O grande desafio do terceiro milênio
Perder Jesus de vista não significa olvidar o seu nome ou a sua presença na história. Perder Jesus de vista é não acreditar no Jesus das Escrituras Sagradas, em sua divindade, em seu nascimento virginal, em sua morte, exclusivamente vicária, e em sua ascensão. Não existe cristianismo sem Cristo e sem o Cristo certo. O cristão perde Jesus de vista também quando não nega a si mesmo e vive à sua maneira, segundo as inclinações da carne, segundo o curso deste mundo e segundo o príncipe da potestade do ar (Lc 9.23; Ef 2.1-3).
Por que já não há igrejas cristãs na Turquia (antiga Ásia Menor), onde Paulo esteve com Barnabé em sua primeira e bem-sucedida viagem missionária? O que é feito das igrejas por ele fundadas em Antioquia, Icônio, Listra, Derbe e Perge? O que aconteceu com as sete igrejas do Apocalipse (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia), às quais o próprio Jesus enviou cartas pastorais? Por que no final do terceiro século 50% da população da Ásia Menor era cristã1 e hoje essa porcentagem não chega a 0,5%?
Por que o norte da África é hoje uma das regiões do mundo mais fechadas para o evangelho, sendo que havia ali uma igreja cristã extremamente forte nos três primeiros séculos? O que é feito da famosa Escola de Catequese de Alexandria, fundada por Panteno e que exerceu uma influência notável no mundo inteiro? Só nessa região havia 500 dioceses — um quarto de todas as dioceses do cristianismo de então. Essa igreja nos deu os mais notáveis apologistas cristãos do segundo e terceiro séculos: Tertuliano, Clemente e Orígenes, além de Cipriano e Agostinho.2 Por que todos os países do norte da África, exceto o Egito, têm hoje de 99 a 100% de muçulmanos (no Egito são 85%)?
Se Jesus Cristo é de fato incomparavelmente superior a Buda, que nasceu cinco séculos e meio antes de Cristo (cerca de 563 a.C.), e a Maomé, que nasceu cinco séculos e meio depois de Cristo (cerca de 570), por que o crescimento do islamismo é da ordem de 16% ao ano, do hinduísmo é de 13%, do budismo é de 10% e do cristianismo é de 9%?3
Por que a presença islâmica é cada vez maior na Europa e na América do Norte? Como explicar o presente e crescente interesse pelas religiões orientais no Ocidente? Por que a maior parte dos protestantes da Europa e da Austrália e a maior parte dos católicos da América Latina são cristãos nominais?
Em última análise, a resposta nua e crua é uma só: não poucos cristãos têm o triste hábito de perder Jesus de vista.
Esse processo desastroso de perder Jesus de vista acompanha a história do cristianismo. Já no tempo de Paulo, os cristãos da Galácia, na atual Turquia, começaram a perder a imagem de Cristo, ao ponto de o apóstolo lhes perguntar: “Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?” (Gl 3.1, NVI). Tamanha perda levou-os a uma posição de alto risco, como se pode observar no desabafo de Paulo: “Temo que os meus esforços por vocês tenham sido inúteis” (Gl 4.11, NVI).
Problema semelhante havia também entre os cristãos de Corinto, na Grécia. O mesmo Paulo lhes escreve: “Alguns de vós continuam em total ignorância de Deus: isso eu vos digo para vossa vergonha” (1Co 15.34, CNBB). Esses alguns diziam “que não há ressurreição de mortos,” o que significa afirmar que Jesus não ressuscitou dos mortos (1Co 15.12).
Situação ainda mais grave vivia a igreja de Laodiceia, também na Turquia, à qual Jesus diz: “Eis que eu estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo” (Ap 3.20, CNBB). Essa igreja autossuficiente tinha Jesus Cristo do lado de fora e foi exortada a começar tudo de novo. Tais acontecimentos ajudam a explicar o declínio total do cristianismo na antiga Ásia Menor.
Perder Jesus de vista não significa olvidar o seu nome ou a sua presença na história. Perder Jesus de vista é não acreditar no Jesus das Escrituras Sagradas, em sua divindade, em seu nascimento virginal, em sua morte, exclusivamente vicária, e em sua ascensão. Não existe cristianismo sem Cristo e sem o Cristo certo.
O cristão perde Jesus de vista também quando não nega a si mesmo e vive à sua maneira, segundo as inclinações da carne, segundo o curso deste mundo e segundo o príncipe da potestade do ar (Lc 9.23; Ef 2.1-3).
Embora Timóteo tivesse uma sólida formação judaico-cristã, embora tivesse trabalhado junto com o maior teólogo e maior missionário de todos os tempos, e embora tivesse sido por ele treinado para o ministério — ele foi exortado a se lembrar de Jesus Cristo (2Tm 2.8). Essa, porém, não é a única exortação em favor do não esquecimento de Jesus Cristo. Há uma outra bem mais solene, bem mais abrangente e bem mais conhecida, que acompanha obrigatoriamente a cerimônia da Ceia do Senhor. Além do mais é proferida pelo próprio Jesus Cristo, ao referir-se ao pão — “Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim” — e ao vinho — “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim” (1Co 11.24-25, EP).
Todas a vezes que os cristãos de várias raças, línguas e culturas celebram a Eucaristia, comendo do pão e bebendo do vinho, eles ouvem pessoalmente a mesma exortação de Paulo a Timóteo: “Lembre de Jesus Cristo, que foi ressuscitado e que era descendente de Davi, de acordo com o evangelho que eu anuncio” (2Tm 2.8, NTLH).
É preciso lembrar cuidadosa e continuamente da pessoa de Jesus, do ensino de Jesus, das promessas de Jesus, do exemplo de Jesus, do poder de Jesus, do amor de Jesus, do sacrifício vicário de Jesus, da ressurreição de Jesus e da ascensão de Jesus Cristo no tempo e no espaço, sob risco de cair em confusão, em desespero, em heresia, em apostasia e no vazio.
Na antiga aliança havia holocausto contínuo, da manhã ao pôr-do-sol, dia após dia, ano após ano. Todos os outros muitos sacrifícios não suprimiam o holocausto contínuo. A expressão “além do holocausto contínuo” ou “além do holocausto perpétuo” aparece 14 vezes nos capítulos 29 e 30 de Números. Hoje tem de haver lembrança contínua!
Assim como o holocausto contínuo apontava para Jesus e cessou quando Ele veio pela primeira vez, a lembrança contínua precisa ser mantida “até que Ele venha” (1Co 11.16)!
Notas
1 Neill, Stephen. “Missões Cristãs”. Lisboa, Editora Ulisseia, p. 46.
2 Kane, J. Herbert. “A Concise History of The Christian World Mission”, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1978, p. 51.
3 Ford, Leighton. “Jesus, o Maior Revolucionário”, p. 12.
Texto originalmente publicado na edição 280 de Ultimato.