International Studies (IS): Primeiramente gostaríamos que o senhor nos falasse um pouco de sua opção por trabalhar como editor.

Luis Rivera (LR): É uma longa história. A editora Martins Fontes nasceu na cidade de Santos, e eu a freqüentava do outro lado do balcão. A Martins Fontes na época era só uma livraria. Eu era um comprador de livros. Estávamos no início da década de 60. Em 1972, quando regressei da Europa, a Martins Fontes me convidou para prestar assessoria numa primeira tentativa de criar uma editora. Naquela altura, a Martins Fontes era uma grande distribuidora de livros portugueses. Às vezes faziam-se em Portugal tiragens inteiras para o Brasil, só para a Martins Fontes, de modo que muitas pessoas pensavam que a Martins Fontes fosse uma editora portuguesa. A Martins Fontes, nessa época, distribuia no Brasil as grandes editoras portuguesas.  Quando a editora começou a crescer em seu projeto editorial, ocorreu um fato curioso, secundário mas interessante. Estávamos na época da ditadura militar e aconteceu muitas vezes de livros importados pela Martins Fontes serem devolvidos para Portugal pela censura, sem argumentação. Só que a censura brasileira que cuidava dos livros importados não era a mesma que vigiava os livros publicados no Brasil. Então, estranhamente, muitos livros que não podiam ser importados podiam ser impressos aqui. Alguns livros, como os de Althusser, foram publicados a partir de filmes feitos aqui sobre a edição portuguesa. No início publicamos alguns livros cujos diretos adquiríamos de edições de Portugal. Começamos a publicar livros na área de psicologia. Foi nessa época que Waldir Martins Fontes me chamou para trabalhar como assessor, sem horário fixo, e aos poucos fui participando cada vez mais do mundo editorial. Havia livros, como os de Carl Rogers, que vendiam mais aqui do que em Portugal. Surgiu daí a idéia de também fazermos as edições brasileiras desse e de outros autores. E começamos também a procurar títulos fora das edições portuguesas para formar o nosso catálogo.  Tínhamos aquele intercâmbio com Portugal, mas procurávamos também editar outros livros. O primeiro livro cujos direitos nós compramos, um livro que vende bem até hoje, é o de Thérése Bertherat, O corpo tem suas razões. Isso foi em 1976. Este foi o início. E publicar grandes clássicos tornou-se uma preocupação da editora, graças à sensibilidade e à experiência de Waldir Martins Fontes.  Temos também uma linha de livros infantis e juvenis com grandes autores e clássicos, como Lewis, Tolkien, Ende, Andersen, etc.

IS: Não é uma espécie de suicídio ou de excessivo risco publicar livros como a Paidéia ou autores como Etienne Gilson, num país como o Brasil?

LR: Não acho que seja um suicídio. Trata-se de grandes livros e autores que, embora não vendam muito de uma só vez, vendem sempre alguma coisa e marcam a personalidade do nosso católogo. Mas a própria Paidéia é um livro que vende bem, porque é adotado e os intelectuais sabem do que se trata. Gilson já é menos conhecido, mas para surpresa nossa já se esgotou a primeira edição. Não se tornou um elefante branco.

IS: A linha dos clássicos é o diferencial da editora, portanto.

LR: É uma grande responsabilidade com o público editar um clássico. A tradução e a revisão têm de ser muito bem feitas. O clássico merece um tratamento que o faça chegar autêntico ao nosso tempo. Temos agora uma tradução de O suicídio, de Durkheim, e a minha orientação é que esse tipo de tradução seja a mais fiel possível. Um tradutor ou um revisor não deve, sob o pretexto de tornar o texto mais palatável, interpretar. Mas a minha obrigação como editor é oferecer ao público o autor tal qual ele é, para que o leitor, os estudiosos, tenham a possibilidade de fazer as suas interpretações. Se o pensamento do autor está expresso em uma linguagem menos fluente (para o tradutor), será um risco muito grande interpretar o texto para transformar-lhe a expressão. Caberá aos leitores, aos estudiosos, buscar a sua compreensão,com base na tradução fiel, mesmo sendo um texto pesado. Essa é uma decisão editorial. E esse é um direito do leitor.

IS: Como se encontra a publicação dos clássicos hoje no mundo, de modo geral?

LR: As grandes editoras no mundo podem publicar muito e vender clássicos a um preço bastante acessível, como a Newton Tascabili, a Penguin, a Oxford etc. A idéia de que publicar clássicos é bom para a editora porque são obras de domínio público, e por isso não é preciso pagar os direitos autorais, é falsa. As boas editoras que publicam os clássicos fazem-no preocupando-se com uma tradução bem feita, uma boa revisão da tradução e uma competente revisão técnica além de um bom trabalho gráfico, e isso é caro.

IS: Voltando a falar da Martins Fontes. Quando se consolidou a publicação de clássicos como vocação da editora?

LR: A evolução da Martins Fontes levou-a ao meio acadêmico e a publicar livros que não são livros de impacto, best-sellers.

IS: Para optar por uma publicação de um ensaio, de um livro mais intelectualizado, que critérios são adotados pela editora? Há uma preocupação em consultar o meio acadêmico brasileiro ou se levam em conta as tendências editorais no exterior?

LR: Existem clássicos básicos que são lidos e estudados em todo o mundo. Há outros que não são óbvios, e espera-se uma informação por parte da universidade.Outras vezes alguns autores clássicos são redescobertos ou analisados sob uma nova luz e passam a ser objeto de estudo. Algumas vezes isso acontece aqui, outras vezes são informações que nos chegam de fora. E há também as coincidências. Estamos agora preparando uma edição de Montaigne, e estou vendo Montaigne cada vez mais citado. É uma coincidência impressionante. No Brasil publicou-se Montaigne numa tradução com um texto belissimo de Sérgio Milliet, mas é mais Milliet que Montaigne, e não há outras edições. É inacreditável. Vamos publicar uma nova tradução que será muito mais Montaigne. Pascal, não há traduções novas de Pascal. Estamos partindo da edição de Louis Lafuma, que é a mais reconhecida. Estamos fazendo uma tradução da República, uma de Tucídides, a partir do grego, e sempre temos de pagar pelos direitos dos textos estabelecidos, o que é mais do que justo.

IS: Qual foi a história da publicação de C.S.Lewis e Tolkien pela Martins Fontes? Como se determinou a conquista desses dois grandes autores da literatura infanto-juvenil pela editora?

LR: Os livros de Tolkien eram vendidos no Brasil numa versão feita em Portugal. Para a edição brasileira, tivemos de adquirir os direitos em acirrada concorrência, e fizemos uma excelente tradução. Lewis foi mais tranqüilo. Um leitor sugeriu que publicássemos livros desse autor, que eram publicados por uma editora religiosa. Fizemos um acordo com eles e adquirimos a tradução que foi inteiramente revisada.

IS: Duas perguntas numa só: quais foram suas maiores alegrias como editor e como vê o futuro da Martins Fontes?

LR: Em 1986, a Martins Fontes “deslanchou”, houve uma Bienal fantástica, publicamos quadrinhos para adultos com grandes ilustradores europeus e iniciamos várias séries, duas delas só com autores brasleiros. Nessa Bienal lançamos vinte e tantos livros. Começamos a perceber nessa época que os grandes editores aqui e no exterior conheciam e respeitavam a nossa produção e que a imprensa começava a dar atenção para o nosso trabalho. Foi um momento de grande alegria.

IS: E quanto ao futuro da editora?

LR: Estamos entrando também numa linha de dicionários, e vamos aos poucos difundir mais nossas publicações, levando em conta a importância dos clássicos. Clássicos como Aristóteles, por exemplo, que sempre volta quando a situação moral começa a ficar complicada. Aristóteles volta para pôr a casa em ordem. Já quando as coisas estão meio quadradas nasce uma sede por Platão e Agostinho… É claro que estou falando de modo caricatural É isto que tanto me atrai nos clássicos: descobrir “novos” clássicos e ver também o modo como cada época explora os clássicos. Há momentos em que um clássico passa despercebido, como Santo Tomás ou Hegel.

IS: …como agora, por exemplo, redescobre-se Santo Isidoro, elegendo-o como padroeiro da informática?

LR: Exatamente. E temos que editar os clássicos, não só porque as pessoas os conhecem, mas para que os leitores os conheçam. Os clássicos são passos que a humanidade foi dando na trajetória do homem para estágios cada vez mais avançados de civilização e humanização. Este caminho é uma ladeira, é uma árdua subida. Hoje, em nome do valor único que prevalece – o lucro – quase não se fazem mais livros para informar ou formar, mas para agradar, isto é, vender. E o que pode agradar mais a quem está subindo do que imaginar a vertigem da descida? Os clássicos servem para lembrar os valores de sempre, mesmo que não dêem ibope. Fonte original: Portal da Editora Mandruvá http://www.hottopos.com/harvard2/o_compromisso_com_os_classicos_.htm

  1. Sou doutoranda em Estudos da Tradução e gostaria muitíssimo de fazer contato com Luis Rivera a respeito de sua tradução de algumas histórias do Petit Nicolas.

    É possível?

    Atenciosamente,

    Venise (juiz de Fora- MG)

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