O “SECULAR” COMO CAMPO MISSIONÁRIO
Texto básico: Atos 19.8-10
Leitura diária
Domingo: 2Tm 1.1-18 Nada de covardia
Segunda: 2Tm 2.1-13 Transmite a homens fiéis
Terça: 2Tm 2.14-26 Dá testemunho a todos
Quarta: 2Tm 3.1-9 Sobrevirão tempos difíceis
Quinta: 2Tm 3.10–4.8 O que aprendeste
Sexta: Tt 1.5-16 Nada de fábulas
Sábado: Tt 2.1-15 A bendita esperança
Introdução
“Campo missionário” é um conceito muito interessante. Se, por um lado, todos “sabemos” muito bem ao quê costuma se referir (exclusivamente a povos pagãos, povos tribais, povos não alcançados, preferencialmente em um lugar muito distante, muito pobre, muito exótico…), ao mesmo tempo temos sérias dificuldades para encará-lo sob um prisma bíblico, de maior amplitude de significados e, consequentemente, de perspectivas missionárias que possam ser mais adequadas e eficazes dentro desse novo perfil de sociedade em que vivemos.
1. Campo missionário convencional-religioso
Diante disso, é muito significativo observar a experiência pastoral-missionária do apóstolo Paulo em Éfeso. Dentre os vários momentos da longa presença de Paulo em Éfeso, selecionamos os acontecimentos registrados nos v. 8-10, nos quais observamos como o conceito e a ação missionária de Paulo se desenvolveram, partindo do campo missionário convencional-religioso e se dirigindo para o campo missionário não convencional-secular.
Durante três meses Paulo se dedicou a pregar o evangelho com liberdade dentro da sinagoga, para judeus e prosélitos (religiosos). Seu método evangelístico nesse contexto foi falar “ousadamente, dissertando e persuadindo (em grego, dialegómenos kai peíthõn) com respeito ao reino de Deus” (v. 8), ou seja, ele se dedicou a apresentar o reino de Deus de forma argumentativa e persuasiva.
Entretanto, houve resistência à mensagem do evangelho por parte do mundo convencional-religioso, “alguns deles se mostravam empedernidos e descrentes, falando mal do Caminho diante da multidão” (v. 9). Sua mensagem não foi aceita nem por pessoas de sua própria nacionalidade e adeptos de sua antiga religião (judeus), nem por gentios que haviam se convertido ao judaísmo.
Isso pode parecer um tremendo fracasso para o ministério de Paulo e, quem sabe, ele o tenha considerado assim no início. À semelhança do apóstolo, o campo de trabalho missionário que mais consideramos favorável em nossa experiência hoje ainda é delimitado por questões religiosas convencionais, como a presença evangélica naquele local ou povo, o tipo de religião pagã predominante e o modelo eclesiástico que será implantado. Obviamente, são dados importantes para a igreja missionária, mas seriam decisivos para a definição de um campo missionário? Normalmente, quando o campo missionário é definido pelo convencional-religioso, a igreja desenvolve expectativas de trabalho e “retornos” ministeriais exclusivamente restritos a essa categoria, o que frequentemente tem sido frustrante para os missionários e suas igrejas.
2. Campo missionário não convencional–secular
É muito significativo observar que Paulo não restringiu sua visão ao convencional-religioso. Ao contrário, “separou os discípulos”, e os levou da sinagoga para a escola, onde “passando a discorrer diariamente na escola de Tirano(…) por espaço de dois anos” (v. 9-10). Paulo assumiu uma nova perspectiva missionária, a não convencional-secular: tira a igreja (os discípulos) do âmbito puramente religioso e a leva para a esfera do secular (a escola de Tirano). Como vemos a seguir na narrativa, o ensino de Paulo (que necessariamente não deixou de ser argumentativo e persuasivo) encontrou um terreno mais fértil e “dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos” (19.10). Mas para que isso ocorresse, ele precisou encontrar na esfera secular, e não somente na religiosa, o seu campo missionário.
Mudar do espaço religioso para o espaço secular fez com que Paulo e os discípulos chegassem efetivamente às pessoas e suas condições de vida. Eles se aproximaram de inúmeros doentes que foram curados por Deus (19.11-12); o paganismo de alguns judeus foi publicamente exposto ao fracasso, favorecendo a fé cristã (19.13-17); muitos dos que creram “vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras” (19.18); outros queimavam publicamente (no espaço secular) seus livros de ocultismo (19.19-20); chegando a ponto de os fabricantes de imagens religiosas temerem o prejuízo e causarem tumulto na cidade (19.23-41).
O uso da escola de Tirano pode ter sido, naquele momento em que tiveram de se retirar da sinagoga, a única opção para continuar o trabalho missionário. Entretanto, esse espaço secular se tornou seu principal campo missionário naquela cidade por dois anos. Pouco antes, quando estava em Corinto, Paulo debatia com os judeus na sinagoga somente aos sábados. No restante da semana, ele se dedicava a trabalhar secularmente fabricando tendas com Áquila e Priscila (18.2-4). Sem dúvida, ele usava esse espaço secular (a profissão) como um verdadeiro campo missionário. E, ao ser rejeitado pelos judeus, “Saindo dali, entrou na casa de um homem chamado Tício Justo, que era temente a Deus; a casa era contígua à sinagoga” (18.7). Foi somente ao assumir outro espaço secular (a casa) como campo missionário, que Crispo, o chefe da sinagoga que se opunha e amaldiçoava Paulo, “creu no Senhor, com toda a sua casa; também muitos dos coríntios, ouvindo, criam e eram batizados” (18.8). Escola, profissão e casa são apenas alguns exemplos de espaços seculares que precisam ser ocupados como nossos campos missionários.
3. Resultados da mudança do campo missionário
Outro elemento muito importante que devemos destacar é a forma como o texto nos apresenta o resultado dessa mudança do convencional-religioso para o não convencional-secular: “dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos” (19.10) e “Assim, a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente” (19.20). Esses dois versos nos levam diretamente outros com o mesmo sentido: “Crescia a palavra de Deus” (6.7), “os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra” (8.4), “a palavra do Senhor crescia e se multiplicava” (12.24), “divulgava-se a palavra do Senhor por toda aquela região” (13.49).
Todos esses textos parecem muito bem relacionados entre si dentro de Atos, indicando que o principal resultado da obra missionária é o crescimento e a divulgação da Palavra de Deus por todos os lados (secular) e não, exclusivamente, o crescimento do número de pessoas no rol de membros ou o número de novas igrejas construídas ou mesmo o aumento da arrecadação (religioso). No caso do capítulo 19, fica claro que o crescimento da Palavra de Deus por toda a Ásia, levando judeus e gregos à conversão a Cristo e abalando as estruturas religiosas e econômicas da cidade, deve-se à entrada de Paulo no mundo não convencional-secular como seu campo missionário.
Conclusão
Essa clara mudança do convencional-religioso para o não convencional-secular deve nos fazer pensar sobre nosso próprio conceito de campo missionário no atual contexto em que vivemos, no qual a sociedade está saturada pela dimensão religiosa e por espiritualidades das mais variadas formas (inclusive evangélicas e pós-evangélicas, para todos os gostos). É importante que a igreja comece a olhar para fora dessa dimensão religiosa e busque encontrar em diversas outras dimensões da sociedade e da vida humana, consideradas meramente seculares, novas e concretas perspectivas de campo missionário. O mundo escolar e universitário, os vários níveis da saúde humana, o exercício das diversas profissões, o campo da filosofia e do intelectualismo, os ícones do comércio e do consumo, a religiosidade da estética, do corpo e do sensorial, os novos modelos de família (sem nos esquecermos de que hoje tudo isso caminha sobre o chão da religiosidade humana), são apenas algumas poucas sugestões de campo missionário não convencional-secular para a ação da igreja na sociedade.
Oremos para que Deus nos abra os olhos, pela sua Palavra, para que sejamos um povo missionário relevante para o mundo em que vivemos.
Perguntas para reflexão
1. Uma imensa e significativa parcela da população mundial abandonou definitivamente seu antigo contexto de vida “convencional-religioso”, assumindo um perfil profundamente “não convencional-secular”. Que mudanças isso traz para a missão da igreja?
2. Que espaços seculares podem ser ocupados com a presença cristã e a mensagem do evangelho de Cristo? Como ocupá-los e usá-los como espaços de missão?
3. Como adequar o espaço secular como campo missionário com a espiritualidade cristã e vice-versa?
>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, na série Palavra Viva – Caminhos Missionários da Igreja. Usado com permissão.