A lealdade de Deus para com o seu povo

A lealdade de Deus para com o seu povo

Texto base: Rute 1.1-22

Leitura diária
D – Ne 9.1-37 – Reforma e arrependimento;
S – Gn 22.1-19 – Deus demonstra lealdade a Abraão;
T – Gl 3.1-29 – Todos vós sois um em Cristo;
Q – Tg 2.14-26 – A fé sem obras é morta;
Q – Rm 6.15-23 – Servos da justiça;
S – Lc 16.1-17 – O apego às coisas terrenas;
S – Rm 8.26-30 – As bênçãos dos que amam ao Senhor

INTRODUÇÃO

Nem sempre os acontecimentos em nossa vida parecem revelar que Deus é bom e leal. Constantemente, passamos por situações que abalam nosso nível de confiança nas ações divinas como sendo benéficas e achamos que ele se esqueceu de nós, ou, até mesmo, nos traiu a confiança que depositávamos nele.

Entretanto, em muitos lugares, a Bíblia nos informa que Deus é bom, fiel e leal com os seus projetos e isso inclui, necessariamente, aqueles a quem ele ama e preserva. O que acontece, de fato, é que nossa compreensão da realidade é equivocada. Na realidade, a bondade de Deus está acima de nossa compreensão acerca da realidade e que necessitamos, continuamente, retornar às Escrituras para vermos nelas a revelação da bondade de Deus e de sua lealdade para conosco.

Uma advertência importante que serve para todos nós é: não extraia o conceito da bondade ou de lealdade de Deus a partir somente de suas experiências diárias, pois elas podem, e comumente o fazem, trair você em seu entendimento acerca de quem Deus é; mas, ao contrário, que você se fixe na Bíblia, nossa única realidade verdadeira e mantenedora dos conceitos divinos. 

I. A BONDADE DE DEUS SE REVELA NA NOSSA BENEVOLÊNCIA COM OS OUTROS

O filósofo moderno Immanuel Kant afirmou a seguinte tese: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio”. A idéia de Kant é que nossas ações devem ter o outro ser humano como alvo final dos nossos objetivos. Ninguém deve agir com interesse pessoal e egoísta a ponto de ferir a individualidade do outro ou de usar o outro como meio para a obtenção de seu próprio interesse.

A Bíblia é recheada de considerações a este respeito. Em Filipenses 2.3,4, por exemplo, Paulo nos instrui dizendo: “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros”. O objetivo do apóstolo é mostrar que a vida humana só tem sentido na sua relação com o outro, que é o nosso espelho, a nossa imagem, porque somos ambos a imagem de Deus. Não há razões, portanto, para que desejemos ser maiores ou melhores do que o próximo.

Em Rute 1.16,17, vemos, com clareza, a ação da bondade de Deus na relação entre Rute e Noemi, apontando, satisfatoriamente, para a compreensão da bondade de Deus, expressa na lealdade para com o próximo: “Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti”.

Esta é uma das mais belas declarações de lealdade da Bíblia. Alguns, inclusive, costumam usá-lo em casamentos, o que não é adequado, porque refere-se a um relacionamento de Rute, que era nora, com Noemi, sua sogra. Mas, de modo expansivo, aplica-se a qualquer relação interpessoal, porque o amor derramado por Cristo em nossos corações deve nos capacitar a amarmos ao próximo como ele mesmo nos amou.

Devemos ser leais às pessoas não porque elas são sempre leais conosco, mas porque Deus é leal conosco, e a sua misericórdia dura para sempre (Sl 136), mesmo quando somos infiéis. Assim sendo, esta compreensão altruísta, de ver o outro como o seu próprio espelho, é demonstração da bondade e da misericórdia de Deus sobre as nossas vidas.

Além do grande exemplo de lealdade de Rute, mais gloriosa ainda é a sua declaração de fé: “o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus”. Rute declara que agora ela faz parte de uma nova nação. Rute era moabita. Devemos nos lembrar da origem desse povo tão controvertido nas Escrituras. Quando Ló saiu de Sodoma, sua esposa, por ter olhado para trás, tornou-se estátua de sal (Gn 19.26), e Ló não tinha filho homem, apenas duas filhas, ou seja, a existência de sua descendência estava comprometida. Preocupadas com essa questão, as suas filhas decidiram dar-lhe filhos, onde cometeu-se o incesto. Elas o embriagaram, cada uma numa noite, e conceberam dele. A primogênita deu à luz a Moabe, donde originaram-se os moabitas, e a mais nova a Bem-Ami, que deu origem aos amonitas (Gn 19.30-38).

Comprovou-se o fracasso do projeto das filhas de Ló, pois os moabitas se tornaram provação e tropeço para Israel (Nm 21.29; 22.7; Js 24.9; Jz 3.12-30; 1Sm 14.47; 2Rs 3.1-27; Is 15–16), embora Deus preservara o território de Moabe para os filhos de Ló (Dt 2.8,9).

Apesar do histórico comprometedor desse povo, Deus mostrou que a sua graça não se restringe a uma nação apenas. Israel era a sua nação peculiar (Dt 7.7,8), para que se tornasse vitrine de sua glória para todas as nações (Dt 4.6-8). Rute viu esta glória e decidiu fazer de Israel a sua nação, renunciando a Moabe. Ela também renunciou aos seus deuses para servir tão somente ao Senhor, Deus de Israel.

A bondade de Rute mostrou que ela também havia se tornado vitrine da glória de Deus. O que Jesus ensinou no sermão do monte pode ser aplicado a ela: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16); e Paulo em outro lugar: “para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo” (Fp 2.15).

II. A LEALDADE DE DEUS FUNDAMENTA NOSSAS DECISÕES DIÁRIAS

Algumas vezes, temos dúvidas ao tomar decisões, especialmente aquelas que afetam diretamente os nossos interesses mais profundos e que, por consequência interferem na realidade dos outros. Qual é a base para confiarmos nas pessoas? Que critérios utilizamos para subsidiar nossas escolhas pessoais?

Em Rute 3.9-13, vemos que o critério utilizado por Boaz foi a benevolência de Rute. O texto nos diz: “Disse ele: Quem és tu? Ela respondeu: Sou Rute, tua serva; estende a tua capa sobre a tua serva, porque és tu resgatador. Disse ele: Bendita sejas tu do Senhor, minha filha; melhor fizeste a tua última benevolência que a primeira, pois não foste após jovens, quer pobres, quer ricos”.

Percebemos que as decisões de Rute não eram interesseiras. Ela tinha um pacto de lealdade que ultrapassava suas possíveis questões pessoais. Esta característica é percebida em Rute por Boaz, o que o faz estabelecer uma aliança conjugal com ela.

Nossa sociedade não se interessa muito por lealdade. Todos os dias, as pessoas traem umas às outras. O que interessa, realmente, é a manutenção dos próprios interesses. Vemos isto na política, quando os governantes não se importam com a população, mas, ao contrário, se enriquecem às custas das contribuições públicas; vemos também nas relações comerciais, quando os negociantes extorquem seus clientes em busca de lucros maiores; vemos, até mesmo, nas igrejas, quando o evangelho é mercadejado e “vendido” como um bem de consumo, que as pessoas podem usufruir e, depois de um tempo, renová-lo, pois já não atende aos seus caprichos.

Assim, o que Rute nos ensina é que a lealdade precede os nossos próprios interesses. O elogio de Boaz a Rute foi grandioso: “Agora, pois, minha filha, não tenhas receio; tudo quanto disseste eu te farei, pois toda a cidade do meu povo sabe que és mulher virtuosa” (3.11). 

A. Característica dos filhos de Deus

O salmo 15, dentre tantas características imprescindíveis que devem ser encontrados nos filhos de Deus, é dito que aquele que habita no tabernáculo de Deus: “jura com dano próprio e não se retrata” (Sl 15.4b), isto é, sua lealdade se comprova na sua palavra, ou de outro modo, é aquela pessoa de uma palavra só. Deus não se agrada de ter filhos dúbios, covardes ou de duas personalidades. Tal como ele é único e não se contradiz, nem se arrepende (Nm 23.19; 1Sm 15.29; Tt 1.2), assim ele quer que sejam seus filhos, verdadeiros, fiéis e leais. Este é um princípio fundamental da aliança, pois nenhuma pode subsistir sem lealdade. A traição destrói casamentos, amizades e confianças. Tiago fala do homem de ânimo dobre, isto é, um homem dividido entre duas opiniões divergentes, de caráter falho e indigno de confiança: “Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa; homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos” (Tg 1.7,8); e mais à frente ele convida pessoas assim a se arrependerem: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração” (Tg 4.8).

Nos frutos do Espírito Paulo não cita a palavra “lealdade”, mas cita, tendo o mesmo significado, “fidelidade” (Gl 5.22), o que indica que aqueles que são verdadeiros filhos de Deus e templos do Espírito Santo, têm, necessariamente, essa característica. Portanto, devemos demonstrar o nosso caráter aprovado diante de Deus e dos homens por meio de um comportamento irrepreensível, tornandonos confiáveis e leais, não a pessoas ou a interesses próprios, mas leais a Deus e à sua Palavra, que, por consequência nos tornará fiéis também às pessoas.

B. Os recabitas – Jeremias 35

Em Jeremias 35 está registrado o exemplo de homens leais que agiram conforme a vontade de Deus e, por esta razão, foram recompensados e serviram de ilustração para o profeta mostrar ao povo aquilo que Deus esperava dele.

Os recabitas foram usados como exemplo num contexto em que Judá comprovava a sua dureza de coração e sua vida incorrigível de transgressão e idolatria, desobedecendo deliberadamente a lei de Deus. Eles eram filhos de Jonadabe, que era filho de Recabe. Jeremias foi enviado pelo Senhor para pôr diante deles taças de vinho e oferecer- lhes para beber (35.1-5). Porém, ao fazer isso, os recabitas responderam a Jeremias que não o fariam, porque Recabe havia estabelecido uma lei para toda a sua geração, que eles jamais beberiam vinho, nem edificariam casas, nem plantariam sementeiras ou qualquer plantação e nem teriam vinha, mas viveriam em tendas (35.6-11).

Deus louvou a atitude dos recabitas e mostrou o grande mal de Judá, pois em contrapartida, teimavam nos seus pecados: “Visto que os filhos de Jonadabe, filho de Recabe, guardaram o mandamento de seu pai, que ele lhes ordenara, mas este povo não me obedeceu, por isso, assim diz o Senhor, o Deus dos Exércitos, o Deus de Israel: Eis que trarei sobre Judá e sobre todos os moradores de Jerusalém todo o mal que falei contra eles; pois lhes tenho falado, e não me obedeceram, clamei a eles, e não responderam” (35.16,17). Aos recabitas foi-lhes prometido que jamais faltaria homem em sua descendência que vivesse na presença do Senhor (35.18,19).

A lealdade de Rute e dos recabitas é aquela que Deus quer ver em todos nós que confessamos o seu nome e declaramos que ele é o nosso Senhor. 

III. A LEALDADE DE DEUS NOS TRAZ ESPERANÇA

As decisões cristãs são, todas elas, muito complexas. Essa complexidade tem a ver com as constantes contradições entre as propostas do mundo, nossas inclinações e, por outro lado, o desejo de Deus para nós comunicado em sua Palavra. Assim, somos sempre levados como ovelhas ao matadouro (Rm 8.36; Sl 44.22), isto é, nos dispomos ao prejuízo e à humilhação por causa dos nossos princípios bíblicos inegociáveis. Elas nos fazem demonstrar aquilo que somos e em que ou quem cremos. Esta profissão de fé contínua é o que Deus exige de nós a fim de demonstrarmos nossa lealdade a ele.

Rute nos mostra que a lealdade de Deus para com os seus planos é a garantia de um futuro vitorioso, e independe de nossos escorregões ao longo da vida e de nossas decisões equivocadas. Se dependêssemos de nossos acertos sempre, continuaríamos perdidos. Não temos condições de acertar sempre, porque somos pecadores. O que nos garante vitória nas decisões é a nossa certeza na fidelidade de Deus. Não depositamos a nossa fé nos homens, em nós mesmos ou em qualquer bem que esse mundo possa oferecer, mas tão somente em Jesus Cristo, a prova cabal da fidelidade de Deus.

Em 1.8, lemos: “Disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de benevolência, como vós usastes com os que morreram e comigo”.

A oração de Noemi em favor de suas noras foi para que o Senhor as cobrisse de benevolência. Vemos que o padrão de benevolência que Noemi expõe para suas noras provém do Senhor. Ela agiu como espelho da glória de Deus, pois Deus, em seu lugar, faria o que ela fez, se disporia ao sacrifício por amor dos seus, como de fato o fez em Cristo Jesus. Como dito acima, a benevolência de Noemi refletiu fielmente a benevolência de Deus.

E foi exatamente esta maneira de agir que fez com que Rute resolvesse ficar com sua sogra. Se Rute tivesse usado sua própria razão e seus próprios interesses não teria explicação para sua escolha. Entretanto, foi a sua conversão ao Deus de Israel e a certeza da sua bênção que a fez tomar decisão tão acertada.

Sempre que nos amparamos na lealdade de Deus podemos ficar tranquilos ao longo de nossas vidas. Se temos em quem nos apoiar, em quem confiar, não somente no dia a dia, mas sabendo que nosso futuro já está guardado e Deus tem um bom propósito estabelecido para todos aqueles que o amam. Vivemos sob a sombra dessa árvore frondosa que é a lealdade de Deus (Sl 91.1). 

CONCLUSÃO

Deus é bom para conosco e leal em todos os seus projetos. Ele não nos desamparará. Ainda que, dia a dia, provemos não ser capazes de entender os planos de Deus, ele nos garante a sua proteção e o seu conselho. Portanto, não precisamos viver afoitos ou soltos nas incertezas, porque temos aquele em quem está posta a nossa esperança, pois ele é leal conosco sempre.

A fidelidade de Deus foi às últimas consequências quando ele enviou o seu filho para ser crucificado e morrer em nosso lugar (Rm 8.32). Somos estimulados, pelo exemplo de Rute com Noemi, a viver num padrão exemplar, agindo com retidão, pureza de coração e santidade. A lealdade deve ser testemunhada em nosso procedimento e evidenciada por meio da coerência das nossas palavras com a nossa vida.

Mesmo quando as circunstâncias são ruins e não há evidência de boas perspectivas pela frente, assim como Rute e Noemi não sabiam o que seria delas, Deus permanece fiel em seus planos e abençoa aqueles que se mantém leais à sua Palavra. Cabe a todos os filhos de Deus, sem questionar ou duvidar de seus métodos, fazer como Rute, agir sempre com benignidade, bondade e fidelidade, mantendo a esperança tão somente da bondade providencial de Deus, pois ele nunca falha. 

APLICAÇÃO

Pense no modo de você refletir a lealdade de Deus para com as pessoas que o cercam. O que você tem feito no cotidiano para que as pessoas vejam sua lealdade e, deste modo, aprendam sobre a lealdade de Deus? Como tem sido sua relação com seus pais, irmãos, cônjuge, seus colegas de trabalho? Você os trata como meios ou como fins?

 

>> Estudo retirado da revista Expressão – Finalmente Canaã, da Editora Cultura Cristã. Autoria: Wendell Lessa

 

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