A intenção de John Stott no livro “O Incomparável Cristo” é investigar e apresentar como o Novo Testamento e algumas pessoas no correr dos anos apresentaram e foram influenciados por Jesus. Na parte IV, de onde foi extraído o trecho a seguir, o autor lembra que Jesus Cristo não é apenas histórico, mas eterno sendo, pois, também nosso contemporâneo. Por causa disso, este livro é uma mistura de Escrituras e história.

“Vou dançar com meus próprios pés”

Joni Eareckson Tada

No dia 30 de julho de 1967, uma jovem esportista de dezessete anos sofreu um acidente ao mergulhar na baía de Chesapeake. Aquilo a deixou totalmente tetraplégica, paralisada do pescoço para baixo.

De início, no hospital, ela lutou bravamente contra a própria condição, decidida a andar de novo. Mas aos poucos ela percebeu que o dano era permanente e que jamais recuperaria o uso das mãos e dos pés. Ela conta a história com grande honestidade em seu primeiro livro.1 Joni foi tomada por toda a gama de emoções humanas – amargura, frustração, ressentimento, ira e até depressão suicida. Ela também experimentou o que chamou de “ataques de fúria rebelde contra Deus”.

Passando por um período de reabilitação e terapia, porém, e mediante grande apoio dos pais, irmãs, namorado e outros amigos, aos poucos Joni arrastou-se para fora do profundo buraco escuro. Ela começou a confiar em Deus e a encarar o futuro com realismo. Ela aprendeu a pintar com a boca; ficou famosa como conferencista e escritora. Além disso, desenvolveu o JAF Ministries (Ministérios de Joni e Seus Amigos) para auxiliar portadores de deficiências.

E o centro de sua transformação foi a redescoberta da Bíblia. Ela reaprendeu suas grandes doutrinas. Joni foi auxiliada pela visão de Jesus na cruz, “imobilizado, desamparado, paralisado”, assim como ela. Mas o que mais a ajudou foi a ressurreição. “Agora tenho esperança no futuro”, es­creveu. “A Bíblia fala que nossos corpos serão ‘glorificados’ no céu… agora sei o significado de ‘ser glorificado’. É o momento, depois de minha morte aqui, em que vou dançar com meus próprios pés.”2

É essencial observar que o que sustenta Joni é a esperança cristã da ressurreição do corpo. Não haveria grande consolo na certeza de uma simples sobrevivência à morte. E crer na ressuscitação, uma restauração para esta vida, significaria o horror de mais um aprisionamento na cadeira de rodas. “Mal posso acreditar”, escreveu:

Eu com dedos definhados e tortos, músculos atrofiados, joelhos retorcidos e sensibilidade nenhuma dos ombros para baixo um dia terei um corpo novo, leve, reluzente e revestido de justiça – forte e deslumbrante. Você consegue imaginar a esperança que isso dá a alguém com lesão na medula espinal como eu? Ou para alguém que teve paralisia cerebral, acidente cerebral ou esclerose múltipla? Imagine a esperança que isso dá a um maníaco depressivo. Nenhuma outra religião, nenhuma outra filosofia promete novo corpo, coração ou mente. Só o Evangelho de Cristo faz com que sofredores encontrem essa esperança incrível.3

Consciente ou não, Joni estava ecoando algumas belas palavras do Arcebispo William Temple:

Pode-se dizer com segurança que uma base para a esperança do cristianismo, pela qual pode tornar justa sua reivindicação de ser a verdadeira fé, está no fato de ser a mais declaradamente materialista de todas as religiões. O cristianismo permite a expectativa de poder ser capaz de controlar o material, precisamente por não o ignorar ou negar, mas afirmar de maneira plena tanto a realidade da matéria como sua subordinação. Seu mote principal é “O Verbo se fez carne”, onde o último termo foi, sem dúvida, escolhido por causa de suas associações especificamente materialísticas. Pela própria natureza de sua doutrina central, o cristianismo devota-se a uma crença na importância primordial do processo histórico e na realidade da matéria e de seu lugar no esquema divino.4

Temple estava aludindo às três grandes verdades materiais, a saber, a criação, a encarnação e a ressurreição.

Sempre que os cristãos recitam o Credo Apostólico ou o Credo Niceno, declaramos nossa crença em duas ressurreições – a ressurreição de Jesus Cristo (no passado) e a ressurreição de nosso corpo (que ainda é futuro). E ambas estão relacionadas, pois Jesus “transformará os nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu corpo glorioso” (Fp 3.21). Ainda, “assim como tivemos a imagem do homem terreno [Adão], teremos também a imagem do homem celestial [Cristo]” (1Co 15.49). Entre nossos corpos presente e futuro, porém, haverá continuidade e descontinuidade, como ocorre no caso de Jesus. Seu corpo da ressurreição era reconhecidamente o mesmo, mas também possuía novos poderes surpreendentes. Esse paradoxo de igualdade e diferença foi bem ilustrado pela metáfora botânica de Paulo. A semente determina a identidade da flor – sementes de cardo produzem cardos, não figos, disse Jesus (Mt 7.16), mas a flor ultrapassa sua semente em muito quanto à beleza. De modo semelhante, nosso corpo atual é fraco e perecível, enquanto nosso corpo da ressurreição será forte e imperecível (1Co 15.35-44). Para resumir, a esperança cristã não é a imortalidade da alma, mas a ressurreição e transformação do corpo.

É a natureza física da ressurreição que inspira Joni Eareckson. Ela fica empolgada, escreve, “pensando em como o céu seria parecido com o Rochedo de Gibraltar”. “Vamos tocar e saborear, governar e reinar, mexer e correr, rir e nunca teremos razão para chorar.”5

Joni descreve uma convenção cristã em que o pregador, ao final de sua mensagem, pediu ao auditório que se ajoelhasse para orar. Ela observou enquanto obedeciam. Mas, claro, ela não podia obedecer. Assim, não conseguia parar de chorar. Era ainda mais difícil para ela porque, tendo crescido na Igreja Episcopal Reformada, estava acostumada a ajoelhar-se para orar. Então lembrou-se da ressurreição:

Sentada ali, lembrei-me de que no céu serei livre para pular, dançar, chutar e fazer aeróbica. E embora tenha certeza de que Jesus ficará deliciado em me ver na ponta dos pés, há algo que planejo fazer e que pode alegrá-lo mais. Se possível, em algum lugar, em algum momento antes da festa começar, em algum momento antes de os convidados serem chamados à mesa do banquete nas Bodas do Cordeiro, a primeira coisa que planejo fazer com minhas pernas ressuscitadas é cair sobre os joelhos gratos e glorificados. Em silêncio, vou me ajoelhar aos pés de Jesus.6

Joni escreve várias vezes em seus livros: “Mal posso esperar”.

Notas
1- J. Eareckson Tada, Joni (Zondervan, 1976).
2 – Citado por P. Yancey em Where is God When it Hurts? (Zondervan, 1977), p. 120.
3 – J. Eareckson Tada, Heaven Your Real Home (Zondervan, 1995), p. 53.
4 – W. Temple, Nature, Man, and God (Macmillan, 1934), p. 478.
5 – Eareckson Tada, Heaven Your Real Home, p. 70.
6 – Ibid., p. 51.
Texto originalmente publicado no livro O Incomparável Cristo, da ABU Editora.

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