O nascimento do “regatador”
SÉRIE | RUTE | Estudo 8
Texto básico: Rute 4.13-22
Textos de apoio: 1Samuel 8.10-18
1Reis 9.15-28; 11.1-8
Esdras 10.1-17
Neemias 13.1-3; 23-31
Lucas 10.25-37
Mateus 25.31-46
Tiago 2.1-23
Introdução
A história de Noemi, que enfrentou fome, exílio, morte do marido e filhos, além do retorno à terra sem poder desfrutar da alegria da colheita e da produção, e que expressou sua experiência dando a si mesmo o nome de Mara (lit. amarga), agora chega ao fim com o nascimento de seu neto da união de Boaz com Rute. Podemos imaginar que Noemi representa uma família de tantas que passaram por situação semelhante. Para Noemi, em particular, o desfecho foi positivo. Isso está muito bem expresso na declaração das mulheres quando afirmam que o menino é o resgatador (heb., goel) e que resgatará e consolará a vida de Noemi (v. 15). Contudo, mais ainda para a nação, representou o nascimento daquele que havia de ser o avô do futuro rei Davi. O seu nome se tornaria famoso em Israel (v. 14). Portanto, o sentido dessa história extrapola o drama de uma família e traz uma mensagem de esperança para toda a nação. A nação de Israel, a sociedade hoje, precisa de um resgatador ou de resgatadores.
Para entender o que a Bíblia fala
- Como a passagem descreve o menino que nasceu? (v. 14, 15)
- Quem cuida do menino?
- Quem dá o nome ao filho? Há algo incomum nisso? (v.17)
- Compare a situação de Noemi no 1.19-22 com essa passagem. Observe novamente a presença das “mulheres”, o “nome”, o “Senhor” e, principalmente, o contraste da situação de Noemi. Como a mudança é celebrada?
- Rute era moabita. Qual é a importância disso no fato de ela ser mãe do avô do rei de Judá? Veja como os moabitas são retratados em outras passagens bíblicas: 1Reis 11.1-8; Neemias 13.1-3.
Hora de avançar
Noemi teve ao seu lado, Rute, a amiga, companheira que se dispôs a sair para rebuscar cevada e trigo, e casar-se com Boaz. Rute é ao mesmo tempo protagonista dessa história, a figura de alguém à margem da sociedade, e coadjuvante de Noemi que contribui para tornar Mara em Noemi novamente. Por meio de sua atitude e gesto pôde prover um resgatador para aquela família e para a nação. O filho dela é chamado Obede, que significa “aquele que serve”, “servo” ou “adorador”. O nome sugere sua missão ou função na vida da família e da nação. Ele serve como meio de resgatar a terra e descendência de Elimeleque (heb., “meu Deus é rei”) e dar continuidade à essa linhagem da qual sairia o rei de Israel.
Nas narrativas bíblicas o nascimento de uma criança normalmente representa esperança. Sabendo que no mundo antigo crianças morriam prematuramente no parto ou como vítima de enfermidades ou ainda em decorrência das más condições de vida, uma criança que nascesse e vivesse em meio a circunstâncias adversas era sinal de esperança. Obede representa uma esperança. Ele nasce de uma viúva moabita que tinha sido casada com um israelita em circunstâncias improváveis. Isso é motivo de alegria e sinal de esperança. Ainda há na terra justiça, compaixão, solidariedade; ainda há um goel, “resgatador”, que cumpre o seu dever. Como as mulheres bem expressam, “Bendito seja o Senhor, que hoje não te deixou sem resgatador!” (Rt 4.14).
A história de Rute tem também um caráter simbólico ou parabólico. Há quem entenda que por trás dessa história temos a história do próprio povo de Israel. A família de Elimeleque é forçada ao exílio, assim como Israel foi levado pela Assíria e Judá pelos babilônios. De Moabe volta a viúva com uma das noras. Rute pode representar a própria nação de Judá (reino do Sul), enquanto Orfa, a nação de Israel (reino do Norte) que nunca voltou do exílio. Assim como Noemi e Rute tiveram de resgatar a terra e a descendência, a nação no período pós-exílico teve de lidar com o resgate da terra e da descendência. Isso fica muito claro nas reformas de Neemias e Esdras. Desse modo, assim como Noemi precisava de um goel, a nação também precisa de seu goel. Davi representa esse goel. Contudo, como vemos, os sucessores de Davi não agiram da mesma forma. Pelo contrário, no período da monarquia de Israel, a desigualdade aumentou (1Sm 8.10-18; 1Rs 9.15-28).
Portanto, a mensagem de Rute pode ser vista também como uma crítica às desigualdades que existiram no período da monarquia e o abandono de certos costume e leis que visavam inibir a desigualdade. Mais ainda, o fato de Rute ser uma moabita e estar na genealogia do rei Davi polemiza com o exclusivismo do judaísmo pós-exílico representado por Esdras e Neemias o qual pretendia expulsar as mulheres e crianças estrangeiras de Israel. Ainda que isso demonstrasse zelo particularmente às famílias sacerdotais (Ne 13) é irônico que na própria dinastia davídica havia um antepassado que foi filho de uma moabita. É como se o livro de Rute estivesse ressaltando a importância dos costumes antigos de Israel em relação à terra e a descendência em contraste com a rigidez das leis de pureza cerimonial. Essa mesma mensagem encontramos enfaticamente nos profetas do século 8 a.C., Amós, Isaías, Miqueias e Oseias.
Por fim, Rute também aponta para Cristo, o sucessor de Davi, e o nosso goel. Jesus é o parente próximo que resgata e consola nossa vida. Por meio de Jesus temos também a missão de consolar e proclamar a misericórdia do goel. Assim como Jesus, a igreja, os discípulos de Jesus devem colocar em prática os ensinamentos de Jesus de amor ao próximo, compaixão, misericórdia (Mt 25.31-46) e fazer a vontade do Pai (Mt 7.21-23).
Para terminar
- Quais são algumas lições concretas que você aprendeu dessa passagem e do estudo de Rute como um todo?
- Olhando para o livro de Rute como uma lição contra certos abusos do período da monarquia e mesmo do exclusivismo do judaísmo pós-exílico, pense em algumas normas, práticas ou costumes que a igreja hoje possui que impedem ou inibem as pessoas de agir com misericórdia e compaixão. O que podemos fazer para mudar isso?
>> Autor do Estudo: Willian Lane
>> Publicado originalmente pela Rede Evangélica Nacional de Ação Social