Foto Exploração Sexual

 Vivemos numa sociedade permeada pela violência e os noticiários diários confirmam esta triste realidade. No entanto, a forma mais perniciosa de violência é também a que menos aparece. Trata-se da violência que acontece na intimidade do lar e que não é denunciada por ser praticada por familiares, às vezes por anos seguidos. Estima-se que apenas 2% dos casos de abuso sexual contra crianças, dentro da família, são denunciados à polícia. Mais devastador que a violência em si é o sentimento de desamparo da vítima por não ter a quem recorrer. Pessoas submetidas a situações crônicas de violência apresentam uma debilidade gradual de suas defesas físicas e psicológicas e tendem a se tornar mais vulneráveis, aceitando a situação como inevitável. Assim, cabe às pessoas próximas romper com a indiferença e a cumplicidade social que perpetuam a impunidade dos agressores e o desamparo das vítimas.

A família é a base da nossa sociedade e da nossa história pessoal. Ele deveria ser um abrigo seguro, uma fonte de amor e proteção que ajuda a construir uma identidade sólida e relacionamentos maduros. Mas, para muitos, ela representa um lugar de desrespeito, de abuso físico, psicológico e sexual, de humilhação e dor. Nos lares violentos é difícil aprender a amar e a amar-se. Sem ajuda para romper o ciclo da violência, as pessoas tendem a se tornar ao mesmo tempo vítimas e algozes, repetindo modelos de relacionamento internalizados na primeira infância. A Bíblia inclusive nos adverte que o pecado não confessado e tratado alcança as gerações seguintes (Ex 20:5).

A família também é alvo da violência social. A crise econômica contribui para gerar uma situação de estresse que tenciona ainda mais as relações familiares. O pai teme o desemprego, a mãe se vê na obrigação de ajudar no sustento da família, ambos voltam para casa esgotados e tendem a descarregar nos filhos a tensão acumulada ao longo do dia. A relação conjugal também está em crise pela mudança na definição dos papéis sociais e nas expectativas em relação ao casamento. Por não ser mais o único provedor da família, o homem se sente humilhado e privado da autoridade que a tradição lhe outorgava. Ele busca compensar a perda de prestigio com posturas autoritárias visando impor pela força os privilégios que possuía. Com a conquista de novos espaços, as mulheres também adotaram atitudes beligerantes que contribuem para criar um clima de competição e luta pelo poder. Outras ainda resistem a sair do casulo e se submetem a situações humilhantes por sentimento de inferioridade e incapacidade de alcançar a autonomia.

Não podemos continuar fechando os olhos diante desta realidade gritante que deve ser denunciada e transformada. Pessoas vítimas de violência precisam ser amparadas, consoladas, estimuladas, fortalecidas, capacitadas para iniciar um processo de mudança interior que permita uma postura mais ativa em relação à sua vida. Elas devem ser encorajadas a buscar apoio, se necessário fora da família, para se proteger e reverter uma situação que tende a deteriorar-se. Resgatar a sua dignidade de ser humano criado à imagem de Deus, defender os seus direitos, perceber os recursos internos e externos disponíveis, valorizar cada passo de forma a estimular a perseverança rumo aos novos objetivos, identificar redes de apoio e solidariedade que possam sustentar o processo de mudança, são algumas facetas que permitem passar de vítima a protagonista e assumir o volante da própria vida.

A terapia individual pode ser um instrumento essencial neste processo de reestruturação interior e a terapia familiar pode contribuir para a restauração das relações interpessoais. Promover a reconstrução da realidade familiar requer disponibilidade para mudança, perseverança e perdão. Um ambiente de acolhimento e carinho pode despertar emoções construtivas como empatia, solidariedade e cooperação. A tentação de apenas punir um culpado é insuficiente para gerar restauração familiar. Lembremos que muitos abusadores foram vítimas de abusos na infância. É necessário procurar entender e curar as feridas que levam à violência. A agressão é muitas vezes um sinal de baixa autoestima e insegurança. Precisa ser entendido mais como um pedido de socorro do que como perversão cínica. A gente fere com o que está ferido em nós e até mata a partir do que mataram em nós!

Mais que coibir a violência é necessário entender e tratar as suas causas de modo a proporcionar uma mudança de atitudes e valores visando à construção de relações fraternais fundamentadas no diálogo e no respeito mútuo. A raiva é uma emoção útil quando conseguimos expressá-la adequadamente. A violência intrafamiliar requer a sensibilização, capacitação, educação e atuação de todos os cidadãos. Não basta zelar pelo bem estar das nossas famílias, é imprescindível estender as mãos para aqueles que estão diretamente implicados neste problema de forma a interromper o ciclo da violência promovendo mudanças significativas. Nossa prioridade deve ser prevenir e combater a violência sob todos os seus aspectos e principalmente aquela que é camuflada na intimidade dos lares e contribui para perpetuar distorções relacionais. Homens e mulheres são chamados a encontrar novos caminhos de cooperação e companheirismo gerando a construção de lares acolhedores que garantem o cuidado, a proteção e o carinho necessários para o crescimento de cada um de seus integrantes.

 

Artigo escrito por Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga clínica com formação em Terapia Familiar Sistêmica. CRP 06/101967.

 

  1. Olá bom dia!
    Gostei e aprendi muito com a matéria!
    Fui vítima de diversos tipos de abusos, infelizmente tenho repetido alguns com minhas filhas (apesar de tentar ardentemente não faze-los)!!!, e hoje sofro muito com isso!
    Deus os abençõe e oriente a orientar outros para o louvor DELE!!
    Muito obrigada,
    Aura

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