Por Antonia Leonora Van der Meer

Fui missionária por dez anos em Angola, em um contexto de guerra. O governo era marxista, o que gerava inúmeras limitações e dificuldades para a nossa atuação, especialmente no que diz respeito à realização de viagens dentro do país, que eram necessárias, mas muito complicadas. O povo vivia na miséria; os hospitais transbordavam de feridos e epidemias de malária, doença do sono, sarampo e de muitas outras enfermidades. Faltavam recursos básicos, o que acarretava muitas mortes, tristeza e dor. Mesmo nesse cenário, ser missionário em si não era difícil. O povo nos recebia bem e precisava de uma mensagem de esperança. Por outro lado, esperavam muito mais de nós do que podíamos fazer. Era uma realidade desgastante. Nossas limitações e fraquezas eram evidentes. Também estávamos sujeitos à malária e a outros males.

Portanto, assim que voltei ao Brasil para servir no Centro Evangélico de Missões (CEM), propus encontros para missionários cansados e desgastados, independentemente de qual fosse o seu campo ou a sua agência. Nessa época, o Senhor trouxe cooperadores, como o pastor Osmar Ludovico da Silva. Portanto, desde 1996 organizamos encontros na cidade de Viçosa (MG).

Sempre houve missionários necessitados desse tipo de apoio, refrigério ou restauração. Eram pessoas com experiências missionárias no Brasil, entre indígenas, pescadores ou no sertão nordestino. Outros trabalhavam em diferentes continentes, provenientes de agências e o grupo do Cuidado Integral do Missionário (CIM), que hoje é um Departamento da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB). Assim esse trabalho avançou, e outras formas de cuidado do missionário foram sendo desenvolvidas e aplicadas. Hoje os encontros também se realizam em Curitiba (PR) sob a direção da liderança do CIM.

Uma vez reunidos, o que mais lhes impactava era um ambiente de abertura, de compreensão mútua, de liberdade para abrir o coração, serem ouvidos, aceitos e respeitados. A maioria das pessoas saía com novo vigor e coragem para continuar, além de conscientes de que não eram os únicos que passavam por tamanhas lutas e limitações. Não eram pessoas fracassadas, como muitos as consideravam, mas soldados feridos que voltavam das frentes mais difíceis. 

Mesmo para os filhos de missionários (FMs) havia atividades especiais. Os encontros se tornaram significativos, porque eles percebiam a riqueza de serem poliglotas e crianças conhecedoras de vários países e culturas. Elas também descobriam crianças com experiências semelhantes e faziam amizades preciosas.

>> A garota [da foto] na geladeira – os filhos de missionários também são chamados? <<

Além desse serviço oferecido no Brasil, alguns membros do grupo fizeram viagens a outros continentes onde oferecemos um apoio semelhante aos missionários. Houve vários encontros no Senegal, no Timor-Leste, em Angola, Moçambique e em países da Europa, Ásia e do Oriente Médio. O melhor não são somente as palestras oferecidas, mas a oportunidade e o encorajamento para que cada um reconheça suas lutas e frustrações, as encare na presença do Senhor e receba Seu amor restaurador. Não há soluções imediatas para todos os problemas, mas certamente é possível encontrar renovação, coragem para enfrentar as lutas, o ânimo e a fé em Deus.

Assim perseveram com alegria pela consciência de que são pessoas comuns chamadas para uma tarefa extraordinária. Sempre há missionários com feridas profundas e lutas escondidas no coração. Para que a cura deles realmente ocorra, é fundamental a participação de suas igrejas nesse processo.

O apoio pastoral ao missionário deve ser encarado como prioridade dentro das agências missionárias. As igrejas e as agências devem desenvolver um ministério nessa área com pessoas experientes e preparadas para essa tarefa, de preferência com vivência de campo. É importante considerar a necessidade de visitas pastorais ao missionário e que as avaliações físicas e psicológicas não se restrinjam à fase de preparação para o envio, mas se estendam até o retorno do missionário, possibilitando o diagnóstico de eventuais problemas a serem tratados. Casais missionários enfrentam vários desafios e conflitos. Eles precisam encontrar um ambiente de confiança para poder expor suas dificuldades. É importante que todo o processo de criação dos filhos, sobretudo as fases mais críticas, como o período de amamentação, a fase escolar e a adolescência, sejam acompanhadas pela liderança da missão. Mulheres solteiras fiéis e consagradas servem nos campos mais difíceis, mas ainda sofrem com carências, solidão e recebem ofertas indiscretas de ajuda para arrumar companheiros. Elas precisam de cobertura de oração, intercessão e de apoio fiel de pessoas com quem possam se abrir, com liberdade e sinceridade.

As visitas pastorais são muito importantes, assim como a participação em encontros e em retiros espirituais. Nenhum missionário verdadeiramente chamado por Deus se arrepende por ter escolhido a carreira missionária. Fazem isso conscientemente e com alegria, mas não se pode esquecer em nenhum momento da jornada de que somos um corpo, o Corpo de Cristo: “Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.” (1 Co 12.12). Cada um faz parte de um esforço maior por alcançar os povos com as boas notícias do Reino de Deus. Somos humanos e precisamos muito da atenção carinhosa, do respeito e do cuidado devidos a qualquer semelhante.

Publicado originalmente em Povos e Línguas. Reproduzido com permissão da autora.

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