Por Valdir Steuernagel

O cenário parece demasiado difícil para ser verdadeiro, mas o é, na sua crueza e no desenho de uma realidade de vida que de tão real deveria ser proibida.

O teto da casa havia caído e a “família” se mudou para uma casa emprestada pelo vizinho. Mas tanto a casa caída como a casa em pé pareciam vazias. As pessoas dormiam no chão, em cima de qualquer pano, e roupa para guardar não havia. A cozinha era do lado de fora de casa, onde se fazia um pequeno fogo no chão. Num dia porque o vizinho trazia alguma coisa. Noutro porque se havia catado algumas bananas. E depois de amanhã… quem sabe nem vai se fazer fogo.


A família era formada de quatro irmãos. Maria, então com 6 anos, era a mais nova. Tenho saudades dela e o meu coração chora quando penso nela: seus olhos pediam acolhimento e seu rosto expressava abandono. Ela não tinha quem cuidasse dela nem de suas roupas. Ambos os pais haviam morrido por complicações causadas pelo vírus da aids e estavam enterrados no fundo do quintal.

Agora os quatro irmãos tinham um ao outro, a casa emprestada, algum outro vizinho que se lembrava deles de vez em quando e a pessoa da Visão Mundial que passava por lá uma vez por semana.

Nem sei o nome do menino
A família já havia tentado de tudo e nada dava jeito. O menino parecia um caso sem solução. Desde pequeno tinha convulsões. Virava os olhos e espumava pela boca, e isso gerava muitos comentários na vizinhança.

Quando isso acontecia, a mãe do menino ficava muito triste. O pai estava sempre à procura de ajuda. O fato já não era familiar, mas comunitário, público. Isso se tornou ainda mais claro quando o pai levou o menino a alguns homens que apareceram na vila e de quem as pessoas estavam dizendo coisas boas e impressionantes. Porém, colheu apenas decepção e muito barulho, só conseguindo o que ele não precisava: ser caso de análise.

O evangelho de Marcos (9.14-27) fala dessa cena e de como Jesus foi averiguar o que estava acontecendo e se viu diante de um pai desesperado, segurando pela mão um menino cujos olhos pareciam carregar um enorme cansaço. E assim Jesus entra na história dessa família. Pergunta pelo quadro do menino. Faz um diagnóstico da situação.

Quando, mais tarde, o pai chega em casa segurando o menino pela mão, a mãe olha e chora. É o choro de uma mãe que tem uma profunda angústia aliviada, um choro com cara de riso. Pelo semblante do marido e pelos olhos do menino ela sabe que algo aconteceu, e o que aconteceu lhe devolveu um menino diferente, um menino liberto, curado, tocado por Jesus.

Quando, tarde da noite, os pais ainda sem conseguir dormir começam a conversar, o assunto é um só: esse Jesus que se preocupou com o nosso menino é “coisa de outro mundo”.

Ontem foi o menino, agora é a Maria
O sexto Objetivo do Milênio é “combater a aids, a malária e outras doenças”. Com estes objetivos, a Organização das Nações Unidas está diagnosticando os principais problemas que acometem a vida no e do planeta e convocando todas as nações do mundo a se engajarem no alcance de objetivos cujo cumprimento visa melhorar a vida das pessoas e da comunidade humana. O Brasil está entre os países que se comprometeram a alcançar estes objetivos e, no combate à aids, tem ganhado um enorme destaque positivo. É o primeiro país em desenvolvimento a proporcionar acesso universal e gratuito ao tratamento da aids na rede pública de saúde. Porém, no que diz respeito a “outras doenças”, o Brasil não vai tão bem. Enquanto escrevia este artigo, li a trágica notícia de que “as forças armadas começam a erguer hospitais para tratar paciente com dengue no Rio”. A dengue, a malária, a febre amarela, machucam e matam muitas pessoas neste Brasil de contradições sociais.

Comecei este artigo preocupado em mostrar dados, abundantes e assustadores. Porém, abandonei os números e voltei a olhar para a Maria e a caminhar em direção a Jesus. É significativo o número de vezes em que Jesus está cercado de pessoas doentes, fragilizadas e paralisadas pelas dificuldades da vida. Sua presença e sua palavra são sempre de esperança. Esperança de restauração e de encontro com o shalom de Deus, no qual a saúde tem lugar especial. Assim, engajar-se no cumprimento deste objetivo do milênio é caminhar com Jesus e em nome de Jesus pelas casas de teto caído e ir ao encontro de pais desesperados com os conflitos dos seus filhos, para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10).

Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial International e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores… e Outras Crônicas.

* Texto originalmente publicado na Revista Ultimato (n° 312, maio/junho de 2008)

  1. É notória e de grande significância o caos entre o sistema de saúde no Brasil mas a uma esperança em que tudo melhore e vivamos em um momento tranquilo de Paz, e segurança em nossas vidas e o nosso Deus de missericordias terá piedade de nós.

  2. comovente este texto,tenho uma sobrinha de 10 anos portadora do virus,sua mãe morreu faz alguns meses,seu pai não sabe o que fazer,então me pediu pra cuidar da menina,tem sido pra mim um desafio,pois não tinha contato com a menina até então,mas quero que mais esse objetivo seja levado as igrejas,pois como o menino era vitima de olhares preconceituos,hoje as meninas e meninos portadores do virus tambem sofrem preconceitos,de fariseus que falam tanto,pregam tanto,cantam tanto o amor…mas não aceitam que seus filhos convivam com esses meninos e meninas…

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