Humilhação preventiva e humilhação punitiva
A humildade é uma virtude rara e difícil. A cultura que nos rodeia valoriza a soberba e não a humildade. Dá mais valor à roupa, ao nome, aos diplomas, aos anéis, ao dinheiro, ao “status” social, à pose, ao poder, à aparência, e não reconhece o valor da piedade, da santidade de vida e da modéstia cristã. O sucesso, os elogios e as palmas alvoroçam a vaidade latente e fazem a pessoa se esquecer de sua origem humilde e da ação da graça de Deus em sua vida. Daí a exortação várias vezes repetida: “Lembre que você foi escravo no Egito e que eu, o Senhor, seu Deus, o tirei de lá com a minha força e o meu poder” (Dt 5.15; 15.15; 24.22).
Além do mais, por sua natureza, a humildade tem de se alojar primeiro no íntimo para depois se exteriorizar. É uma virtude para Deus ver e não para os outros verem.
Pode parecer amargo, mas não há nada melhor para curar a falta de humildade do que a experiência da humilhação, que controla a altura da autoadmiração equivocada e exagerada. Em alguns casos, é o único tratamento que dá certo. Para curar a soberba do Egito e tornar o país “o mais humilde dos reinos” foram necessários quarenta anos de desolação e dispersão (Ez 29.1-16). Foi a humilhação do distúrbio mental que levou Nabucodonosor a passar algum tempo na companhia dos animais do campo, como se fosse um deles, que o curou. O tratamento só terminou quando ele aprendeu que Deus “pode humilhar aos que andam em soberba” (Dn 4.1-37).
Existe uma humilhação sem dor e outra muito dolorosa. A primeira é a humilhação “preventiva”. A própria pessoa se cuida continuamente, reconhecendo sua pequenez, sua fragilidade, suas limitações, sua dependência da misericórdia divina, da comunhão com Deus e dos exercícios devocionais (leitura proveitosa das Escrituras e prática da oração). Em seu segundo discurso a Israel à porta da terra prometida, Moisés fez a seguinte exortação: “Tomem cuidado para não ficarem orgulhosos e esquecerem o Senhor, nosso Deus, que os tirou do Egito, onde vocês eram escravos” (Dt 8.14, NTLH).
Já que a posição de Deus varia de acordo com a autoavaliação da pessoa (se ela é soberba, Deus se põe contra ela; se é humilde, Deus a trata com bondade), Pedro recomenda a humilhação preventiva: “Sejam humildes debaixo da poderosa mão de Deus para que ele os honre no tempo certo” (1Pe 5.6). No Sermão do Monte, Jesus dedica uma das bem-aventuranças à humildade — as pessoas humildes receberão o que Deus tem prometido (Mt 5.5). O espinho na carne de Paulo nunca foi castigo. Era um medicamento para cortar os riscos de uma eventual soberba (2Co 12.7).
A humilhação punitiva só acontece quando não existe a humilhação preventiva. É uma lei inflexível: “Quem se engrandece será humilhado” (Mt 23.12). Uma das frases mais sucintas e mais sábias sobre esse tipo de humilhação é da lavra de Salomão: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18). A paráfrase da Bíblia Viva é mais dura: “A desgraça está um passo depois do orgulho; logo depois da vaidade vem a queda”.