmos nossos próximo, devemos, sem dúvida, compartilhar com ele as boas novas de Jesus.”[1]

Quero destacar aqui, que através do serviço cristão a igreja pode, ao mesmo tempo, amar ao próximo e cumprir a Grande comissão. Entretanto, mais do que isso, através do serviço ela pode demonstrar a grandeza do amor de Deus para com os outros.

Ano passado, minha esposa e eu acompanhamos uma indígena tembé que estava na cidade para tratar do seu câncer no útero. Estivemos com ela diversas vezes na casa de saúde dos indígenas, oramos com ela, fomos com ela ao hospital algumas vezes e conversamos sobre as coisas de Deus. Como nós ainda estávamos num processo de aproximação cultural não “sentimos tranquilidade no espírito”[2] para apresentar claramente a mensagem de salvação, para que não houvesse uma má compreensão e uma possível interpretação sincrética, principalmente por causa de sua condição. Uma vez que ela estava doente, provavelmente procuraria em Deus apenas uma divindade a quem pudesse agradar, para que fosse ela curada.

Alguns meses depois, essa indígena veio a falecer e eu fiquei um tanto decepcionado por não ter aproveitado a oportunidade para pregar o Evangelho. Em uma conversa que tivemos com o missionário Ronaldo Lidório, nós expusemos este dilema e sua orientação nos trouxe certo alívio: “sem dúvida esta senhora pôde sentir o amor de Deus através da assistência que vocês deram a ela”.

Com isso, vemos que ao servirmos os outros nós nos tornamos participantes do amor de Deus. O próprio Deus, sendo amor, constrange seus filhos a imitá-lo nessa característica. João nos ajuda a compreender a relação entre o amor e a missão de Deus. A grande maneira de Deus demonstrar o Seu amor por nós foi enviando seu único e precioso filho como propiciação pelos nossos pecados. “Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.” (1 Jo 4.9,10). De fato, nós somos habilitados a exercer o amor misericordioso apenas porque o Senhor Deus nos amou primeiro (1 Jo 4.19).

O Compromisso da Cidade do Cabo esclarece como a relação entre Amor e Missão de Deus se aplica de maneira prática na vida do povo de Deus:

Como Deus é amor, o amor permeia todo o seu ser e todas suas ações, sua justiça bem como sua compaixão. O amor de Deus se estende para toda Sua criação. Temos o mandamento para amar de modo a refletir o amor de Deus em todas estas dimensões. É isto que significa andar no caminho do Senhor[3]

Tanto as palavras de Ronaldo Lidório, na conversa que tivemos, quanto este parágrafo do Compromisso da Cidade do Cabo, mostram que o amor de Deus deve ser refletido por nós, seus filhos. Eu não consigo imaginar uma maneira melhor de refletir este amor de Deus do que servindo aos outros. Stott confirma que “amor e serviço andam juntos, já que o verdadeiro amor sempre se expressa pelo serviço. Amor é servir.”[4]. No nosso servir, as pessoas testemunharão que somos filhos de Deus. No nosso servir, as pessoas receberão o Evangelho e compreenderão seu papel de servo.

Nosso papel, enquanto filhos amados de Deus (Ef 5.1), é andar em amor, imitando-o assim como uma criança usa as roupas grandes do pai para copiá-lo. É certo que em nossa tentativa de imitar o Pai, nossa expressão de amor ficará bastante folgada, se comparada com o amor de Deus, mas isso não importa, desde que nos entreguemos assim como Cristo se entregou por nós (Ef 5.2). Essa entrega é uma expressão prática do amor de Deus. Nossa entrega é demonstrada através de uma vida de serviço.

Ao olhar para nosso amor, um tanto folgado, é verdade – como uma tentativa limitada de servir como Ele serviu –, o Pai certamente terá um sorriso nos lábios e ficará satisfeito.

Notas:
[1] STOTT, John. A missão cristã no mundo moderno, p.34
[2] Assim como Paulo em 2 Co 2.13, ainda que por motivos diferentes.
[3] Compromisso da Cidade do Cabo, I. 1. B
[4] STOTT, Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 110.

• Héber Negrão é paraense, tem 33 anos, mestre em Etnomusicologia e casado com Sophia. Ambos são missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB) e da Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM). Residem em Paragominas (PA) e trabalham com o povo Tembé.

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