A última tentação de Cristo e a de maior intensidade não se deu no deserto da Judeia, mas no jardim do Getsêmani.

As Escrituras Sagradas não escondem de nós que Jesus Cristo foi tentado a pecar. As tentações eram “de toda sorte”, registra o Evangelho de Lucas (4.13). Foi ele “tentado em todas as coisas, a nossa semelhança, mas sem pecado”, acrescenta o Epístola aos Hebreus (4.15).

Não se deve pensar que as únicas tentações de Jesus foram as que aconteceram no deserto da Judeia, por ocasião do prolongado jejum de quarenta dias, logo após o batismo no Rio Jordão (Mt 4. 1-10). Com a vitória de Jesus, o diabo recuou e apartou-se dele não para sempre, mas “até momento oportuno” (Lc. 4.13). Houve muitas outras investidas. Numa delas, Satanás usou o inocente e bem-intencionado Simão Pedro. Foi quando o apóstolo quis desviá-lo da cruz, e provocou esta dura e enérgica reação de Jesus: “Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e, sim, das dos homens” (Mt 16.23).

As tentações de Jesus não são representações teatrais. Ele foi realmente tentado. O Senhor sofreu pressão externa para comportar-se de modo errado ou impróprio. Ele foi a vítima de sutilezas, de armadilhas, de emboscadas. As circunstâncias foram inteligentemente estudadas e usadas, como se vê nas tentações do deserto. Nem sempre as tentações partiram diretamente de Satanás. Algumas foram provocadas por sentimentos normais e saudáveis. Como, por exemplo, a vontade de comer e a vontade de não morrer. A tentação mais violenta e mais difícil é aquela que se mistura com coisas lícitas e justas. Paulo a isto se refere quando explica: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm” (1Co 6.12; 10.23).

Embora não haja nenhum texto que demonstre ou mesmo insinue qualquer tentação envolvendo o sexo, não é impossível que Jesus tenha sido tentado nessa direção, no mesmo sentido em que foi tentado a transformar pedras em pães quando teve fome. Mas o Senhor nunca olhou para uma mulher com intenção impura, porque quem faz assim “já adulterou com ela”, como ele mesmo declarou (Mt 5.28). Porque a si mesmo se esvaziou, porque se fez carne e porque assumiu a forma de homem (Fp 2.7; Jo 1.14), Jesus não era diferente dos outros homens quanto a sexualidade. Exceto a concepção, que foi sobrenatural, o crescimento de Jesus no ventre materno e fora dele foi absolutamente normal: “E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). Ele também se despertou para a sexualidade na idade própria, em obediência aos ditames da própria criação, da qual, como Deus, participou. Então, não se peca por irreverência ou blasfêmia se dissermos que Jesus teria experimentado na carne o desenvolvimento da sexualidade e de todas as suas implicações. Mas em tempo algum o seu caráter ficou sequer ligeiramente chamuscado com qualquer deslize ou impropriedade nesta ou em outra área. Qualquer insinuação de que Jesus teria se apaixonado por Maria Madalena ou outra mulher é pura invencionice e falta de respeito. Isso lhe seria totalmente impróprio, embora lícito, e é certo que Jesus não se permitiu tal coisa, à vista de seu ideal maior, de sua vocação especial e do propósito que trouxe a nós.

Duas coisas devem ser constantemente lembradas. A primeira é que Jesus foi tentado em tudo, “mas sem pecar” (Hb 4.15). A segunda é que ele não carrega dentro de si o chamado pecado original, por não ser descendência de Adão. Neste duplo sentido ele difere totalmente de nós.

A última tentação de Cristo e a de maior intensidade não se deu no deserto da Judeia, mas no jardim do Getsêmani. Ali Jesus Cristo foi tomado de tremenda tristeza e pesada agonia, ao ponto de suplicar a companhia e auxílio de Pedro, Tiago e João. Ao ponto também de experimentar um transtorno orgânico de tal intensidade que o fez suar sangue (Lc 22.44). Desde há algum tempo, Jesus estava sofrendo a perspectiva da cruz. Alguns dias antes, numa situação de angústia, ele havia se expressado francamente: “Agora a minha alma está muito perturbada. Deverei orar dizendo: Pai, salva-me daquilo que está por vir? Mas essa é a própria razão pela qual eu vim!” (Jo 12.27). Na madrugada da sexta-feira da paixão, a vontade de não tomar o cálice se apoderou violentamente de Jesus, contrariando todo o longo e eterno propósito de dar “a sua alma como oferta pelo pecado” (Is 53.10). O momento foi crucial, pois ele havia se oferecido desde os tempos eternos para remover pecados mediante a oferta de seu corpo, já que o sacrifício de animais não o podiam fazer (Hb 10. 3-10). Além do mais, ele havia se apresentado como o Bom Pastor, aquele que “dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11).

Não obstante acentuadamente violenta, a tentação de Getsêmani de não carregar sobre si os pecados de muitos e de não beber o cálice da justiça divina em lugar dos transgressores não demorou muito a ser vencida e afastada em definitivo. Esta foi a última tentação de Cristo – certamente a tentação mais difícil de todos os tempos.

Artigo publicado na edição 196, de 1988, de Ultimato.

 

OS ÚLTIMOS DIAS DE JESUS | N. T. WRIGHT & CRAIG A. EVANS

Ele ressuscitou mesmo?
Antes disso: Ele morreu? Foi sepultado?

Os Últimos Dias de Jesus trata desses três elementos essenciais, que resumem grande parte das declarações mais antigas da fé cristã: a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus.

 


 

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *