A feira doméstica das vaidades
Texto Básico: Ezequiel 14.1-8
Leitura diária
D – 1Co 10.14 – Aviso importante
S – Fp 2.5-8 – Imitando a Cristo
T – Ef 5.1 – Imitadores de Deus
Q – 1Co 11.1 – Exemplos piedosos
Q – Mt 11.29-30 – Aprendendo de Cristo
S – Lc 12.33-34 – Tesouros do coração
S – Dt 10.16 – Cura para idolatria
Introdução
Ídolos? Que ídolos? Não vejo nenhum! Quando falamos de ídolos e idolatria somos levados quase que instantaneamente à imagem de pessoas se dobrando diante de estátuas e esculturas. Ainda que esta seja a triste realidade de muitos lugares, há um tipo de adoração acontecendo no coração que é universal.
O coração humano toma coisas boas e as faz seus bens supremos. Nosso coração as diviniza como se fossem o centro de nossa vida, porque achamos que podem nos dar significado e proteção, segurança e satisfação, se as alcançarmos.
Não bastasse nossa luta interna contra nossos impulsos pecaminosos, uma luta externa também vem sendo travada. Pessoas influenciam pessoas, para o bem ou para o mal, e o lar é o lugar das principais influências que recebemos. Esta influência precisa ser reconhecida, e se forem idólatras, necessitarão de reorientação bíblica que aponte para a adoração.
I. O que pode ser um ídolo?
O conceito bíblico de idolatria é uma ideia extremamente sofisticada que integra categorias intelectuais, psicológicas, sociais, culturais e espirituais. Sim, tudo pode assumir contornos idolátricos em nosso coração. Tudo pode ser um ídolo, e tudo tem sido um ídolo. A situação é tão complexa e terrível que João Calvino as coloca nestas palavras: “o coração humano é uma fábrica de ídolos”.
Muitas dessas coisas que se tornam ídolos no coração são legítimas e boas em si mesmas. Mas quando tais coisas se tornam ídolos? Quando essas mesmas coisas se tornam nosso maior e mais sublime alvo de vida. Quando estamos dispostos a qualquer coisa para tê-las, começamos a desenvolver no coração a idolatria. Desejos se tornam deuses quando, por exemplo, algo legítimo, como o de ser amado pelo cônjuge, governa nossa vida e molda a maneira como vemos o mundo, as circunstâncias que nos cercam e nossas reações a estes estímulos externos e internos.
Existem os ídolos pessoais, como o amor romântico e a família, o dinheiro, a dependência emocional de outros em relação a você, a saúde, a boa forma e a beleza física. Muitos procuram essas coisas em busca de esperança, significado e satisfação que só Deus pode dar. Existem também os ídolos culturais, como poder militar, progresso tecnológico e prosperidade econômica. Os ídolos de sociedades tradicionais podem incluir a família, o trabalho duro, o dever e a virtude moral, enquanto os das culturas ocidentais podem ser cobertos pela liberdade individual, o autoconhecimento, a prosperidade pessoal e a satisfação. Todas essas boas coisas podem tomar (e tomam) dimensões e poder desproporcionais em uma sociedade. Elas prometem segurança, paz e felicidade se basearmos nossa vida nelas. Algo bom pode ser transformado em algo supremo, um ídolo.
Mas essas coisas não são materiais. Onde as adoramos? É bem aqui que a sutileza da idolatria se encontra. Esses são ídolos levantados no coração. O alerta mais claro e direto é dado pelo profeta Ezequiel: “Estes homens levantaram os seus ídolos dentro do seu coração” (Ez 14.3). Entretanto, essa é uma verdade existente desde o dia em que tomamos conhecimento de nossa tendência para encontrar fora de Deus tudo de que precisamos. Os dez mandamentos já o contemplavam.
O Senhor nos diz: “Não terás outros deuses além de mim” (Êx 20.3) e logo em seguida a explicação do que possam ser estes outros deuses: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor, teu Deus” (Êx 20.4-5). Isso inclui tudo no mundo.
II. Ídolos decepcionam
Não podemos nos esquecer de que os falsos deuses do coração sempre desapontam, e muitas vezes o fazem de modo destrutivo. Ídolos, por definição, decepcionam e frustram. Somente Deus cumpre o que promete. Um ídolo não tem compromisso com sua palavra, suas promessas, nem com os anseios que gera.
Eis o perigo da ignorância bíblica: as pessoas fazem ideias erradas a respeito de Deus e criam em seus corações um deus falso. Elas dizem estar decepcionadas com Deus e frustradas por causa do que esperavam receber dele. De fato não estão decepcionados com Deus porque ele a ninguém desaponta. Deus não tem obrigação nenhuma de honrar a falsa imagem que temos levado sobre ele em nosso coração.
Ídolos são usurpadores. Eles falsamente imitam aspectos da identidade e do caráter de Deus. Por isso, não é só importante, mas fundamental que recorramos à Escritura e mantenhamos constante e intenso interesse em aprender correta e fielmente sobre Deus a partir dela. Isto porque Deus não tem compromisso com nossos conceitos, nossas ideias preconcebidas ou concepções idólatras sustentadas em nosso coração. Deus tem compromisso com sua Palavra e com a fé, conceito e concepções que brotam dela.
III. A vida no lar é uma vida de imitação
O livro de Ezequiel deixa claro: maldição hereditária não existe (Ez 18). A alma que peca, morre. O pecado do pai não é imputado ao seu filho. Mas como explicar aquele comportamento ou reação tão semelhante à dos pais? E aquele pecado repetido por gerações? Há uma resposta bíblica para estas constatações fatuais? Na verdade há sim. Elas não passam de imitações espirituais.
Deus espera que sejamos imitadores. Isso é algo tão intrínseco em nós que não somente é previsto, mas esperado como uma oportunidade para ensinar os preceitos do Senhor. Em Deuteronômio 6.20-25, é esperado que o filho um dia queira saber os motivos pelos quais tem sido ensinado a agir e pensar de modo tão peculiar e diferente dos outros povos. A resposta dos pais deixa claro o que Deus espera ser primeiro realizado por eles (v. 24), para estimular os filhos, pelo exemplo, ao amor e às boas obras (Hb 10.24).
Se aquele comportamento conhecido que a criança manifesta é comportamento aprendido, então a pergunta é: de quem? E a reposta é: de nós mesmos. Somos imitadores. O que as pessoas são, dizem e fazem encontram referencial em Deus, quer na obediência à sua lei, quer na sua rejeição. Basta somente saber de quem: se de Deus ou de ídolos.
IV. O lar pode ser uma feira de ídolos
Os relacionamentos não são estáticos. São fluidos e por isso temos de lidar com influências vindas de todos os lados, de todas as interações sociais. Embora estas influências não sejam determinantes, elas existem e podem ter grande poder no resultado final.
Comparando a vida na igreja com a vida no lar, constantemente lemos na Escritura que somos família de Deus (Ef 2.19; Gl 6.10; 1Jo 3.1; Jo 1.12). Sabedor disso, o apóstolo Paulo não se constrangeu em convidar os cristãos a imitá-lo (1Co 11.1). Essa parece ser a dinâmica natural da vida em família: os filhos imitam seus pais.
A família fornece o modelo de relacionamentos que ordinariamente Deus usa no processo de crescimento e santificação do crente. Isso pode ser especialmente visto em Efésios 5. A partir do verso 22, a Escritura compara o relacionamento da igreja com Cristo com o que existe entre um marido e sua esposa. Essa não é uma analogia que aparece à toa. Esse capítulo nos encoraja a viver uma vida de imitação. Não uma imitação qualquer, mas a imitação de Deus.
Com o convívio, marido e mulher acabam ficando parecidos, nos gostos, jeitos e costumes. Os filhos são a maior e mais ampla evidência dessa verdade. De maneira intrigante entrelaçam os comportamentos e os imitam. Paulo esperava que, à medida que aumentasse o convívio familiar com Deus e seu povo, ou seja, nosso pai e irmãos, ficássemos mais parecidos uns com os outros e todos com Cristo. Contudo, a presença dos ídolos no lar altera dramaticamente a boa dinâmica da imitação e, como legado, os ídolos acabam por ser deixados como herança para os filhos também.
Quem captou bem a alteração que o pecado trouxe à dinâmica da vida foi John Bunyan. Ele chamou o mundo de “feira das vaidades” em seu livro O Peregrino. Pelo livro todo, e de maneira mais direta no capítulo Feira das Vaidades, é retratada a interação de formadores sociais do comportamento, poderosos, sedutores e temerosos, oferecidos insidiosamente ao personagem Cristão. Eis o drama: Será que Cristão servirá ao Deus vivo ou a algum ídolo oferecido por sua esposa, vizinhos, conhecidos, inimigos, companheiros, membros da sociedade e, por fim, por seu próprio coração?
Agora imagine outra cena. Seu lar é como uma feira. Cada habitante do lar, com seu comportamento, palavras e posturas, monta a sua banca. Seus ídolos são oferecidos ali, e nenhum dinheiro é exigido. A troca acontece e cada ídolo é novamente oferecido, com uma roupagem diferente. Sem a interferência direta e redentora do Senhor, uma vida de feira, na qual cada um de nós apresenta seus ídolos e ocorre a troca constante desses ídolos, tem a capacidade de tornar a vida no lar insuportável.
Conclusão
A adoração está na raiz de todo e qualquer comportamento: seja como culto a Deus ou a ídolos. O tema bíblico da idolatria oferece uma ferramenta penetrante para a compreensão tanto das fontes quanto dos caminhos do comportamento pecaminoso. Aquele a quem servimos, esse é nosso senhor.
A compreensão de que somos, ao mesmo tempo, motivados internamente tanto quanto condicionados externamente, torna claro conceitos bíblicos cuja tensão deve ser levada em conta no lar. Por sermos seres pessoais, somos responsáveis pelos nossos pecados diante de Deus e do próximo; porque somos pecadores, nossa vontade é prisioneira e tendenciosa para o mal; porque estamos envoltos por um mundo caído, somos enganados e nos deixamos enganar tanto por nós mesmos (autoengano) quanto por outros.
Nosso lar deve ser um ninho da graça e não uma fábrica de falsos deuses. Essa consciência nos ajudará a, não somente compreender essa tensão, mas a enfrentá-la com realismo, sim, mas também com viva esperança.
Aplicação
Vasculhe seu coração. O que mais causa temor a você? Quais são seus sonhos mais estimados? O que proporciona valor a você? O que traz segurança? Tudo o que nos controla é nosso senhor. Deposite seu amor e confiança somente em Deus, abrindo mão da tensão e nervosismos que a ansiedade gera. Seja um exemplo a ser seguido. Torne-se, pessoalmente, padrão de boas obras (1Tm 4.12). Aquele a quem imitamos é nosso Senhor.
>> Texto publicado na revista Nossa Fé do 2º trimestre de 2012 com o tema O lar segundo Deus, pela Cultura Cristã.
>> Autoria da Lição: Jônatas Abidias de Macedo