Participar é preciso, mas não é fácil!
A participação infantil, o ato de levar em conta as opiniões das crianças nos assuntos que lhe dizem respeito, só pode virar uma prática na medida em que fizermos isto em todas as outras esferas de relacionamentos nos quais estamos envolvidos. Sabemos que nós adultos nos sentimos despreparados para participar dos assuntos que nos dizem respeito em muitas áreas de nossas vidas, especialmente daquelas que exigem o apoio de mais pessoas para que haja mudanças. O caminho a trilhar é longo, mas não é impossível! Veja a reflexão de Jane Maria Vilas Bôas a seguir:
Preparando a participação
Todas as vezes que iniciei um novo trabalho de desenvolvimento local, quer na zona urbana, quer na zona rural, em meus doze anos de trabalho nessa área, encontrei dois grandes inimigos na porta da entrada da comunidade: a falta de autoconfiança e a baixa estima das comunidades, gerando descrença e demanda por uma “salvação” vinda de fora. As reuniões iniciais cheias de expectativas – na maioria erradas – se esvaziavam muito quando os presentes eram informados de que os técnicos não tinham nada na sacola para dar à comunidade, mas que estavam ali para ajudá-los a descobrir o que eles podiam e queriam fazer por si mesmos. A próxima reunião já vinha toda filtrada. Os que voltavam, mesmo não sabendo como fazer, eram os que tinham restos de esperança em si mesmo e na existência de saídas para sua situação de penúria. E estavam dispostos a trabalhar para buscar essas saídas em benefício próprio e da comunidade. Com esses poucos se iniciava o trabalho.
A ausência da confiança na própria capacidade de resolver os problemas de seu grupo familiar ou de contribuir com sua parte na solução de problemas coletivos, traz desânimo e desesperança. Isso retira dos projetos todos aqueles que não querem nem tentar ou aqueles que, infelizmente, já tentaram porém o fizeram em uma iniciativa mal planejada e ficaram feridos, amargos e não querem mais saber de processos, de coisas que exigem muito esforço e construção cotidiana antes de dar frutos.
A baixa estima produz conformados, pessoas que não se sentem com direitos, que não ousam sequer levantar os olhos quanto mais a voz. Quando descobrem que não se trata de caridade no sentido de receber o que sobra da mesa alheia, se afastam, porque qualquer coisa além disso era também muito além de seus sonhos.
Diante dessa situação, a primeira preocupação era de fazer o convencimento da comunidade de que eles mereciam e podiam viver de uma forma melhor, que iria brotar deles mesmo se eles quisessem descobrir e aprender como.
A certeza de que isso não era uma ilusão vinha após a construção de uma análise coletiva sobre a causa da pobreza em termos gerais e da manifestação dela de forma particular em seu lugar de moradia em função da carência de infra-estrutura, de serviços públicos e de assistência a que eles tinham direito. Compreendendo a situação eles começavam a pensar como sujeitos de direitos, como desamparados que entendem a razão de seu desamparo e não concordam com ela. E não concordando, querem fazer algo em relação a isso.
Mais adiante, munido da visão crítica de sua situação, nascia o ator social que percebe também que o maior interessado em sua situação é ele mesmo. Que ele pode arrumar parcerias, fazer alianças para reivindicar com mais poder político, mas o núcleo do movimento tem que ser a participação, ativa e de todos os locais, no encaminhamento de soluções tanto de curto quando de médio e longo prazos.
A participação, portanto, tem em sua base uma visão de mundo onde haja fé, esperança autoconfiança e auto-estima da comunidade. Esses quatro elementos são reforçados e movem as coisas quando a eles se soma o processo organizativo, como nos ensina o sociólogo Pedro Demo, em seu trabalho “Participação é conquista”, editado em 1986 pela Editora da Universidade Federal do Ceará.
Texto escrito por Jane Maria Vilas Bôas em “Jardim da Cooperação: Evangelho, Redes Sociais e Economia Solidária“, livro publicado pela Editora Ultimato com o apoio de RENAS e Visão Mundial. Jane é pós-graduada em antropologia social pelo Museu Nacional/UFRJ. Ela foi assessora especial da ministra Marina Silva, mora em Brasília e frequenta a Igreja Batista Central daquela cidade.