Eu também tenho consciência missionária
Até então eu pensava no desafio missionário em termos de países e não em termos de povos ou etnias, o que é muito mais elástico. Até então eu não sabia que a grande comissão está também no Velho Testamento e não só nos Evangelhos e no livro de Atos.
Outro dia o Rev. Winrich Schefbuch, diretor executivo da Hilfe Für Brüder, me perguntou de onde vinha o meu interesse por missões. Três ou quatro anos antes, um pastor que valoriza o trabalho missionário, me telefonou e me disse surpreso: “Não sabia que você também tinha consciência missionária”.
Na verdade eu tenho uma consciência antiga e sólida, que tem crescido providencialmente através dos anos.
O processo todo começou no berço, quando eu ouvia falar da conversão do meu avô na cidade do Recife em 1876, em decorrência do trabalho do primeiro missionário estrangeiro a se fixar no Nordeste do Brasil, chamado John Rockwell Smith. Meu avô era um adolescente de 16 anos quando ouviu o evangelho pela primeira vez. Professou a fé no dia de seu 18° aniversário, juntamente com sua mãe, e tornou-se um dos três primeiros pastores brasileiros do Nordeste. Entre os seus descendentes há dezenas de pastores e leigos comprometidos com o Reino de Deus e uma multidão de crentes. Em 1975, cem anos depois da conversão de meu avô, tive o privilégio de visitar a neta de Smith em Charlotte, na Carolina do Norte, e de apresentar à família a nossa gratidão pelo ministério do notável missionário. Com este patrimônio histórico seria muito difícil eu não ter entusiasmo por missões.
Outro fator muito forte que me levou a ter consciência missionária foi a educação recebida no lar. Meus pais tinham defeitos, é lógico, mas a devoção deles a Deus e à pregação do evangelho era total e sincera. Meu pai não podia suportar igrejas sem congregações e inúmeros pontos de pregação. Ele fundou várias igrejas em Campos e em todo o norte do Estado do Rio de Janeiro. Embora morando em Campos, abriu trabalho em Juiz de Fora, Úba e Muriaé, no Estado de Minas Gerais. Minha mãe me fez ler biografias de missionários como David Livingstone (África), J. Hudson Taylor (China) e Jonh Paton (Novas Hébridas). Na minha adolescência li a história de Dwight Moody e resolvi evangelizar uma pessoa por dia, como Moody fazia. Não fui perseverante, mas evangelizei muita gente e uns poucos chegaram a professar a fé em Jesus.
Meu preparo teológico não foi feito num seminário tradicional. Estudei no Instituto Bíblico da Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro. Tenho certeza de que Deus mesmo me levou para lá por causa da grande ênfase dada à evangelização e missões, aliada a uma outra ênfase inseparável da primeira: vida espiritual rica e uma confiança enorme na providência divina. As acomodações não eram de primeira qualidade (quartos com cama beliche para 12 ou mais estudantes) e o ensino teológico não era dos mais eruditos, mas o ambiente de oração, fé e paixão pelas almas era muito forte. Éramos incentivados a fazer evangelismo pessoal a cada fim de semana e deveríamos preencher um relatório do trabalho realizado. Estes relatórios eram analisados e comentados publicamente numa reunião com a presença de todos os alunos.
Os quatro anos passados no chamado IBP, sob a direção da União de Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB), me fizeram pender mais para o trabalho missionário do que para o pastorado de uma igreja. Por esta razão, vim parar em Ubá (1955), Viçosa (1960) e Barbacena (1966), como missionário do Presbitério de Campos para começar da estaca zero, sem ter inicialmente o apoio financeiro de qualquer organização missionária. Depois de 14 anos de trabalho pioneiro, voltei para Viçosa, desta vez como pastor de igreja.
Trabalhando na redação da revista Ultimato desde 1968, fui obrigado a entrar em contato com notícias do progresso do evangelho no mundo inteiro, de forma ampla, não denominacional. Ora, é fácil avaliar a quantidade enorme de combustível recebida por esta via para incendiar o meu apetite missionário. Este trabalho me levou a participar de inúmeras conferências missionárias de âmbito mundial, como Amsterdam 83 e 86, Lausanne II, CLADE II e III e COMIBAM. Passei a fazer pesquisas muito sérias para publicar reportagens sobre alguns países do mundo, como Paraguai, Moçambique, Angola, Cuba, Coréia, Japão, Taiwan, Tailândia e China.
Quando o conselho da Igreja Presbiteriana de Viçosa organizou o Centro Evangélico de Missões (CEM) em 1983, convidamos o missiólogo Timóteo Carriker para nos ajudar a preparar o currículo de uma escola de missões transculturais e um curso de especialização em missiologia. Não posso me esquecer de uma série de palestras que ele fez na ocasião, mais tarde publicadas na revista Ultimato. Até então eu pensava no desafio missionário em termos de países e não em termos de povos ou etnias, o que é muito mais elástico. Até então eu não sabia que a grande comissão está também no Velho Testamento e não só nos Evangelhos e no livro de Atos. Aprendi também com Timóteo Carriker que o mais claro sinal da volta de Jesus não são os terremotos nem as guerras, mas a pregação do evangelho do reino “por todo o mundo, para testemunho a todas as nações” (Mt.24.14).
Hoje sou quase um obcecado pelo mundo inteiro. A mensagem que mais gosto de pregar em conferências missionárias é que o alvo de Deus (o mundo inteiro) tem que ser o alvo da igreja. Passei a abominar estas panelinhas de nações democráticas contra nações não democráticas, de nações capitalistas contra nações comunistas, de nações ricas contra nações pobres, de nações chamadas cristãs contra nações chamadas pagãs. E vice-versa.
Também dou graças a Deus porque há um meio termo entra a Teologia da Libertação e a preocupação exclusiva com a salvação das penas do inferno, porque não é preciso fechar os olhos ante a injustiça social, ante a exploração de alguns e a miséria de outros e ante a doença e a dor. Trabalho sob a bandeira do evangelho todo para o homem todo.
Esta longa caminhada não me deixa persuadido de que cheguei ao clímax da consciência missionária. Ainda tenho muito para ouvir e muito para prender, esta expectativa me livra de um desastroso marasmo.
Texto originalmente publicado na edição 233 de Ultimato. Março de 1995.
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