* Por Maurício J. S. Cunha

A vocação histórica da Igreja na ação social transformadora

Ao analisarmos o papel da igreja cristã na obra de transformação social, percebemos que o que estamos propondo não é nada novo. Pelo contrário, a igreja sempre refletiu historicamente sobre sua vocação, em todas as fases da minha trajetória. Em cada geração, de acordo com o momento sócio-histórico, a igreja sempre procurou intervir de forma prática e influenciou na mais variadas esferas sociais, mostrando que nosso trabalho não é apenas “povoar o céu”, mas “discipular as nações da terra”.

Podemos citar, na história da Igreja de Cristo, inúmeros exemplos disso. Desde a “corrida às pragas” empreitada pelos cristãos primitivos para acolher aos enfermos e doentes, até a influência estrutural da Reforma Protestante na transformação das estruturas políticas da Europa, influenciando as formas de exercício do poder em um contexto de monarquias absolutistas. Da mesma forma, podemos citar o caso de vários movimentos e avivamentos ocorridos na história da igreja, todos eles deixando um legado não apenas de “almas salvas”, mas de transformação social. Aqui podemos lembrar da abolição da escravatura na Inglaterra, a noção de educação para todos (a partir de um conceito de sacerdócio universal dos crentes) a fundação de várias universidades, uma nova ética do trabalho, a criação das escolas bíblicas dominicais (como resposta a uma preocupação social com as crianças pobres), e os incontáveis ministérios de socorro, alívio, assistência e desenvolvimento levantados por Deus, sem os quais a história da Humanidade teria sido muito diferente.

No caso do Brasil, vivemos um “movimento silencioso”, através das muitas congregações de fé espalhadas por quase todas as comunidades do país. Acredito que toda a igreja que prega e ensina a Palavra de Deus já está sendo relevante e influenciando socialmente. Porém, esta influência está muito aquém do seu potencial, especialmente no nível estrutural. Carecemos de uma visão muito mais abrangente das intenções de Deus para o homem e a criação e de uma práxis missiológica a partir da noção de Reino de Deus.

Devemos nos perguntar: será que o contexto brasileiro não clama por um tipo de intervenção missiológica, que vá muito além das quatro paredes da igreja? Será que as questões cruciais na nossa geração, tais como violência, pobreza, miséria, desigualdade social etc., não provocam uma resposta mais intencional da igreja? Será que o modelo missionário reducionista de “salvação de almas” está dando conta da vida real e dos anseios do nosso tempo? Será que a busca da sinalização do Reino não requererá de nós um engajamento social mais efetivo e intencional?

Todo este tipo de questionamento gera diversas implicações práticas que precisarão ser respondidas, tais como:

– constitui uma boa mordomia dos recursos de Deus manter o templo da igreja fechado quase toda a semana e só abri-lo para atividades religiosas da congregação, não disponibilizando-o para a comunidade?
– o mesmo acontece com outros recursos dos quais a igreja dispõe?
– quanto do orçamento da igreja é usado na implementação ou apoio a projetos de serviço comunitário, especialmente voltados aos mais necessitados?
– participamos de algum movimento ou rede de advocacy, promoção de direitos, denúncia de injustiças etc.?
– se pensamos num impacto comunitário efetivo, que tipo de governança precisamos ter?
– estamos dispostos a valorizar os demais atores sociais da nossa comunidade e andar com eles em respeito e lealdade, sem abrir mão das nossas convicções, numa construção coletiva para a transformação da comunidade?
– os ministérios eclesiásticos, ou seja, internos à igreja, e a participação nas atividades “religiosas” tomam todo o esforço e tempo dos membros, não deixando nada para o engajamento social?
– as atividades de militância sociopolítica são consideradas “mundanas”?
– apenas os ministérios “internos” são reconhecidos como tal e recebem apoio?
– a única forma legítima de servir a Deus é no serviço eclesiástico, cabendo à intervenção comunitária e à satisfação das necessidades físicas das pessoas um papel apenas secundário?

* Maurício J. S. Cunha é diretor de programas da Visão Mundial e autor do livro O Reino entre Nós, Editora Ultimato.

Leia o texto anterior sobre esse assunto:
Igreja Relevante (parte I)
Igreja Relevante (parte II)
 

  1. Fernando Guarany Jr

    Oi, Maurício

    Muito didáticos e reflexivos os seu textos. Tenho gostado. Algo sobre o que não chegamos a nos aprofundar durante aquele nosso almoço em Natal-RN foi as motivações de diversas instituições e indivíduos para se engajarem em ação social.
    Um ponto importante é o que diz Vincent Cheung: “Existe um contexto, um pano de fundo, por trás de todas as obras de caridade que a igreja realiza, que é a fé em Jesus Cristo. É um erro grave – um erro danoso – supor que o Cristianismo é primariamente um sistema de ética, ou que ele é principalmente um chamado para a justiça social e as obras de caridade. Interpretar o Evangelho de Jesus Cristo como puramente, ou até mesmo principalmente, um evangelho social é distorcer a sua mensagem e negar o seu poder. Boas obras não produzem uma religião pura; é a religião pura que produz as boas obras. Essa distinção deve ser mantida.” (http://blog.monergismo.com/?p=12)

    Shalom,

    Fernando

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