Do celeste porvir ao aqui e agora
Tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós (Romanos 8.18)
O homem é mesmo um desequilibrado. Até bem pouco tempo atrás uma fatia respeitável da igreja cristã empurrava todas as bem-aventuranças para o céu e para a eternidade. Dizia-se então que era necessário suportar pacientemente o sofrimento presente, inclusive a injustiça social, porque “a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo de sua glória” (Fp 3.20-21). Essa posição extremada fechou a boca da igreja, deixou inteiramente à vontade os corruptos e os opressores deste mundo e deu oportunidade e espaço à teoria marxista de que a religião é o ópio dos povos. Graças à ênfase socialista e à redescoberta do evangelho integral, principalmente a partir do Pacto de Lausanne, a fase do chamado “celeste porvir” (nome dado no Brasil pelo pastor Antônio Gouvêa Mendonça a essa tendência de adiar tudo para o tempo da segunda vinda de Cristo) está vivendo seus derradeiros dias.
Mal se livra de um grotesco extremismo, outro se aproxima célere e com força total. Do celeste porvir estamos passando neste final de século para o “aqui e agora”. Ao invés de empurrar todas as bem-aventuranças para o céu e a eternidade, a Teologia da Prosperidade está trazendo o celeste porvir para o terrestre presente. Para comermos a melhor comida, para vestirmos as melhores roupas, para dirigir os melhores carros, para termos o melhor de todas as coisas, para adquirir muitas riquezas, para não adoecermos nunca, para não sofrer qualquer acidente, para morrermos entre 70 e 80 anos, para experimentarmos uma morte suave – basta crer no coração e decretar em voz alta a posse de tudo isso. Basta usar o nome de Jesus com a mesma liberdade com que usamos nosso talão de cheques.
De acordo com a doutrina do não-adoecimento (expressão usada por Caio Fábio em seu livro Tá Doendo!), uma das filhas da Teologia da Prosperidade, os crentes que procuram médico ou se internam em hospitais demonstram falta de fé e desonram a Deus. Os médicos são apenas para os descrentes, para o mundo pagão, e não para os cristãos. A marca do cristão cheio de fé e bem sucedido é a plena saúde física, emocional e espiritual, além da prosperidade material.
Ora, tudo isso parece uma loucura já espalhada por todo o mundo, uma loucura que precisa ser investigada, corrigida e barrada. Com firmeza e também com amor. Antes que haja um conluio da fé cristã com o secularismo, o materialismo, o consumismo, o mundanismo, a Ciência Cristã e a neurolinguística. Antes que se coma a sobremesa antes do almoço. Antes que não sobre nada para o dia das bodas do Cordeiro. Antes que não haja mais nenhuma surpresa guardada para o crente no celeste porvir. Antes que a esperança cristã se torne desnecessária e se aposente.
Texto originalmente publicado na edição de janeiro de 1994 de Ultimato.