É possível ter comunhão com Deus sem perdão de pecados?

A obra de expiação

Haveria outra maneira de Deus perdoar nossos pecados sem que Jesus tivesse de morrer por nós?

Texto básico: Isaías 52.13–53.12

Leitura diária
D 2Co 5.18-21 Ele se fez pecador
S Gl 3.6-14 Resgate da maldição da lei
T Hb 9.23-28 Oferecido para tirar os pecados
Q 1Pe 2.18-25 Carregando os nossos pecados
Q Gl 4.1-7 Resgatados e adotados
S Rm 4.1-25 Entregue pelas nossas transgressões
S 1Jo 2.1-6 Propiciação pelos nossos pecados

Introdução

A obra de expiação faz parte das funções pertencentes ao ofício sacerdotal de Cristo. Como poderíamos ter comunhão com Deus, se nosso pecado não tivesse sido perdoado? Como isso foi feito? O que os sofrimentos e a morte de Jesus têm a ver com isso? Será mesmo que não havia outra maneira de Deus perdoar nossos pecados sem que Jesus tivesse de morrer por nós? Isso é o que veremos na lição de hoje.

I. A expiação é substitutiva

Há uma imensa diferença entre expiação pessoal e expiação substitutiva. A expiação pessoal é aquela que a pessoa faz por si mesma. A expiação substitutiva é aquela que uma pessoa faz por outra. Nosso objetivo, nesta lição, é mostrar o caráter substitutivo da expiação realizada por Cristo em lugar de seu povo. Quando o ser humano caiu e se afastou de Deus como resultado de seu próprio pecado, ele ficou devendo uma reparação a Deus. Essa reparação era a penalidade prevista na aliança, isto é, a morte: “…da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). De fato, no dia em que o homem pecou, ele morreu espiritualmente. Isso fica evidenciado pelo rompimento de sua comunhão com Deus (Gn 3.8-10). No entanto, para que o homem pudesse ter vida espiritual eterna, Deus designou um substituto na pessoa de Jesus Cristo para cumprir a lei da aliança (isto é, permanecer de pé onde o homem havia caído) e morrer no lugar do ser humano, o justo pelos injustos.

É comum as pessoas terem muitas reservas ao ensino bíblico da expiação substitutiva. A grande dificuldade dessas pessoas é entender como e por que um Deus justo transfere sua ira contra os pecadores a Jesus, que é perfeitamente inocente. Em outras palavras, a dificuldade é entender como e por que Deus trata o justo Jesus como se ele fosse culpado. De fato, a transferência de um débito penal é quase ou inteiramente impossível entre os seres humanos. No entanto, no caso de Cristo, isso pode ser feito sem que haja injustiça de nenhuma espécie. É importante lembrar que não foi somente o Pai que concebeu o plano de redenção que envolveu o sofrimento e a morte de Cristo em lugar dos pecadores, mas a Trindade. Cristo não foi obrigado a morrer em nosso lugar, ele fez isso voluntariamente. O próprio Jesus diz que “…eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou…” (Jo 10.17-18) e Isaías diz que “…ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si…” (Is 53.4).

A Escritura ensina que o sofrimento e a morte de Cristo foram substitutivos, isto é, ele voluntariamente tomou o lugar dos pecadores, assumindo a culpa que era deles e, consequentemente, recebendo a punição que também era deles. É importante observar que os sofrimentos de Cristo não foram apenas os sofrimentos a que um amigo pode se sujeitar por simpatia. Ele não veio sofrer e morrer junto conosco, mas em nosso lugar.

O Antigo Testamento ensina que os sacrifícios de animais apresentados sobre o altar tinham caráter substitutivo. Quando o israelita apresentava um sacrifício ao Senhor, ele tinha de colocar a mão sobre a cabeça do animal e confessar seus pecados. Este ato simbolizava a transferência do pecado para o animal e o tornava apto a morrer em lugar da pessoa que oferecia o sacrifício (Lv 1.4). O animal oferecido em sacrifício toma, em sua morte, o lugar que cabia ao ofertante. Os sacrifícios apresentados no Antigo Testamento prefiguravam o grande sacrifício oferecido por Cristo, que é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29).

Há várias passagens na Escritura que falam de nossos pecados sendo lançados sobre Cristo e de Cristo tomando sobre si nosso pecado ou iniquidade (Is 53.6, 12; Jo 1.29; 2Co 5.21; Gl 3.13; Hb 9.28; 1Pe 2.24). Com base na Escritura, podemos dizer que nossos pecados são imputados ou atribuídos a Cristo. Isso não significa que nossa pecaminosidade tenha sido transferida a ele e que ele tenha se tornado pessoalmente um pecador como nós. Como vimos no trimestre passado, Cristo não pecou. Quando dizemos que nossos pecados são imputados a Cristo, estamos dizendo simplesmente que a culpa por nossos pecados foi transferida a ele para que a justiça de Deus pudesse ser satisfeita e nós pudéssemos ser perdoados. A culpa do pecado, como passível de punição, foi imputada a Cristo, que sofreu a punição por ela em nosso lugar, dando-nos, assim, acesso à vida eterna. É por isso que Paulo pode dizer: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar…” (Gl 3.13); e “…Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6).

II. A expiação inclui a obediência ativa e a obediência passiva de Cristo

Para facilitar a compreensão, é comum distinguirmos entre a obediência ativa e a obediência passiva de Cristo. No entanto, isso não significa que elas possam ser separadas. As duas estão presentes em toda a vida e obra de Jesus. Elas são partes complementares de uma unidade que não pode ser desfeita.

a. A obediência ativa de Cristo. Como Mediador da nova aliança, Cristo teve a incumbência de cumprir a lei, sendo obediente onde Adão foi desobediente. Isto constitui a obediência ativa de Cristo, que consiste em tudo o que Cristo fez para cumprir a lei como condição para obter a vida eterna para aqueles a quem representava. É por causa da obediência ativa de Cristo que seus sofrimentos recebem de Deus uma avaliação diferente daquela que recebem os sofrimentos dos pecadores. Quando nós pecadores sofremos, nosso sofrimento é decorrente, direta ou indiretamente, do estrago que o pecado fez no mundo e nas pessoas. Quando Cristo sofreu, ele fez isso, seu sofrimento era decorrente de sua graça amorosa, que o impulsionou a suportar um sofrimento que não era seu, mas nosso. Além disso, se não tivesse cumprido perfeitamente a lei, Cristo ficaria aquém das exigências de Deus e, por isso, não poderia fazer expiação por nós. A obra expiatória de Cristo faz mais do que garantir o perdão para os pecadores. Se sua obra expiatória se resumisse a isso, eles seriam perdoados, mas continuariam tendo a necessidade de cumprir a lei para alcançar a salvação. O que Cristo fez por nós em sua obra expiatória foi garantir o perdão para os nossos pecados e nos livrar do cumprimento da lei como condição para alcançar a vida eterna, adotando-nos como filhos e dando-nos a vida eterna como herança: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos… De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.4-5,7). Por intermédio de Cristo, a justiça da fé substitui a da lei (Rm 10.3-4).

b. A obediência passiva de Cristo. Como Mediador, Cristo entrou também na relação penal com a lei, a fim de cumprir a pena em nosso lugar. Sua obediência passiva consiste no cumprimento, por Cristo, da penalidade correspondente ao pecado. Esse cumprimento ocorreu nos sofrimentos e na morte de Cristo. Os sofrimentos de Cristo não surgiram acidentalmente, nem como resultado de circunstâncias puramente naturais, mas foram ordenados por Deus para que Cristo suportasse, em nosso lugar e em nosso favor, toda a penalidade do pecado e, assim, pudesse nos reconciliar com Deus. Os sofrimentos e a morte que eram nossos, como salário do nosso próprio pecado, foram lançados sobre Cristo, nosso substituto. Esse caráter da obediência de Cristo é mencionado pelo profeta Isaías em um dos versículos mais conhecidos de toda a Bíblia: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6). Ela também aparece repetidamente nos escritos dos apóstolos: [Cristo] “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4.25); “…carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados” (1Pe 2.24); “…também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1Pe 3.18); “Ele [Jesus] é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1Jo 2.2).

Ao contrário do que algumas pessoas imaginam, Deus não poderia nos perdoar de outra forma. Se isso fosse possível, ele não entregaria seu próprio Filho para morrer em nosso lugar. Sim, Deus é Pai, mas também é Juiz; ele é amor, mas também é justiça e santidade. Não há nenhum atributo de Deus que se destaque em relação aos outros. Para conjugar justiça, santidade, amor e graça, ele nos responsabiliza pelos nossos pecados, considerando-nos culpados e merecedores da morte, mas, ao mesmo tempo, nos oferece um substituto fiel na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo. A imaginação de que a morte de Jesus não seria necessária para que Deus perdoasse nossos pecados porque ele poderia, no fim das contas, simplesmente nos perdoar sem exigir satisfação é uma demonstração de falta de co­nhecimento de grandes e importantes doutrinas bíblicas, como, por exemplo, os atributos de Deus. Além disso, imaginar que um perdão sem satisfação seria possível é acreditar que Jesus sofreu e morreu desnecessariamente, o que é um grande absurdo. Cada gota de sangue derramada por Jesus foi estritamente necessária para nosso perdão e nossa salvação. A grandeza da abnegação e do sofrimento de Cristo deve nos mover a uma vida de dedicação e gratidão a quem nos amou com tanta intensidade sendo nós, ainda, pecadores (Rm 5.8).

Conclusão

O sacrifício substitutivo de Cristo garante o perdão de pecados para aqueles que creem nele. Esse sacrifício, associado à sua obediência completa e perfeita, garante que todos aqueles que creem nele, além de perdoados também são adotados como filhos e tornam-se herdeiros de Deus. Louvado seja Deus por seu grande amor por nós.

Aplicação

A espontaneidade com que Cristo tomou o lugar de seu povo e a intensidade de seus sofrimentos e de sua morte para cumprir a justiça de Deus e obter o perdão para os nossos pecados apontam para o grande amor com que somos amados por ele. Qual é a firmeza do seu amor por Cristo?


> Autor do Estudo: Vagner Barbosa

>> Estudo publicado originalmente na revista Palavra Viva – Da criação à volta de Cristo, da Editora Cultura Cristã. Usado com permissão.

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  1. É certo dizer que Cristo morreu por todas as pessoas do mundo? | Estudos Bíblicos - 18 de setembro de 2019

    […] No estudo anterior, vimos o caráter substitutivo da expiação realizada por Jesus e a importância de sua obediência no cumprimento da lei para que essa expiação fosse possível. Agora veremos o propósito e o alcance da expiação realizada por Jesus. Você sabia que a obra expiatória de Cristo garante o perdão de pecados para todos aqueles pelos quais Cristo morreu? Mas afinal de contas, quem são essas pessoas pelas quais ele morreu? É certo dizer que Cristo morreu por todas as pessoas do mundo? Se for assim, por que nem todas as pessoas são salvas? Isso é o que veremos na lição de hoje. […]

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