David Elkind é professor emérito de desenvolvimento infantil da Universidade de Tufts, Medford, Massachussets, EUA. Tem mais de 500 artigos, pesquisas e livros publicados na área de desenvolvimento infantil. Sua obra “The Power of Play” me inspirou a imaginar uma entrevista com ele. Veja como ficaria!

O senhor nasceu em 1931, estava com 8 anos quando Hitler invadiu a Polônia, e com 14 quando a Segunda Guerra Mundial acabou. A infância das crianças no mundo pós-guerra mudou muito se comparada com a infância das crianças hoje? 

Brincar

Importância do brincar

A guerra do Vietnã, o movimento pelos direitos civis, o movimento feminista, e a guerra contra a pobreza, ajudaram a estabelecer uma nova ética da igualdade na sociedade em geral. A pílula (anticoncepcional), a revolução sexual, o divórcio consensual, mudaram os valores e sentimentos sobre família(…) Estas mudanças de atitude e de valores trouxeram mudanças tectônicas sobre as formas de educar e até de se pensar sobre a criança.

Pela primeira vez na história, colocar a criança sob os cuidados de alguém que não fosse seus pais (algo anteriormente praticado apenas pela classe alta) se tornou aceitável em todas as classes sociais. As crianças que antes eram consideradas inocentes e carentes da orientação e proteção dos adultos, passaram a ser vistas como competentes—prontas e capazes de lidar com todos os contratempos da vida.

O conceito de competência infantil não está baseado em pesquisas inovadoras sobre a natureza da criança. Ao contrário, ele se estabeleceu graças à mudanças sociais que limitam severamente a habilidade dos pais de proteger seus filhos. Primeiramente, porque com a onipresença da televisão nos lares, é impossível para os pais controlar as informações que chegam até seus filhos.(…) Além disso, as novas atitudes sobre divórcio garantem a separação de muitos pais. Atualmente 50% dos casamentos acabam em divórcio. O grande número de famílias com duas rendas (pai e mãe trabalham) e famílias monoparentais significa que as crianças são deixadas sozinhas ou sob os cuidados de alguém que não seus pais. Diante destas mudanças sociais os pais precisam acreditar (até para manter sua própria sanidade) que as crianças são competentes para lidar com a nova realidade social do começo do Século 21.

Com certeza as crianças da primeira metade do Século 20 eram mais competentes do que se pensava na época. Mas elas são menos competentes do que as concebemos hoje em dia.

A necessidade de brincar permanece nas crianças de hoje?

Perguntaram ao Freud uma vez o que era necessário para se ter uma vida feliz e produtiva. Ele disse: “Lieben und albeiten”, amor e trabalho. Com todo o respeito devido a Freud, eu acredito que ele deveria ter incluído “Spielen”, o brincar. Amar, trabalhar e brincar são três impulsos natos que fomentam o pensamento a a atividade humana por todo o seu ciclo vital. Brincar dá vasão à nossa necessidade de adaptar o mundo a nós mesmos criando novas oportunidades de aprendizado. O bebê fascinado pelo formato de sua mão acabou de criar uma experiência de aprendizado única. Amar dá vasão à nossa predisposição de expressar nossos desejos, sentimentos e emoções. Desde o início os bebês comunicam suas necessidades por meio de seus choros distintos. Trabalhar dá vasão à nossa predisposição de nos adaptar às demandas físicas e sociais do mundo ao nosso redor. O bebê facilmente se adapta ao formato do seio ou da chupeta. Inicialmente amar, trabalhar e brincar aparecem juntos como uma predisposição única. No entanto, durante o desenvolvimento humano, amar, trabalhar e brincar vão se separando paulatinamente, e o papel de cada um destes impulsos muda com o tempo.

(…) Quando estão juntos, trabalhar e brincar, nos trazem prazer, é só quando os separamos que temos experiências dolorosas. E brincar, sem o amar e o trabalhar, é só um entretenimento.

Para apreciar mais completamente o poder do brincar, acredito que precisamos ver como  ele se desenvolve em relação a trabalhar e amar. O brincar, o amar e o trabalhar são disposições que se complementam (não são antagônicas) em cada grande fase de desenvolvimento do ser humano. Além disso quando o brincar, o amar e o trabalhar se fundem, o desenvolvimento e aprendizado é mais efetivo. Brincar não é um privilégio mas sim uma dinâmica fundamental do desenvolvimento físico, intelectual, social-emocional saudável em todas as faixas etárias.

O desenvolvimento do brincar, amar e trabalhar, acontece em quatro fases distintas. Durante a primeira infância, o brincar é o modo de atividade dominante e diretivo, o amar e trabalhar estão em segundo plano. A partir dos 6 ou 7 anos – quando se inicia a segunda infância – o trabalhar assume a liderança e o brincar e amar assumem um papel de apoio. Na adolescência o amar se torna o fator primordial que determina toda atividade, subordinando o trabalhar e brincar aos seus impulsos. Na fase adulta o trabalhar, amar e brincar se tornam finalmente separados mas podem aparecer juntos em várias combinações.

Minha entrevista imaginária ainda não acabou, as próximas perguntas a fazer serão:  Qual é o papel do brincar para as criancinhas menores, comparado com o brincar das maiores? Como a forma de brincar das crianças mudou? Como a indústria de brinquedos trata as crianças e a sua necessidade de brincar?

E eu garanto para vocês, as respostas dele têm tudo a ver com o nosso dia-a-dia e com a necessidade de proteger o direito de brincar das crianças. Aguardem!

Elsie B. C. Gilbert

Nota: Tradução livre de alguns trechos do livro “The Power of Play: Learning What Comes Naturally” por David Elkind.

  1. Uauuu! Parabenizo a excelente abordagem deste tema, pois a brincadeira é coisa muita séria!
    Eu e minha esposa Daniela aqui em Joinville, temos um grupo de teatro de palhaços chamado Cia CHEIOS da GRAÇA e em 2012 fomos aprovado no edital da fundacao cultural daqui com um projeto teatral em que basicamente tem essa, uma das principais fontes de pesquisa: o ato do brincar e todo seu desdobramento.
    Estamos pesquisando brincadeiras das nossas
    infancias e de criancas de 3 casas lares de uma ONG Cristã chamada Ecos de Esperanca.
    Ficaremos durante todo ano desenvolvendo o espetáculo com previsão de estréia em outubro, no qual o nome dele já sugere um clamor poético ao ato de brincar “Cosquinhas, Por Favor”
    Abrcsss fortesss!
    Leo

    • Prezado Leonardo a Rede Mãos Dadas agradece o seu contato.

      Muito bom saber que gostou, ficamos imensamente felizes com seu carinho!

      Seria pedir muito dar mais informações sobre o seu grupo de teatro? Ficamos animados com o seu trabalho!

      Um forte abraço e aguardamos sua resposta.

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