Eu também sou cristão
O planeta tem 5.892.480.000 habitantes. Destes, 1.995.026.000 são cristãos. E eu sou um deles. Com muita honra.
Nasci em lar cristão. O nome Jesus Cristo nunca me foi alheio. Devo dar muitas graças a Deus por essa herança cristã. Ao mesmo tempo, corri um perigo enorme. O perigo de me acostumar com o nome de Jesus e não lhe dar nenhuma atenção.
Mas não foi isso que aconteceu. A herança cristã foi enriquecida. A graça de Deus me alcançou e me beneficiou, no sentido de eu ter uma fé pessoal em Jesus. Uma fé que foi crescendo cada vez mais. E que, acredito, ainda cresce. Pela leitura das Escrituras, pela oração, pela obediência, pela fé, pela experiência e pela continuação da graça de Deus.
Jesus não me é um estranho. Não é um sonho. Não é alguém que nasceu, viveu e morreu há quase dois milênios. Não é uma imposição da cultura ocidental, não é uma imposição da história, não é uma imposição do berço, não é uma imposição de meu pai pastor e de minha mãe crente. Não é uma ilusão.
Houve um momento em que, em plena consciência, eu assumi a herança cristã, me coloquei ao lado de Jesus Cristo, entendi melhor a sua história, me deixei arrastar por Ele, me apropriei de suas palavras e de suas promessas, me comprometi com Jesus. Eu não faria isso por pessoa alguma. Só por Jesus. Porque Ele não é apenas homem. É também Deus. Deus feito homem. Ou, como explica o prólogo do Evangelho de João, “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14).
Aliás, tudo que João declara sobre Jesus eu assino embaixo: o Verbo já era no mais remoto princípio, o Verbo estava com Deus, o Verbo era Deus, todas as coisas foram feitas por meio dele, sem Ele nada do que foi feito se fez e o Verbo se fez carne, isto é, assumiu a forma humana e esteva conosco (Jo 1.1-14). Um Jesus tão grande, um Jesus tão antigo, um Jesus tão eterno, um Jesus tão criativo, um Jesus tão único, um Jesus tão divino, um Jesus tão condescendente a ponto de descer de seu pedestal e juntar-se ao homem, um Jesus tão cheio de graça – porventura não me atrairia de corpo e alma? É claro que sim.
Para conhecer bem a Jesus, subi vários degraus, um atrás do outro. Esta escadaria sagrada, eu ainda estou subindo. Cada degrau supera o degrau anterior. O próximo degrau vai superar o degrau em que hoje me encontro. Certamente terei outras surpresas nos próximos degraus. E, quando chegar lá em cima, no topo, terei mais surpresas ainda.
Um dos degraus que talvez mais tenha me emocionado, eu o subi na Semana Santa de 1951, quando cursava o primeiro ano do seminário, aos 21 anos. Aproveitei os feriados para fazer um estudo bíblico acurado sobre a morte e a ressurreição de Jesus, valendo-me dos Evangelhos e do apaixonante capítulo do Velho Testamento que mais fala de Jesus (Isaías 53). Tudo me pareceu cristalino. As profecias de setecentos anos cumprindo-se na sexta-feira da Paixão. O encaixe da profecia com a história. Os detalhes da profecia, especialmente aquele que diz: “Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a sua boca” (Is 53.7). Impressionei-me tremendamente com aquela explicação do profeta: “O castigo que nos traz a paz estava sobre Ele” (Is 53.5). Até hoje vibro com a revelação dos três Evangelhos Sinóticos de que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, no momento exato em que Jesus expirava e entregava a Deus o seu espírito (Mt 27.51, Mc 15.38 e Lc 23.45), anunciando que, depois do sacrifício expiatório de Jesus, o pecador, antes separado de Deus, agora pode entrar na presença do Altíssimo pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele mesmo inaugurou por meio de seu próprio corpo (Hb 10.19-22).
Sou cristão convicto, alegre, corajoso e entusiasta porque Deus me fez entender as profundezas do cristianismo. Ao chegar o “dia de Cristo” (Fp 1.6), quando Ele vier pela “segunda vez” (Hb 9.28), em “poder e muita glória” (Mt 24.30), em me ajoelharei a seus pés e lhe direi duas palavras apenas: “Muito obrigado”.
Texto originalmente publicado na edição 250 de Ultimato. Janeiro de 1998.