Por Antonia Leonora van der Meer

A igreja evangélica brasileira em poucas décadas transformou-se de campo missionário em “celeiro de missões”. Como a igreja está assumindo e tratando seus missionários?

Maluco?

Fui convidada para falar sobre missões numa igreja bem viva e dinâmica. A família que me hospedou não se cansava de ouvir minhas experiências missionárias. Até que, de repente, a filha que estava para terminar o curso de medicina começou a mostrar que estava seriamente considerando a possibilidade de servir na obra missionária. O ambiente mudou totalmente:

— Isso seria uma loucura!

Muitos cristãos ainda consideram o missionário basicamente um maluco. Como é que uma pessoa de boa formação ou com responsabilidades dentro da família abandona tudo e todos para embrenhar-se em alguma selva entre povos tribais ou para confrontar situações de alto risco em países resistentes, onde há falta de segurança e de confortos básicos?

— Missionários solteiros, tudo bem (desde que não seja meu irmão ou minha filha), mas um casal com filhos é o cúmulo do absurdo! É claro que Deus não pediria uma coisa dessas para seus filhos! — é o pensamento de muitos.

Será que Deus não pediria? O que lhe custou o seu projeto missionário? A Bíblia afirma que se trata de uma loucura de Deus: uma loucura poderosa para salvar e transformar vidas humanas. Graças a Deus pelos que aceitam ser “os malucos de Deus” (1 Coríntios 1:21-29).

Mas isso significa uma atitude irresponsável da parte do missionário? Ou da igreja? Infelizmente, muitas vezes tem sido! E aí já abandonamos a categoria da loucura segundo Deus para uma loucura humana, irresponsável. Isso acontece quando o missionário é enviado com um espírito ufanista, sem o preparo espiritual, bíblico, missiológico e pastoral adequado. Quando ele ou sua igreja se sentem auto-suficientes, não precisam de ajuda ou orientação, nem de missionários mais experientes, nem de líderes cristãos nacionais. Assim, o missionário é enviado para ser bênção, mas nem sempre será.

Mas existe outra irresponsabilidade ou loucura injustificável e pecaminosa que nossas igrejas têm praticado. Enviam o missionário com a bênção da igreja, que se orgulha em divulgar que sustenta “X” missionários. Mas, de repente, surge um projeto de construção ou outra necessidade urgente que demanda toda a atenção.

— Ora, o missionário é pessoa de fé. Deus cuida dele — e a igreja abandona seus missionários no campo.

Será que o pastor também não é homem de fé? Por que, então, tal atitude inconsequente? O missionário enfrenta dificuldades, às vezes problemas de saúde, falta de recursos básicos, falta de explicações e comunicação, dívidas. Como resultado, surge uma profunda crise. Às vezes trata-se de uma pessoa que se adaptou bem ao campo, progrediu no estudo da língua nacional, relacionou-se bem com os nacionais e acaba sendo derrotada por esse abandono!

Gostamos de falar em guerra espiritual, mas abandonamos nossa tropa de elite, nossos comandos no campo de batalha, sem orientação, sem recursos, às vezes feridos, sem qualquer cuidado! Nenhum exército humano faria isso.

Outra manifestação dessa inconsistência acontece no momento em que o missionário põe os pés de volta no Brasil:

— Voltou do campo? Deixou de ser missionário. Acabou o sustento! — um tremendo contraste com empresas e governos, que enviam funcionários para servir em outras culturas ou situações de risco, e sempre oferecem uma série de compensações.

Mas, no caso dos nossos missionários, se o sustento não acaba por completo, geralmente diminui consideravelmente, afinal “o missionário é uma pessoa simples, chamada para sofrer”…

Não nego que muitos sejam chamados para sofrer. Mas esse sofrimento não deveria ser causado pela igreja que o envia e sustenta, mas pelas condições do contexto de vida do local onde trabalha. É triste saber que missionários brasileiros voltam prematuramente do campo muito mais por causa da falta de preparo, de sustento e de apoio pastoral adequados, e por problemas de relacionamento com os que os enviam, do que por problemas de ministério ou de relacionamento com as pessoas a quem servem, mesmo em países considerados de alto risco.

E o que seria o mártir e o mendigo? E afinal, quem é o missionário? Leia a continuidade deste texto aqui.

> Texto publicado originalmente na edição 269 da revista Ultimato.

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