Uma reflexão sobre as relações conjugais na igreja

 

Morgan Guyton*

(Tradução: Mozart Archilla)

 

Minha esposa e eu decidimos ousar no nosso casamento: enquanto um de nós pregava, o outro lavava os seus pés, invertendo as posições na metade do sermão. O texto que pregamos foi a passagem controversa de Efésios 5:22-23, que diz, “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como ao Senhor”. O nosso sermão veio à minha mente ao ler críticas ao livro “Real Marriage” (Casamento de Verdade), do mega-pastor Mark Driscoll, que aparentemente expande e reforça sua concepção de uma inferioridade feminina divinamente determinada. Eu não vou falar sobre um livro o qual não tive tempo de ler, mas pensei em compartilhar um pouco do que minha esposa e eu pregamos, como uma contribuição à recente discussão blogosférica sobre o casamento.

 

Efésios 5 compara o relacionamento entre marido e mulher com o relacionamento entre Cristo e a igreja. Em particular, Paulo escreve que o papel de Cristo é “purificar” a igreja (5:26), o que é na realidade um dos mais importantes (e submissivos) atos que Jesus pratica para com seus discípulos em João 13, ordenando-lhes a fazer o mesmo com outras pessoas (v. 15). Então, quando eu e Cheryl pregamos, nós conectamos as duas passagens, focando na maneira em que Pedro tentou impedir que Jesus lavasse seus pés.

 

O protesto de Pedro traz à luz um paradoxo sobre o ato de lavar os pés. É uma situação aonde não se sabe quem detém o poder, pois é tão humilhante lavar a parte mais suja de uma pessoa quanto ser lavado por outra pessoa. Somente crianças e adultos física ou mentalmente incapacitados precisam que outros os limpem. Lavar os pés de alguém é um ato submisso e paternalístico ao mesmo tempo. Pedro não ficou simplesmente escandalizado pela expressão de auto-insignificância de Jesus; ele também não quis ser emasculado ao ser o beneficiário da atitude de subserviência de Jesus.

 


O que eu disse no sermão do meu casamento é que eu não posso assumir o papel de Jesus durante toda a nossa união, sem cometer este pecado de Pedro. Para evitar o pecado, eu preciso deixar minha esposa ser Jesus para que eu possa ser a igreja. Às vezes preciso lavar os pés dela e às vezes preciso deixá-la lavar meus pés. Às vezes preciso ser pastor e às vezes ela precisa ministrar. Em Marcos 10:42-45, Jesus deu aos seus discípulos o paradigma bíblico básico para o entendimento da liderança servil:

 

“Sabeis que os que julgam ser príncipes das gentes delas se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre elas; mas entre vós não será assim; antes, qualquer que, entre vós, quiser ser grande será vosso serviçal. E qualquer que, dentre vós, quiser ser o primeiro será servo de todos. Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”

 

Um líder cristão deve ser “servo de todos”. O único fato que entra em conflito com isso é que devemos, também, ser “servos de Jesus Cristo” (Romanos 1:1, entre outros). Eu não posso fazer tudo o que os outros me ordenam, porque meu senhor é Cristo, mas eu existo para servir outros. Meu objetivo, na minha igreja, é empoderar cada membro para que ministrem e façam o trabalho do reino. A única distinção entre eu, como pastor, e eles, como pregadores, é que o meu chamado é investi-los de capacidade e equipá-los para que vivam os seus chamados. Não existe razão para que eles se submetam a mim. Eles devem se submeter a Cristo, assim como eu, e devem ouvir as minhas pregações ou me ignorar completamente de acordo com o quanto eu lhes ajudo para que façam isso. Então se seus pastores dizem que vocês devem se submeter a eles, respondam dizendo que eles estão se comportando como príncipes das gentes! Eles devem se submeter a Cristo, e a vocês.

 


Meu trabalho como pastor é me rebaixar perante à minha congregação para que eles possam fazer o trabalho de Deus, assim como meu trabalho como marido é me submeter à minha esposa, incentivando e empoderando-a para que ela faça o trabalho que Deus conclama ela a fazer. Não significa que o dever dela como minha esposa é diferente, mas mesmo se eu fosse a “cabeça” espiritual na minha casa, não existiria hierarquia se eu exercesse minha liderança como Cristo. A única coisa sobre a qual sou autoritário com minha esposa é que eu não lhe permito que desista do seu chamado. Houve momentos nos quais equilibrar a maternidade e o seminário foi muito difícil, mas eu não a deixava desistir, porque sei que ela tem dons pastorais que eu não tenho. Tem sido difícil deixá-la em casa nos últimos anos, mas ela ama ser mãe e ela tem um magnífico ministério na nossa igreja, mesmo sem ter um título.

 


Então eu não consigo entender como a verdadeira liderança servil cristã pode existir no tipo de lar “complementarista” que Mark Driscoll e outros pastores reformados ensinam os homens a estabelecer (eu odeio o termo “complementarista”, aliás, porque é um eufemismo desonesto: chame simplesmente de “hierárquico”). Quando minha esposa e eu temos que tomar decisões, discutimos às vezes, mas chegamos sempre em um consenso geral ou então não decidimos nada e revisitamos a discussão posteriormente. Nunca houve um ponto aonde um de nós disse, “eu decidi isso pela gente e ponto final”.
Não é isso o que “complementaristas” acham que um marido deve dizer? O que farão se suas esposas discordarem? Bater nelas? O poder dos “príncipes das gentes” que Jesus falava em Marcos 10:42 era, no final das contas, derivado da ameaça ou prática de violência física. Líderes servis que imitam a Jesus não deverão jamais impor sua vontade pela força. O poder de Jesus é derivado de sua completa submissão a quem discordava dEle, ao ponto de deixar ser crucificado quando Ele dispunha de todos os recursos do Criador do universo à Sua disposição. Se a maneira que Jesus amava sua igreja é o modelo para como devo amar a minha esposa, então não vejo razão para que exista hierarquia de gênero em meu lar.

 

Traduzido de: Why Gender Hierarchy Makes No Biblical Sense to Me

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*Morgan Guyton é o autor de Como Jesus Salva o Mundo de Nós: 12 Antídotos contra um Cristianismo Tóxico (disponível, em inglês, aqui: How Jesus Saves the World from Us: 12 Antidotes to Toxic Christianity ). Seu blog, Mercy Not Sacrifice (Misericórdia Não Sacrifício) é hospedado pelo Patheos. Ele e sua esposa Cheryl são co-diretores da NOLA Wesley, um ministério da Reconciling United Methodist no campus das Universidades de Tulane e Loyola, em Nova Orleans.

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  1. Bom artigo. Seria melhor ainda de fosse bíblico… Rsrs..:
    Brincadeiras à parte, o complementarismo está presente nas páginas das Escrituras enfaticamente. Negar isso é casar-se com o espírito deste tempo. Vindo de um homem, soa até como covardia em segurar o tranco da liderança e proteger sua família. Naturalmente, o serviço é mútuo. Aliás, o modelo de liderança de Jesus é o serviço ao próximo. Mas não vemos em Efesios 5 ensejo para a intercambialidade de papéis. Por fim, não nos esqueçamos que mesmo dentro da beleza da economia intra-trinitaria existe submissão voluntária permeada de amor e gozo.

  2. Eu e Aline sempre dialogamos sobre as relações de “submissão e mutualidade” nos bastidores, nos recônditos, nos aconchegos do nosso casamento, aí vão dez anos.

    E durante esta semana, voltamos a discutir e começamos a delinear novos entendimentos.
    Entre eles, a perspectiva de que submissão e mutualidade, no âmbito da Nova Aliança em Jesus, são “conceitos e/ou princípios” bíblicos que poderiam, inclusive, ser entendidos como sinônimos.

    • Equipe do Blog Dignidade!

      Muito obrigado por compartilhar a experiência de vcs por aqui, Rodolfo e Aline! É lindo poder ver/ouvir, na prática, daquilo que a fé nos ensina. Um abraço! Marcus.

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