As crianças e as incessantes discussões políticas dos adultos
Recentemente uma amiga me chamou atenção para a história de Samuel e Susanna Wesley, pais de John e Charlles Wesley, conhecidos como os fundadores do Metodismo, líderes visionários que influenciaram o movimento cristão da Inglaterra no século 18.
Samuel e Susanna eram um casal piedoso. Ele era o pároco de uma cidadezinha de interior no condado de Lincolnshire, na Inglaterra. Ela era a rainha do lar, mulher muito bem educada e uma educadora de mão cheia. Os dois gostavam de discutir política. Até aí, tudo bem. Só que tinham posições opostas.
Samuel apoiava o rei Guilherme de Orange, Susanna o considerava um usurpador e se mantinha fiel à sua criação que declarava sua lealdade aos Stuarts. Certa vez, com uma família já numerosa, Samuel perdeu a paciência (e a sensatez) quando sua esposa não disse amém a uma oração proferida por ele rogando bênçãos sobre o rei Guilherme de Orange. Ele então abandonou sua esposa e filhos!
A separação persistiu por mais de um ano. John Wesley foi o fruto da reconciliação do casal. O casamento sobreviveu mas não sem muitas outras discussões e teimas oriundas de suas diferenças políticas. Samuel Wesley não foi um pároco amado, justamente porque gostava de teimar em suas posições ao infinito. E a família sofria retaliações por aqueles que se sentiam ofendidos.
Uma destas retaliações aconteceu quando a casa pastoral foi incendiada. John Wesley ficou preso no andar de cima e só conseguiu sobreviver porque os párocos fizeram uma pirâmide humana para iça-lo pela janela da casa em chamas. Ele tinha apenas 7 anos nesse tempo.
Esta história me fez parar e pensar. Quando declaramos nosso repúdio a este ou aquele campo político, a esta ou aquela posição, quando temos total convicção de que estamos certos e o outro lado está errado, onde estão as crianças? Como elas estão processando tudo isto? Será que elas não percebem que o ambiente fica pesado, que há uma grande insegurança no ar, que talvez o mundo seja um lugar temeroso?
Conheci uma menina, colega do meu filho. Vou chamá-la de Verônica, muito embora esse não seja seu nome verdadeiro. Desde pequena ela sentiu vontade de ir à igreja. A mãe conta que o resultado foi que as duas, mãe e filha, acabaram se tornando membros confessos de uma igreja local. A menina tinha grande entusiasmo pelas programações da igreja. As duas passaram a se relacionar com as outras crianças e famílias daquela igreja e acabaram se sentindo muito bem acolhidas.
Mas um dia, os pastores começaram a se desentender sobre a melhor metodologia a seguir. O resultado foi um racha na igreja. Metade de um lado, a outra metade do outro. E as crianças? Elas também foram divididas de acordo com a posição de seus pais. A mãe de Verônica conta que à medida que o conflito foi aumentando, Verônica começou a dar sinais de estresse. Todo fim de semana ela voltava da escola dominical com dor de barriga. Até que um dia, na volta da igreja a menina declarou: “Nós não vamos voltar mais lá, né mãe?”
As crianças não gostam de ver os adultos de quem elas dependem para sua segurança, orientação e afeto, conversando uns com os outros como os valentões no pátio da escola. Nos iludimos ao dizer que elas não percebem porque embora possam não entender com a cabeça, elas absorvem tudo com o coração. Estão muito antenadas para os gestos de adversidade e tensão, desamor e deboche.
O que foi que aconteceu conosco? Por que estamos tão desrespeitosos uns com os outros?
O rei Guilherme de Orange morreu, e toda a sua dinastia. A casa dos Stuarts não existe mais. A luta entre protestantes e católicos no Reino Unido é coisa do passado. Mas por conta de um espírito encrenqueiro, um pai colocou em risco a vida de seu filho de 7 anos. Um filho, que pela graça de Deus veio a se tornar um grande líder cristão do século 18.
Talvez o que estamos colocando em jogo não é a integridade física de nossos filhos, mas a espiritual. Quantas Verônicas voltam para casa depois da igreja sentindo dor de barriga? Quantas dirão num futuro próximo, “Mãe, nós não vamos voltar lá, né?”
O maltrato que temos dispensado aos nossos irmãos via redes sociais ronda a nossa casa e ele passa a prejudicar os mais próximos a nós.
Assim, não é da vontade do Pai de vocês, que está nos céus, que se perca um só destes pequeninos. Mateus 18.14