Gosto de orar o Pai Nosso todos os dias. Cada vez que oro, aprendo algo novo, descubro uma dimensão até então não percebida na minha relação com Deus e com as pessoas. Seguem adiante algumas lições que tenho aprendido com a oração que Jesus nos ensinou.

1. Essa é uma oração da graça e não do mérito. Quem ora com Jesus aprende logo que não é por méritos próprios que o milagre da vida acontece, mas por amor que vem dEle, por um gesto de ternura sua, imerecidamente, gratuitamente. O pão é algo que Deus dá, e não algo que arrancamos de Sua mão ou do ventre da Terra. “Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem” (Salmo 127.2).

2. O pão nosso aponta para o essencial, para o básico em nossa vida, não para o supérfluo, o que granjeamos em excesso. É o pão de cada dia. Chico Buarque traduz muito bem a beleza poética do “debulhar o trigo, recolher cada bago de trigo, forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão”. Nessa perspectiva, arar a terra é “afagar a terra”, é amá-la por sua simplicidade dura e afável, úmida e humilde.

3. O pão é nosso, é comunitário, é experiência coletiva, portanto totalmente contrário à experiência do individualismo tão corrente em nossos dias. O “cada um por si e Deus por todos”. Se oro, aprendo que o pão é dádiva que se ganha junto com outras pessoas, para ser partilhado com outras pessoas, ao lado de outras pessoas.

4. O fato de Jesus colocar o pedido por pão em nossa oração indica que a dimensão material da vida é importante. A Igreja precisa lembrar que as condições objetivas, concretas da vida são importantes. Por muito tempo, a Igreja deu testemunho inverso perante a sociedade, valorizando o imaterial e desprezando o corporal. Jesus coloca o corpo em nossa oração. Violeta Parra, em sua obra prima, “Gracias a la Vida”, celebra a seu modo a manifestação da graça e a concretude da vida com todas as suas contradições.

5. Quando oro pelo pão de cada dia, oro pelos trabalhadores, por todos aqueles que participam do plantio, da semeadura, da colheita, do beneficiamento da farinha, do trigo, do pão. A oração do Pai Nosso é a oração pelos trabalhadores. Dá-nos o pão nosso quer dizer, que haja trabalho para todos, que haja a bênção do pão nas mesas, que haja emprego, que a vida econômica de nosso país seja abençoada, que haja justiça a ponto de todos (inclusive nós) termos o pão de cada dia.

6. Os antigos escravos norte-americanos e seus descendentes oravam e oram assim: “Senhor, obrigado porque hoje acordei deste lado da eternidade”. Ou então: “Obrigado porque acordei com a mente em perfeito estado”. Ou simplesmente: “Obrigado, Senhor, porque tem geleia no armário”. Orações simples que celebram a vida, o trabalho, a saúde no cotidiano.

7. A oração do Pai Nosso deixa manifestos os conflitos de nossa sociedade, que vão desembocar na produção e partilha do pão. Trabalho pode ser bênção e opressão, realização ou castigo, experiência de amor ou violência. O mesmo trabalho pode ter reconhecimento diverso, desigual, se o trabalhador for for uma mulher, ou um negro, ou um branco, ou um imigrante.

8. Finalmente, quem ora o Pai Nosso sabe que ser gente é viver em família, que Deus é pai, que as pessoas são irmãs, que não habitamos um universo hostil e que o isolamento não é uma necessidade, uma obrigação. Vivamos a experiência de ser família de Deus neste mundo pão, migalha, pó e poeira.

[o quadro é de Van Gogh: O trabalhador cortando o seu pão]

 

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