diario 2-001Uma das resoluções que tomei para 2015 foi retomar o hábito de escrever um diário. Como não pude me conter, e até para impedir que tudo não passasse de um entusiasmo de janeiro, comecei meus registros em 1° de dezembro de 2014. Em meus tempos de juventude, cultivei o hábito de escrever diários. Hoje eles são tesouros preciosos para mim. O diário fazia parte de minha vida espiritual, uma disciplina devocional muito valorizada naqueles tempos.

Li recentemente o diário de David Brainerd (1718-1847), li também há alguns anos o diário de Ashbel G. Simonton (1833-1867) e o de John Woolman (1720-1772). Mas muitos outros grandes escritores mantiveram seus diários: Flannery O’Connor, Maya Angelou, Franz Kafka, C.S. Lewis e Virginia Woolf.

Philippe Lejeune é um estudioso dos escritos autobiográficos e em 2009 publicou um livro interessantíssimo intitulado On Diary (Sobre o Diário). De acordo com Lejeune, os diários nasceram na história a partir de necessidades comerciais e administrativas. Fazer registros e colocar data ajudava os negociantes a controlarem suas atividades. Segundo Lejeune, os diários pessoais existiam na era clássica, mas só com os cristãos é que ele ganhou características intimistas, pessoais e espirituais.

A escrita de si tem chamado a atenção de intelectuais, pesquisadores e acadêmicos em geral. Um dos focos de interesse está na relação entre a escrita de si e a construção da identidade e da formação da subjetividade. Muito antes desse renovado interesse, no entanto, os cristãos encaravam a escrita do diário como parte do exercício espiritual.

Nesse sentido, a escrita do diário nos permite meditar sobre a vida e sobre as Escrituras. Ao escrever um diário, nos posicionamos em relação à vida, e reorientamos nossa oração e nossa ação. Modificando um pouco aquele ditado que dizia: “Quem canta ora duas vezes”, podemos dizer que quem escreve um diário pensa duas vezes, e com muito mais clareza. É uma ótima forma de reconsiderar o passado ou planejar o futuro, enfrentar os temores interiores, examinar o próprio funcionamento de nossa mente e os movimentos de nossa alma, bem ao estilo do salmista quando dizia: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei” (Salmo 42.11).

No diário cabem reflexões, orações, citações de poemas, canções, passagens das Escrituras, rabiscos, desenhos, mapas, caricaturas, lembretes, tudo o que ocupa sua mente e coração. O diário fortalece também outras disciplinas espirituais, pode auxiliar na vida de oração, na prática da Lectio Divina, é uma oportunidade para ver a luz de Deus iluminando nossas trevas e confusões. Por meio dessa prática, vamos conhecendo melhor o caráter de Deus e, por consequência, nosso próprio caráter. Há inclusive uma força terapêutica no exercício do diário, pois vamos aprendendo a lidar com nossos traumas e amarguras tanto quando com nossos temores e ansiedades.

Assim que decidi retomar minha prática da escrita de diário, tive de optar por uma forma de escrita: computador ou caderno? Se fosse computador, teria de ser uma máquina pequena, transportável, um notebook. Há ótimos softwares específicos para escrever diário, a maioria disponíveis gratuitamente: o RedNotebook, o OneNote, o próprio WordPress… Mas também o próprio Word ou LibreOffice serviriam. No entanto, preferi o silêncio, a intimidade, a portabilidade e o calor de um caderno com capa dura. Ele está sempre comigo. Não precisa recarregar bateria e a variação das linhas e do formato das letras vão registrando a emoção do momento. Além do mais, li em algum lugar que quando escrevemos à mão ativamos áreas do cérebro diferentes das que utilizamos ao digitar um teclado.

Quando escrever? Quando quiser. Aproveito as primeiras horas do dia, mas também ao final do dia, antes de repousar, a escrita do diário cai muito bem. Sobretudo, tenho notado que escrever logo depois de minha hora devocional e do período de oração contemplativa tem sido muito significativo e prazeroso.

Alguns princípios têm sido norteadores para mim: autenticidade acima de tudo, deixar vibrar no papel minha própria voz e alma, honestidade em relação aos temas que forem aparecendo. Quando apenas os eventos do dia a dia aparecem na mente, apenas registro os eventos. Não me preocupo em ser profundo, complexo ou mesmo poético. Esqueço meu corretor gramatical interno e, principalmente, tento não bancar o policial de mim mesmo. Simplesmente contemplo a beleza cristalina de uma folha de papel em branco e começo a conversar com Deus ou comigo mesmo: “Puxa uma cadeira, minha alma. Eu quero te perguntar: ‘Por que me roubas a calma, me mostras tristeza no olhar? Vamos entrar num acordo, vida tranquila viver. Lembra daquilo que o Mestre falou: A minha graça te basta’” (Stênio Marcius).

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