Por que as mães não conseguem proteger suas filhas?
Entrevista com Isabelle Ludovico
MÃOS DADAS – Por que as mães muitas vezes não conseguem proteger suas filhas de um pai ou padrasto abusivo?
ISABELLE – Muitas mães foram, elas mesmas, vítimas de abuso na infância e não tiveram a quem recorrer. Para sobreviver, elas procuram esconder a ferida e ficam emocionalmente paralisadas diante do risco de se deparar com esse fantasma da sua história.
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MÃOS DADAS – As mães geralmente sabem do abuso? O que é preciso acontecer para que elas consigam identificar situações de perigo?
ISABELLE – Algumas mães não conseguem admitir que existe abuso porque são emocionalmente dependentes do abusador, que é uma pessoa sedutora e envolvente. Outras sabem, mas se sentem incapazes de lidar com a situação e por isso preferem fazer de conta que nada está acontecendo. Outras, ainda, se vêem à mercê do contexto em que vivem. Como exemplo, cito o caso de uma esposa de pastor que me confessou não ter tomado providência para não escandalizar a igreja.
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MÃOS DADAS – Quando elas ficam sabendo que uma filha está sendo vítima de abuso sexual, qual é reação mais comum?
ISABELLE – A reação é parecida com a de alguém que descobre que tem uma doença terminal. A tendência é primeiro negar o que está acontecendo. Depois vem a raiva diante da quebra de confiança, decepção, violência emocional e sofrimento. Daí é possível passar para a ação.
MÃOS DADAS – Por que tantas mães negam a situação ou tentam proteger o homem?
ISABELLE – A negação é um mecanismo de defesa que visa evitar a dor. É a política da avestruz, que enfia a cabeça na areia para não enxergar o perigo e pensa que, com isso, está se protegendo. A tentativa de proteger o homem se deve à dependência emocional e material em relação a ele, bem como ao medo das conseqüências de um confronto.
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MÃOS DADAS – Que mudanças emocionais a mãe precisa experimentar para que tome a iniciativa de proteger a filha?
ISABELLE – A mãe precisa ter uma certa autonomia emocional e material. Ela precisa ser capaz de andar com as próprias pernas. Precisa de uma boa auto-estima. Precisa ser forte para enfrentar as ameaças e conseqüências do confronto com o abusador.
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MÃOS DADAS – Quais os passos que ela deve tomar para garantir uma proteção eficaz?
ISABELLE – Ela não pode mais deixar a criança sozinha com o abusador até que ele tenha se tratado. Para isso, deve buscar o acompanhamento de um líder espiritual e, na medida do possível, de um terapeuta familiar. Geralmente isso não acontece porque ela não tem a autonomia emocional de que precisa.
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MÃOS DADAS – Que postura nós (agentes sociais, envolvidos com a criança) devemos assumir para com essa mãe?
ISABELLE – Em vez de julgar e condenar, precisamos buscar entender a atitude dela e saber quais são seus medos e o que ela precisa para reagir com maturidade. Devemos procurar fortalecê-la, ajudá-la a considerar as opções e os recursos disponíveis, bem como avaliar as conseqüências, e encorajá-la a tomar as providências necessárias para garantir não apenas a proteção da criança que foi abusada, mas que outros abusos não venham a acontecer.
Nossa entrevistada sugere:
Lágrimas Secretas, de Dan Alleder (Editora Mundo Cristão), e Sexo, Amor e Violência, de Cloé Madanes (Editorial Psy).
Marcas do Silêncio, filme que mostra o silêncio da mãe e a justificação da filha para proteger a imagem da mãe. Este é mais um aspecto a ser compreendido: a criança abusada assume a culpa pelo abuso e muitas vezes não busca proteção.
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Isabelle Ludovico da Silva é psicóloga com especialização em terapia familiar sistêmica.
Artigo publicado originalmente na Revista Mãos Dadas, Edição 7, em novembro de 2003.